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Um guia contra a escravidão

Autor original: Giuliano Djahjah Bonorandi

Seção original: Novidades do Terceiro Setor





Um guia contra a escravidão


Satisfeitos com o aumento de inserções na mídia de matérias relacionadas ao trabalho escravo, mas preocupados com uma abordagem de qualidade para a questão, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a ONG Repórter Brasil elaboraram o Guia para Jornalistas da Campanha Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo.

Um dos resquícios de uma época em que a sociedade de direitos era uma idéia distante no Brasil, o trabalho escravo ainda é uma dura realidade que priva, segundo estimativas, mais de 25 mil pessoas de sua liberdade. Por longo tempo ignorada pela sociedade e governos, a absurda realidade do trabalho escravo começou a ser combatida de fato na década de 90, mais de um século depois da suposta abolição da escravatura assinada pela princesa Isabel.

Já nos anos 70, integrantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) – entidade pioneira na denúncia da questão – relatavam o aliciamento de trabalhadores para o trabalho escravo. O reconhecimento oficial do problema, porém, só se deu em 1995, com pronunciamento do presidente - na época, Fernando Henrique Cardoso - e a criação do Grupo Executivo para Combate ao Trabalho Escravo (Gertraf) e o Grupo Especial de Fiscalização Móvel.

O porquê da demora? Para Leonardo Sakamoto, da Repórter Brasil, a demora é conseqüência de um descaso das elites pelas questões que não a atingem. "Essas pessoas escravizadas não votam e não são economicamente importantes. É o mesmo motivo pelo qual a reforma agrária não foi feita até hoje", diz ele.

Paralelamente às iniciativas governamentais para a erradicação do trabalho escravo houve uma crescente cobertura da mídia para a questão. Um levantamento da OIT demonstrou que em 1995 houve 72 inserções do tema em veículos de comunicação. Em 2003, ano em que foi elaborado o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo pelo governo Lula, o tema apareceu 1.541 vezes. Naquele ano também foi criada a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e as diversas entidades que participam da comissão ficaram responsáveis de propor pautas para a imprensa.

Desde 95, o Grupo Móvel de Fiscalização já libertou 10.726 trabalhadores, 4.923 somente em 2003. Nesse tempo, 1.011 propriedades foram fiscalizadas em 243 operações. No ano passado 52 empresas foram proibidas de obter financiamento público por conta de ocorrência de trabalho escravo em suas propriedades. Todos esses números são reflexo de um aumento de denúncias que - para os integrantes da comissão - é diretamente proporcional ao destaque que o tema tem tido na mídia. "Os jornalistas têm sido fundamentais para o combate ao trabalho escravo e para ampliar o debate na sociedade", afirma Patrícia Audi, coordenadora do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo da OIT. "Hoje há uma retroalimentação entre o combate e a divulgação na mídia, ou seja, quanto mais se combate o trabalho escravo mais o tema aparece na mídia e vice versa..." diz Leonardo Sakamoto. "Mas quem denunciou a incidência de trabalho escravo inicialmente foi a sociedade civil - principalmente através da CPT – e não o jornalismo investigativo, que é muito fraco no Brasil", pondera.

O aparecimento na mídia, entretanto, é concentrado nos veículos de comunicação dos grandes centros do país, no Sudeste. A veiculação na imprensa dos estados onde há mais incidência de trabalho escravo, como Pará e Mato Grosso, é muito segmentada. Para Leonardo Sakamoto, os veículos de comunicação dessas regiões estão geralmente ligados a empresários do agronegócio. "Não é que eles estejam necessariamente envolvidos com o trabalho escravo, mas há muita resistência por achar que a divulgação desses crimes pode prejudicar a imagem da empresas e consequentemente as exportações", afirma. Além disso, uma constatação feita nas fiscalizações é que as irregularidades não ocorrem em fazendas isoladas e arcaicas, mas sim em latifúndios com alta tecnologia que produzem para o mercado interno ou internacional.

Dentro desse contexto, o guia surge para evitar erros de informação e conceituais que não são raros na abordagem do tema pela imprensa. Muitas vezes o trabalho escravo é relatado como trabalho em condições degradantes ou como uma questão trabalhista, sem ser afirmado o cerceamento da liberdade dos indíviduos, o que dá margem para outras interpretações. Em outros casos há erros de informações e estatísticas. "Não é para ser um manual de como escrever sobre o tema, mas sim um guia de referências das questões que estão sendo discutidas no Conatrae", diz Leonardo.

Em formato eletrônico, o guia para jornalistas reúne estatísticas, conceitos, entrevistas, banco de dados e fontes, entre outras informações primordiais. (O guia está disponível para download na coluna à direita)

Giuliano Djahjah Bonorandi

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