Autor original: Mariana Loiola
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Definido como o Ano Ibero-Americano da Pessoa com Deficiência na última reunião da Cúpula dos Chefes de Estados dos Países Ibero-Americanos, 2004 está sendo marcado por uma série de eventos e iniciativas que buscam mobilização em torno da melhora da qualidade de vida das pessoas com deficiência no Brasil. Os espaços em que se procura reduzir as barreiras para esse grupo social - que representa 14,5% da população brasileira, de acordo com dados do IBGE - são os mais diversos: residências, ruas, meios de transporte, mobiliário urbano, escolas, empresas, e mesmo a Internet. A chave para atingir esse objetivo está no conceito de acessibilidade. Segundo os profissionais que lidam com a questão, alcançar consenso em torno deste conceito deve ser uma das prioridades para este ano.
Um avanço neste sentido foi a criação do Programa Nacional de Acessibilidade no Plano Plurianual 2004/2007. O programa prevê a capacitação e especialização de técnicos e agentes sociais em acessibilidade, campanhas educativas e fiscalização das leis. Outro passo importante foi dado esta semana, com o lançamento do Programa Brasileiro de Acessibilidade Urbana - Brasil Acessível, no último dia 2, pelo Ministério das Cidades. O programa desenvolverá ações para a garantia da acessibilidade nos sistemas de transporte e circulação de vias públicas para as pessoas com restrição de mobilidade - como idosos, crianças, gestantes, obesos, além das pessoas com deficiência. No entanto, ainda é necessário reforçar para todos os segmentos da sociedade que a acessibilidade abrange uma dimensão muito maior do que a adaptação de espaços físicos.
Romeu Kazumi Sassaki, consultor de inclusão escolar e profissional do Banco Mundial, consultor de educação inclusiva da Secretaria de Educação do Estado de Goiás e consultor da Escola de Gente - Comunicação em Inclusão -, acredita que o conceito de acessibilidade deve ser incorporado aos conteúdos programáticos ou curriculares de todos os cursos formais e não-formais existentes no Brasil. "Hoje, a acessibilidade não mais se restringe ao espaço físico, à dimensão arquitetônica", diz Sassaki. Ele divide o conceito de acessibilidade em seis dimensões: arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental, programática e atitudinal (confira as definições no box ao lado). "Todas essas dimensões são importantes. Se faltar uma, compromete as outras", diz.
Izabel Loureiro Maior, responsável pela Coordenadoria Nacional para a Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência (Corde), da Secretaria Especial de Direitos Humanos, concorda que é preciso esclarecer para a sociedade o conceito de acessibilidade. "No imaginário de muitos, a idéia de acessibilidade ficou associada ao usuário de cadeira de rodas. Mas acessibilidade não é só botar rampa e baixar meio-fio; é promover uma maior igualdade de oportunidades", diz.
Atualmente, a Corde trabalha no aperfeiçoamento e na finalização do decreto que regulamentará duas leis federais de 2000: a lei 10.048, que se refere à acessibilidade especificamente nos transportes e serviços públicos; e a lei 10.098, que contém normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade. "A acessibilidade é uma ferramenta indispensável para a sociedade inclusiva", enfatiza a coordenadora da Corde.
Para Claudia Werneck, diretora-executiva da Escola de Gente, é necessário destacar a importância da acessibilidade comunicacional. "Trata-se do direito de se comunicar – que é diferente do direito à comunicação, à informação e à participação – e não está expresso em nenhuma convenção de direitos humanos. Se uma pessoa surda vai a um evento e este não tem um intérprete de Libras (Língua Brasileira de Sinais), por exemplo, o seu direito de se comunicar está sendo violado. É um problema tão óbvio que ninguém vê. O direito de se comunicar tem a ver com a liberdade de expressão e vem antes dos outros, por isso precisa ser garantido", enfatiza.
No trabalho, na escola e na comunicação
A inclusão de pessoas com deficiência nas empresas é um dos focos do trabalho da Escola de Gente. A instituição deve lançar neste mês um núcleo que prestará atendimento a empresas. "A inclusão vai além da contratação de pessoas e do aspecto arquitetônico, mas muitas empresas não conhecem as outras dimensões de acessibilidade", afirma Claudia. Por meio do núcleo, a partir de indicadores que estão sendo criados pela Escola de Gente para a análise de todas as dimensões de acessibilidade dentro de cada empresa, será possível fazer um diagnóstico de quanto a empresa avança na questão da inclusão de pessoas portadoras de necessidades especiais.
O acesso ao trabalho e à escola também são prioridades para a Rede Saci, que atua pela inclusão social de pessoas com deficiência, por meio da difusão de informações sobre o assunto. "Ter banheiro adaptado é fundamental, mas a escola precisa mais do que isso para promover a acessibilidade. O material didático deve ser revisto e toda a comunidade escolar têm que estar preparada atender a criança com deficiência", diz Marta Gil, gerente da Rede Saci. Segundo dados do Relatório da Situação da Infância e Adolescência Brasileira 2004, publicado pelo Unicef, com base no Censo 2000 do IBGE, a taxa de analfabetismo entre meninos e meninas com deficiência na faixa de 7 a 14 anos chegou a 22,4%, enquanto entre crianças sem deficiência, nessa mesma faixa etária, esse percentual era de 11,7%.
"O que a pessoa com deficiência quer, principalmente, é independência, inclusive na área digital", diz Guilherme de Azambuja Lira, presidente da Acessibilidade Brasil, ONG voltada para ações que garantam o direito de pessoas com deficiência ao acesso às novas tecnologias de informação e comunicação.
Guilherme ressalta que a questão da acessibilidade foi esquecida nas discussões da Semana de Inclusão Digital, que aconteceu na última semana, em São Paulo. "Os telecentros estão sendo construídos sem diretrizes de acessibilidade", critica. Na tentativa de estimular a adaptação dos telecentros para atender às necessidades das pessoas com deficiências auditiva, visual, física e mental (com equipamentos e softwares especializados), a Acessibilidade Brasil, em parceria com a Rits, estuda a possibilidade de montar um telecentro-modelo no Rio de Janeiro, que deverá funcionar como um laboratório de tecnologias assistivas e também para treinamento de profissionais que forem trabalhar em outros telecentros. "Nossa preocupação é fazer projetos que sejam para todos e não apenas para um grupo específico", diz Guilherme.
Nas cidades
O seminário "Acessibilidade no cotidiano", a ser realizado em setembro no Rio de Janeiro, pretende discutir "uma situação na qual parte da população é literalmente barrada nos espaços públicos, nos edifícios, nos locais de convívio", mas o evento deverá considerar os diversos aspectos da acessibilidade. "Embora o grande enfoque seja para os espaços físicos, o tema requer uma abordagem mais ampla e holística, envolvendo contribuições nas áreas de arquitetura, urbanismo, desenho industrial, ergonomia, arquitetura de interiores, com repercussões nas áreas de psicologia, sociologia e antropologia", divulgam os organizadores do evento.
A conscientização de profissionais, de planejadores e gestores urbanos sobre as reais necessidades e peculiaridades de acesso de muitas pessoas com dificuldades físicas, motoras e/ou sensoriais e a criação de subsídios para políticas públicas de desenvolvimento social são alguns dos resultados esperados a partir do seminário, segundo Cristiane Duarte, uma das coordenadoras do evento. Cristiane trabalha nesta iniciativa junto com Regina Cohen - ambas são professoras da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadoras do Núcleo de Pesquisa, Ensino e Projeto sobre Acessibilidade e Desenho Universal (Núcleo Pró-acesso) - um grupo interdisciplinar vinculado ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura da UFRJ, que desenvolve estudos e pesquisas sobre deficiência. A organização do seminário conta ainda com a parceria da Escola de Design e Artes Visuais da Universidade Veiga de Almeida.
O Núcleo Pró-acesso participará também de outro grande evento relacionado ao tema, que acontecerá na semana do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência (3 de dezembro) – o Projetando para o Século 21 III: Uma Conferência Internacional sobre Desenho Universal, promovida pela Adaptive Environments, uma entidade de Boston. A conferência, que acontecerá de 1o a 8 de dezembro, reunirá diversos especialistas que falarão sobre projetos que seguem o conceito de desenho universal - que estabelece regras a serem seguidas por todas as construções arquitetônicas para garantir a acessibilidade das pessoas com deficiência. "Esperamos que as contribuições de outros países fomentem iniciativas semelhantes e ajudem a mudar a realidade da acessibilidade no Brasil", diz Regina Cohen.
Cristiane Duarte salienta a necessidade de se realizar múltiplas ações para a promoção da acessibilidade no país: "Há tanta coisa a fazer! Nossas cidades não são adaptadas para acolher todas as pessoas, não há transporte público adaptado, não há oportunidades nem promoção de encontro e convívio com a diversidade. Essa situação gera a exclusão espacial, que, por sua vez, acaba criando a segregação social, já que as pessoas não podem conviver com a diferença humana em seu cotidiano."
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