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Movimento com nome e sobrenome

Autor original: Giuliano Djahjah Bonorandi

Seção original: Novidades do Terceiro Setor





Movimento com nome e sobrenome


No dia 17 de abril de 2003, soldados da Polícia Militar do Rio de Janeiro (RJ), assassinaram quatro homens no Morro do Borel, favela localizada na zona norte da capital fluminense. No dia da operação, a polícia informou que seus alvos faziam parte de uma facção de traficantes e que estariam portando armas e drogas. As mortes e a justificativa da polícia – falsa, segundo testemunhas – causou revolta nos parentes das vítimas e nos moradores do Borel, fazendo com que menos de um mês depois, no dia 7 de maio daquele ano, cerca de mil pessoas descessem o morro para protestar contra os assassinatos.

Naquela ocasião, algumas pessoas vestiam camisetas onde se lia a frase "Posso me Identificar?". O questionamento decorria do fato de que a polícia, ao chegar ao morro, começara a atirar sem mesmo permitir que os moradores se identificassem. Com o passar do tempo, outras comunidades, entidades e movimentos sociais começaram a levantar a possibilidade de articulação e da formação de uma rede contra a violência e de apoio à garantia de direitos. Assim começava a nascer o movimento "Posso me Identificar?".

Outros episódios de violência, como a chacina na comunidade do Caju, em janeiro deste ano; os recentes conflitos na Rocinha, e o assassinato de duas crianças em Acari, ajudaram a fortalecer o movimento. No último dia 16 de abril, para lembrar o aniversário das mortes no Borel, uma outra manifestação aconteceu: dessa vez, uma passeata em direção à sede do governo do estado, o Palácio Guanabara.

O movimento, através de plenárias e discussões preliminares, redigiu dois documentos: um dirigido à sociedade civil e outro ao poder público (os documentos estão disponíveis para download na coluna ao lado). A principal reivindicação é cobrar dos agentes do Estado - a polícia, no caso - uma postura diferente perante as comunidades pobres, onde cidadãos vivem em luta para ter respeitados minimamente seus direitos civis e políticos e que são atingidas pela violência no seu cotidiano. Para Ruth Sales, do Movimento Moleque, que participa do 'Posso Me Identificar?', nessas comunidades "o Estado realiza um papel opressor sem nenhum projeto de mudança social".

"As ações individuais da polícia são conseqüência de toda a formação histórica da instituição, numa sociedade que se construiu marcada pela marginalização e criminalização dos pobres" diz o documento dirigido à sociedade civil. Ruth completa dizendo: "É muito clara a diferença entre a postura dos policiais na Vieira Souto (endereço nobre do Rio de Janeiro) e dentro dos morros".

Outra questão muito criticada pelo movimento é a militarização da questão da segurança pública. Essa abordagem, que considera as favelas e regiões periféricas como campos de batalha, transforma a polícia não em agentes da cidadania, mas em combatentes de uma guerra, justificando uma série de desrespeitos a direitos constitucionais. Nesse contexto, o movimento propõe uma nova abordagem do problema, que leve em conta a efetivação dos direitos fundamentais - principalmente de grupos historicamente marginalizados - como forma de combate à violência.

"O movimento não tem caráter emergencial...a idéia é que seja uma luta permanente e que seja, ao mesmo tempo, crítica e propositiva", afirma Fernando Soares, integrante do Projeto Legal, outra organização que apóia o 'Posso Me Identificar?'.

Dessa maneira, no documento entregue aos três níveis do Poder Executivo são listadas 38 propostas de ações e modificações no funcionamento da segurança pública no Estado do Rio de Janeiro. No dia 15 de maio, foi realizado o 1º Encontro do Movimento 'Posso Me Identificar?', do qual diversos atores sociais participaram. No evento foram analisadas as ações empreendidas até agora e discutidas estratégias de mobilização e de participação na Conferência Estadual de Direitos Humanos. Foi definido também que o movimento será gerido de forma horizontal, ou seja, autogestionado.

Uma das propostas desenvolvidas no encontro foi a construção de uma rede de assistência jurídica entre as comunidades e as entidades. Outra idéia é se criar uma rede de comunicação, que inclui a construção de um sítio na Internet, e a divulgação para a imprensa de outras versões para os fatos. "A mídia só tem acesso à versão da polícia, quando ocorrem chacinas como do Borel ou de Acari...o que acaba distorcendo a realidade" diz Fernando Soares.

A rápida aglutinação de entidades, comunidades e organizações ao redor da causa do movimento faz com que muitos o considerem uma iniciativa inédita. "Sempre houve uma articulação de organizações de fora, mas essa mobilização surge de dentro das comunidades" comenta Ruth Sales. Para Fernando "é a primeira vez que representações dessas comunidades falam em seu próprio nome". Já para André Luz, coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), "já houve iniciativas que surgiram de dentro das favelas, mas não chegaram ao nível de articulação do 'Posso me Identificar?'."

Giuliano Djahjah Bonorandi

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