Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Os novos representantes da sociedade civil no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) assumem seus cargos no dia 25 de maio, em meio a uma polêmica que envolve a concepção de política de assistência social a ser adotada pelo governo. Após as eleições realizadas no começo de abril, durante assembléia do CNAS, a Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong) publicou um editorial em seu boletim semanal no qual apontava uma polarização das entidades votantes. A divisão estaria prejudicando as atividades do Conselho.
De um lado estariam as organizações que defendem políticas de assistência social voltadas para a garantia de direitos. Do outro, as que apóiam medidas assistencialistas, às quais a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), aprovada em 1993 e considerada um marco por seu caráter inovador, visava pôr fim. Além disso, segundo a Abong, algumas instituições eleitas para representarem determinados segmentos não poderiam ocupar a vaga, por não serem da área. Esses problemas, segundo a entidade, trazem conseqüências para a execução das políticas públicas, que ainda não atingiram seu objetivo de prover todos brasileiros de suas necessidades mínimas.
O CNAS é formado por 18 conselheiros, sendo nove indicados pelo governo federal. Os demais são membros da sociedade civil, que, pela primeira vez desde 1993, quando o Conselho foi criado em substituição ao Conselho Nacional de Serviço Social, organizou a eleição. Antes o governo apontava os representantes.
A mudança ocorreu em março deste ano, com um decreto do presidente Lula, medida aplaudida por ser uma antiga reivindicação de ONGs e fundações de assistência social. “Houve um aumento rápido no número das entidades interessadas em participar dessa eleição. Isso significou que o governo reconheceu que o Conselho é a instância competente para conduzir o processo eleitoral”, diz Vânia Ferreira, da Pastoral da Criança, instituição recém-eleita para o CNAS. Mais de cem entidades compareceram à assembléia de abril.
Os nove conselheiros da sociedade civil estão divididos em três segmentos, com três cadeiras cada: representantes de entidades de assistência social, de usuários de serviços e de trabalhadores do setor (veja ao lado a lista das entidades que tomam posse no dia 25).
O mandato de todos os membros dura dois anos. O órgão, que é subordinado ao Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome, tem duas funções: definir e fiscalizar a aplicação de recursos do Fundo Nacional de Assistência Social e emitir certificados de entidade beneficente.
Em seu boletim, a Abong nomeia os dois grupos como o “velho” e o “novo”, em referência à idéia que cada um tem sobre assistência social. A concepção mais recente veria a assistência como uma política integrante da seguridade social, ao lado da saúde e da previdência. Já a mais antiga estaria ligada a políticas de caridade e de filantropia. Para a entidade que reúne ONGs de todo o país, essa rivalidade tem prejudicado as ações do órgão. O grupo “velho” estaria se concentrando demais na função cartorial, deixando de lado o papel político de deliberação da política de assistência. Seus integrantes “vêem o CNAS como o espaço do cartório, ou seja, dos interesses do corporativismo e do lobby (sem falar dos interesses financeiros)”, afirma o editorial.
Apesar de não indicar que entidades pertencem a que grupo, a Abong afirma que os “novos” possuem cinco dos nove lugares no Conselho. Isso, porém, não garante o predomínio de uma visão política, pois há entidades que se comportam de maneira ambígua. “Algumas estão entre o velho e o novo”, diz José Antônio Moroni, autor do texto e representante da Abong no Fórum Nacional de Assistência Social, espaço que reúne diversas organizações ligadas à assistência social. Ele aponta entidades religiosas como as principais integrantes do grupo “velho”. “Algumas parcelas da Igreja não têm clareza da política de assistência social”, afirma.
De acordo com o presidente em exercício do Conselho, Carlos Ajur, que permanecerá no Fórum como representante da Federação de Entidades de e para Cegos, a disputa pelo poder é normal. “É um processo eleitoral como qualquer outro. Grupos se formam por afinidade, em qualquer eleição há coligações”, afirma.
Vânia Ferreira concorda: “A disputa é normal, pois o Conselho é um espaço democrático. O simples fato de haver várias entidades provoca interesses diferentes por categoria”. A mesma opinião tem Carlos Rogério Nunes, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), eleita para o segmento de trabalhadores. “Havia disputas e erros foram cometidos, mas isso é comum”, opina.
A Abong acusa ainda o Conselho de aceitar entidades não representativas dos respectivos segmentos, o que facilitaria a presença do grupo “velho”. Ajur acredita, contudo, que é difícil estabelecer critérios, pois a Loas ainda não foi totalmente regulamentada. “É preciso resolver os problemas dos artigos 3 (que define “entidades de assistência social” ) e 17 (cujo texto regulamenta a presença dos conselheiros)”. Ele esclarece que todas as candidaturas são avaliadas por uma comissão, para saber se têm condições de pleitear vaga no Conselho. “Não diria que há má representação. Se dissesse isso, estaria questionando minha própria entidade e os demais colegas”, afirmou.
Moroni, entretanto, acredita que o confronto está levando o Conselho a ficar parado, pois deixa o lado político em segundo plano e atrasa a emissão de pareceres. “O CNAS virou um cartório e isso tem que ser resolvido, pois há mais de oito mil processos na fila”. Para ele, o lado cartorial do órgão deveria ser submetido aos interesses das políticas públicas de assistência social. “É preciso resgatar o conceito de seguridade social, que agrega iniciativas de saúde, educação e serviço social, entre outras. Hoje elas estão muito isoladas”, afirma. Vânia Ferreira concorda: “Parte da atribuição do Conselho é conceder registro e certificado. O importante é que esse aspecto esteja integrado na política de assistência social que se sobrepõe a essas atribuições menores”.
Ajur concorda que há atraso na aprovação de pareceres, mas não acha que ele seja causado pelas disputas. “O problema não é de lentidão, mas de capacidade de processamento. Temos uma equipe muito boa atuando, porém as próprias entidades demoram a responder às diligências que enviamos. Além disso, a cada três anos os pareceres precisam ser renovados. São três mil processos a cada período, além de novos pedidos”.
De acordo com o balanço divulgado pelo CNAS em janeiro, foram protocolados 4827 novos processos, a grande maioria, 71% ou 3467, pedindo renovação do certificado de entidade beneficente. Entretanto, apenas 2073 pedidos, entre novos e velhos, foram deliberados, o que gerou uma fila de 8214 processos, pois já havia processos esperando deliberação. Destes, quase a metade (48%), 3.943, ainda aguardam análise.
Política de Assistência Social
Se a função cartorial não está funcionando corretamente e tem sido o principal foco do Conselho, como está a função deliberativa, que, segundo a Abong, deveria estar no centro das atenções? Moroni afirma que a nova composição do CNAS deve melhorar a parte política. “A equipe é mais comprometida historicamente. Houve mudanças significativas”, diz. Para ele, a política de assistência social foi um fracasso no primeiro ano do governo Lula. “O ministério da Assistência Social não mostrou a que veio e tinha uma concepção errada de serviço social, fragmentada, com programas isolados e muita filantropia”, opina.
Já Carlos Ajur reclama das constantes alterações no status do ministério. “As mudanças dificultaram o trabalho. Não adianta ter ministério sem estrutura”, lembra. Assim que assumiu, o novo governo criou o Ministério da Assistência Social, mas havia outras pastas encarregadas de programas de assistência, como a Secretaria Especial de Segurança Alimentar e Combate à Fome, responsável pelo Programa Fome Zero, anunciado com alarde e o Programa Bolsa Família. Em janeiro deste ano foi criado o Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome, comandado por Patrus Ananias, que agrega todos os programas sociais.
Entre eles estão oito programas de transferência de renda. São eles: Bolsa Família, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação, Auxílio Gás, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), Agente Jovem e a Bolsa de Prestação Continuada (BPC). Só em fevereiro (último mês com dados disponíveis na página do Ministério) foram gastos R$ 916.462 na soma de todos eles. A maior parte dos recursos foi destinada ao BPC, que atende idosos e deficientes cuja renda familiar renda per capita é inferior a 25% do salário mínimo, como manda a Lei Orgânica de Assistência Social. Só esse programa ficou com R$ 406 mil, ou seja, 44% dos recursos. De acordo com o Ministério, 2,3 milhões de pessoas serão atendidas por seus projetos, que utilizarão R$ 6,6 bilhões.
O segundo programa com mais recursos é o Bolsa Família, com R$ 263 mil (28%). Quem teve menos recursos foi o Bolsa Alimentação, com apenas R$ 6,3 mil (0,6%) no segundo mês do ano. O Fome Zero, maior estrela dos programas sociais, recebe verbas e doações de outros ministérios. De acordo com boletim do programa, já foram arrecadados R$ 7,3 milhões da iniciativa privada.
Independente dos recursos a serem aplicados em cada programa, o Ministério anunciou a implementação do Sistema Único de Assistência Social (Suas) como prioridade. De acordo com o Ministério, o Suas pretende “identificar os problemas sociais na ponta do processo, focando as necessidades de cada município, ampliando a eficiência dos recursos financeiros e da cobertura social. Trata-se de um modelo democrático, descentralizado, que tem a missão de ampliar a rede de assistência social brasileira”. A idéia é que as prefeituras estabeleçam suas prioridades por intermédio de instâncias como Conselhos e a partir daí estabeleçam as melhores políticas a serem aplicadas à sua realidade.
A decisão foi aplaudida por organizações e conselheiros. “É um objetivo interessante, uma bandeira bastante importante para o governo”, afirma Carlos Rogério Nunes. Vânia, porém, lembra que ele gera novas demandas. “Com a implementação do Suas, haverá a exigência de desenvolver uma política para capacitar os gestores, conselheiros, técnicos, enfim, todos os atores que estão direta ou indiretamente envolvidos com a proteção e exclusão social no país, além do combate a pobreza. É importante ter a unificação dos programas para fortalecê-los”.
Moroni lembra que a conjuntura é favorável à criação do Suas, mas lembra que é preciso ficar atento aos recursos, que não foram previstos no orçamento da União. “O sistema é um avanço, mas precisa ser vinculado ao orçamento”, diz. Para Ajur, “a integração é benéfica para os usuários e a economia de recursos”.
Apesar de apontarem algumas conquistas em relação à política de assistência social, como o comando da eleição de representantes da sociedade civil e a intenção de levar adiante o Suas, todos acham que ainda há um longo caminho a ser percorrido. “É preciso resgatar a idéia de seguridade social”, resume Moroni.
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