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Pela regularização dos quilombos

Autor original: Giuliano Djahjah Bonorandi

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Para assegurar a segurança da posse das terras das comunidades quilombolas no Brasil, o Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos (Cohre), a Coordenação Nacional das Comunidades de Quilombos (Conaq) e a Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão (Aconeruq) acabam de lançar a Campanha pela Regularização dos Territórios de Quilombos. A iniciativa, que tem apoio da Fundação Ford e do Servicio Latino Americano y Asiatico de Vivienda Popular (Selavip), buscará também possibilitar o acesso dos quilombolas a programas públicos de desenvolvimento sustentável.

Os quilombos são territórios cuja história remonta à época da escravidão, quando negros escravos fugiam da opressão infligida pelos senhores de engenho e formavam comunidades. Sua criação, porém, pode ter outras origens. Segundo Jô Brandão, assessora política da Conaq, também podem ser considerados quilombos terras que tenham sido compradas ou recebidas como herança por ex-escravos e seus descendentes. "Diziam, pejorativamente, que quilombo era terra de ‘preto fugido’ o que leva as pessoas a pensar que todos os quilombos são herança de comunidades formadas por fugitivos" completa ela. Hoje, as comunidades de remanescentes de quilombos, muitas das quais isoladas por muito tempo, representam culturas, tradições e relações territoriais específicas e portanto devem ser preservadas.

No Brasil, segundo levantamento realizado pela Universidade de Brasília em 1999, existem 848 comunidades remanescentes de quilombos. Estas comunidades estão presentes em quase todos os estados brasileiros, com exceção de Roraima, Amazonas, Acre, Rondônia e Distrito Federal. Já as entidades que promovem a campanha trabalham com outro número: para elas, há 1.098 comunidades quilombolas. Jô Brandão ressalta, entretanto, que há estimativas que prevêem a existência de mais de duas mil comunidades no país. "Uma de nossas metas com a campanha é realizar um censo para ter certeza dessa informação", completa ela.

No âmbito internacional, vários instrumentos de direitos humanos - desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 - protegem o direito à terra e à moradia das comunidades remanescentes de quilombos. Seguindo essa tendência, a Constituição Brasileira de 1988 reconheceu essas populações como sujeitos de direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos como forma de resgate da cidadania dos afro-descendentes.

Apesar de regulamentação de diversas leis para titulação desses territórios, até hoje somente 29 foram regularizados. Segundo os organizadores da campanha, muitos equívocos jurídicos e políticos foram cometidos, o que resultou na inoperância deste processo. O primeiro desses equívocos seria a designação exclusiva da Fundação Cultural Palmares (FCP), ligada ao Ministério da Cultura, para o reconhecimento dessas comunidades. Outra questão que complicava a regularização era a necessidade de um laudo antropológico para realização desse reconhecimento.

Em 2003, o governo federal instituiu um grupo de trabalho interministerial, com a participação de representantes das comunidades de quilombos, para analisar e rever a legislação nacional aplicável à titulação dos territórios. Como resultado, uma nova normatização prevê que agora que o Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA) terá a competência de identificar, delimitar e demarcar a titulação das terras ocupadas. O órgão será assessorado pela própria Fundação Cultural Palmares, pela Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (Sepir), estados, municípios e movimentos de comunidades de quilombos. A outra mudança foi considerar a autodenominação como pré-requisito principal para identificação desses territórios. "Ainda é necessário um certificado da FCP, mas a dispensa do laudo antropológico facilita muito as coisas", afirma Jô Brandão.

Com a facilitação das regularizações pretende-se também evitar os despejos e deslocamentos forçados dessas populações. Em Porto Coris (MG), no Vale do Jequitinhonha, a construção de uma hidrelétrica ameaça desapropriar terras de diversas famílias; em Marambaia (RJ), a região que pertencia aos quilombolas é hoje ocupada pela Marinha; em Conceição da Barra (ES), comunidades são deslocadas pela exploração do eucalipito. Porém, o exemplo que mais chama a atenção atualmente é o Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA), no Maranhão, que já desapropriou 62% da área da cidade, deslocando 312 famílias de comunidades quilombolas. Agora, o CLA ameaça deslocar mais 500 famílias para ampliar o Programa Espacial Brasileiro. "O que não é levado em conta é que os remanescentes de quilombos têm uma relação secular com as suas terras", desabafa Jô.

Por esse motivo, a campanha teve duas cerimônias de lançamento, uma na capital federal, e dois dias depois, em Alcântara, contando com a presença do relator especial da ONU para a Moradia Adequada, Miloon Kothari. A longo prazo, além de buscar a titulação das terras, a iniciativa pretende realizar diversas capacitações com os quilombolas, prestar assistência jurídica às comunidades além de construir um banco de dados e um sítio na Internet. Porém, para Jô Brandão, a principal missão da campanha é tornar pública a existência desse problema no país. "A melhor maneira de gerar uma mobilização é fazer com que a sociedade civil reconheça e valorize o quilombo", afirma ela.

Giuliano Djahjah Bonorandi

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