Por Thomaz Rafael Gollop * e José Henrique Torres** Aproxima-se o julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 (ADPF-54), que se refere a um pedido de reconhecimento da constitucionalidade da antecipação terapêutica do parto nos casos de Anencefalia. Nesses casos, o feto não tem a caixa craniana nem a maior parte do encéfalo. Trata-se de uma anomalia congênita grave, que acarreta, em todos os casos, absoluta incompatibilidade com a vida. Portanto, o anencéfalo é um natimorto cerebral, que até pode ter uma sobrevida vegetativa por, no máximo, alguns dias ou semanas, mas a sua morte é inexorável. Ademais, de acordo com essa sua situação específica da anencefalia, não seria possível nem mesmo falar em aborto no sentido jurídico-penal. E o diagnóstico ultrassonográfico de anencefalia, que é 100% seguro, pode ser realizado com 12 semanas de gravidez. Além disso, não se olvide que a literatura médica refere graves riscos nessas gestações: em 50% dos casos há excesso de líquido amniótico com conseqüente hiperdistenção do útero, o que pode condicionar dificuldade em sua contração depois do parto e levar a grandes hemorragias; em 18% dos casos, a gravidez se prolonga além do prazo normal; 25% dos fetos anencefálicos estão em posição anormal, o que causa dificuldades no parto (essa situação é seis vezes mais freqüentes do que em gestações normais); e a placenta pode descolar-se da parede uterina três vezes mais freqüentemente do que em gestações normais condicionando graves complicações. E não se pode esquecer do imenso sofrimento psicológico que as gestantes enfrentam nessa situação. É por tudo isso que, desde 1989, juízas e juízes brasileiros têm concedido autorização para a antecipação terapêutica do parto nesses casos, possibilitando, assim, que a mulher receba assistência adequada, médica, de enfermagem e psicológica, em qualquer hospital da rede pública ou privada. Todavia, essas autorizações, submetidas ao procedimento judicial, podem demorar, e podem até ser negadas, pois ficam na dependência da convicção de cada juiz, caso a caso. O que se pretende, portanto, em síntese, nessa ADPF n. 54, é que o STF declare, definitivamente, em uma decisão com validade para todos os casos de gravidez com anencefalia, que a antecipação do parto é constitucional e é um direito da gestante, que não deve precisar de autorização judicial individual para receber a assistência do Estado, que tem o dever de garantir à gestante essa assistência. É preciso observar, contudo, que a antecipação do parto, nesses casos, é uma decisão autônoma e livre da gestante. Assim, as mulheres que desejarem manter a gravidez terão todo o direito de fazê-lo e ao Estado cabe também o dever de garantir toda a assistência necessária para que a gestação chegue a termo com toda a segurança. Mas, porque essa questão foi encaminhada ao STF? É que essa é uma questão de natureza constitucional, pois as mulheres têm o direito constitucional de assistência plena à saúde, o que implica o direito de antecipar o parto diante de uma gestação que acarreta tantos riscos, danos e sofrimentos. Além disso, há uma norma constitucional que impede que as cidadãs e os cidadãos brasileiros sejam submetidos a tortura ou a qualquer tratamento cruel. Assim, o Estado não pode obrigar uma mulher a manter uma gestação de anencéfalo até o termo final, pois isso implicaria submetê-la a tortura e a tratamento cruel. Assim, avaliando essa questão sob a óptica dos Direitos Humanos Sexuais e Reprodutivos, e com o objetivo de estabelecer um elo sólido entre os profissionais da área da saúde e do sistema judiciário na defesa dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, bem como com a intenção de expandir a discussão desse tema na mídia e na sociedade civil, dois seminários foram realizados, recentemente, em Brasília: o primeiro, em maio de 2010, com o apoio do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e de seu Presidente, Ophir Cavalcante; e outro, em setembro, no Conselho Federal de Medicina, com o apoio de seu Presidente, Roberto D’Avila. Decididamente, é fundamental que os direitos das mulheres sejam garantidos e que elas possam ser ouvidas, respeitando-se a individualidade de cada uma, sob o arnês dos princípios democráticos e de Direitos Humanos. Aliás, é preciso lembrar do que afirmou, recentemente, Mario Vargas Llosa, Prêmio Nobel de Literatura: “Querer moldar a sociedade humana, ignorando as limitações, contradições e variações do ser humano, como se homens e mulheres fossem uma argila dócil e manipulável capaz de se ajustar a um protótipo abstrato, concebido pela razão filosófica ou pelo dogma religioso, com total desprezo pelas circunstâncias concretas, pelo aqui e agora, isso contribui, mais do que qualquer outro fator, para incrementar o sofrimento e a violência”. * Professor Adjunto de Ginecologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí, Coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA) ** Juiz de direito, professor de Direito Penal da PUC-CAMPINAS, membro da Associação Juizes para a Democracia e do GEA Fonte: Informativo AADS/IPAS Brasil
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