Autor original: Viviane Gomes
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
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Em Dourados, município a 280 quilômetros de Campo Grande (MS), está a Aldeia Caarapó – ou Tey-ikue, como é chamada em guarani. Lá vivem as etnias Kaiowá e Guarani. São 600 famílias, aproximadamente quatro mil pessoas, vivendo em choupanas de madeira e sapê, cultivando roças de milho, mandioca e arroz. A cultura e a tradição da aldeia fazem com que desde cedo o adolescente indígena conquiste sua autonomia e contribua para o sustento de sua família. Mas, na maioria dos casos, os adolescentes trabalham como bóias-frias em plantações de algodão e outras culturas agrícolas. Essa é a perspectiva desses jovens indígenas. O trabalho geralmente é realizado fora da aldeia, o que contribui para que a evasão escolar seja bem elevada. Diante deste cenário, há alguns problemas imediatos a serem resolvidos: ampliar o processo educacional indígena, diminuir a evasão escolar, implementar alternativas internas de trabalho e geração de renda e, ainda, produzir alimentos para a comunidade. Isso porque técnicas agrícolas aplicáveis só em grandes plantações subtraem a possibilidade de sucesso do cultivo nessas terras, pequenas e degradadas.
É no bojo desta situação que surge o projeto Poty Reñoi ("flor desabrochando", em guarani), desenvolvido pela Universidade Católica Dom Bosco e pela Diocese de Dourados, em parceria com a prefeitura e o governo do estado do Mato Grosso do Sul, com apoio político do Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef). A iniciativa consiste em fornecer uma bolsa de R$ 50 (financiada pelo governo do estado) e proporcionar a ampliação da educação indígena, levando assuntos do dia-a-dia da comunidade para a sala de aula e, depois, para um espaço onde os alunos podem colocar em prática o aprendizado. Posteriormente, esses alunos levam o resultados das experiências para a aldeia.
O historiador e coordenador do projeto, Antônio Jacó Brand, explica que o primeiro passo do trabalho, que começou em 2002, foi discutir a idéia com moradores e professores indígenas. Atualmente, a aldeia possui um grupo de 28 professores indígenas e outra equipe menor de professores não indígenas para atender a 800 crianças. No primeiro período, os alunos cumprem currículo escolar indígena, que tem o guarani como primeira língua. Na etapa posterior, eles atuam nas unidades de pesquisas culturais, na produção de alimentos e no cultivo de plantas nativas.
O conhecimento indígena sobre atividades artesanais, práticas tradicionais agrícolas e criação de pequenos animais - conteúdo programático do projeto -, foi resgatado com os membros mais velhos da comunidade. Este saber é passado aos jovens por dois professores indígenas (cedidos ao projeto pela prefeitura) e um técnico agrícola da universidade. Os alimentos gerados até agora (verduras e frutas, principalmente) ainda não alteraram as condições nutricionais da aldeia e são direcionados para as escolas. Entretanto, já se pensa em formas de comercialização, porque os alunos tomaram gosto pelo trabalho e pretendem aumentar a produção. Antônio conta que essa idéia foi debatida no ano passado e compreende multiplicar o cultivo dos quintais das casas da aldeia. Ele diz que ainda é muito cedo para falar sobre o assunto, pois o que se tem até agora é um projeto implementado que pode impulsionar a comunidade a resolver problemas.
Soluções
Edson Alencar, índio da aldeia Tey-ikue e pertencente à etnia Kaiowá, é coordenador pedagógico e revela indicadores do projeto. "O que se estuda na sala de aula é desenvolvido na prática e ajuda a mudar a realidade da comunidade porque os assuntos são do dia-a-dia", revela. Ele acrescenta que o projeto mudou a atitude de alunos e pais - que, com as pesquisas realizadas sobre meio ambiente, voltaram a preservar a mata e a cultivar plantas nativas.
Para ele, um dos benefícios pedagógicos do projeto foi fazer com que as aulas ficassem mais prazerosas. Outros resultados positivos foram o aumento do número de alunos na escola, a diminuição do índice de repetência de 70% para 20% e a queda do abandono escolar de 50% para 10% somente neste ano.
Os resultados podem ser significativos, mas Antônio é cauteloso, pois os problemas da aldeia são grandes. "A juventude indígena tem dificuldades dentro e fora da aldeia. Há um alto índice de suicídio, problemas com alcoolismo e, mais recentemente, com uso de drogas. Esse projeto, isoladamente, não vai resolver todos esses problemas, mas a melhor característica do trabalho é que ele sinaliza para outras perspectivas de ações concretas." Uma delas é o estímulo ao envolvimento da comunidade na elaboração de políticas públicas, contribuição que é oferecida pelo Unicef, que divulga o projeto e intercede junto aos poderes públicos para que as melhores iniciativas se tornem políticas públicas.
Sobre as intervenções no modo de vida dos índios, Antônio esclarece que a cultura indígena está em constante mudança e que eles se preparam para enfrentar seus problemas. O Poty Reñoi foi desenvolvido em conjunto com a comunidade e pretende fortalecer as possibilidades de melhoria da qualidade de vida local, mas fundamentalmente com a preservação de sua língua e de sua cultura - e disso os índígenas não abrem mão.
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