Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Artigos de opinião
José Fernando da Silva*
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A desinformação é um dos principais entraves para que se estabeleça a qualificação de debates, apresentação de propostas e tomada de decisões ancoradas na legislação e na realidade. Esta assertiva é necessária para iniciar o diálogo sobre a redução da maioridade penal e o aumento do tempo de internação para adolescentes que praticam atos infracionais. A Constituição Federal (CF), no seu Art. 228, é precisa: "são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos a normas da legislação especial". Eminentes juristas, dentre eles Fábio Konder Comparato, afirmam que o referido artigo é uma cláusula pétrea, e fundamentam tal posição no Art. 60, § 4º, inciso IV da Carta Magna, que não admite a possibilidade de direitos e garantias individuais serem abolidos. Outro viés normativo, muitas vezes esquecido, decorre da impossibilidade da redução da maioridade penal no Brasil, que ratificou em 1990 a Convenção sobre os Direitos da Criança. O documento define a excepcionalidade e a brevidade das medidas privativas de liberdade aos adolescentes envolvidos em atos infracionais.
O pesquisador Túlio Kahn, do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e o Tratamento do Delinqüente, analisou as legislações de 57 países. Somente 17% adotam idade menor que 18 anos para definição de adulto. Excetuando-se os Estados Unidos e a Inglaterra, os demais países que adotam idade penal abaixo de 18 anos são classificados pela ONU como de médio ou baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).
As legislações nacional e internacional consideram crianças e adolescentes pessoas em condições especiais de desenvolvimento físico, emocional, social, espiritual, moral e mental. Aos primeiros, deve-se garantir políticas públicas, de caráter universal e includentes, bem como as medidas protetivas contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Aos adolescentes, além da garantia de ambas, o Estatuto reservou um conjunto de medidas sócio-educativas, que os responsabilizam pelos atos cometidos, indo da advertência à internação em estabelecimento educacional.
A realidade da aplicação da medida de Internação foi diagnosticada num levantamento coordenado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – 2002), quando constatou que 71% dos espaços físicos das unidades de internação no Brasil não são apropriados para o desenvolvimento de atividades pedagógicas fundadas no Estatuto. Assinala-se que as atividades pedagógicas são obrigatórias para todos aqueles privados de liberdade. Uma conclusão: as unidades de internação existentes, na sua maioria, são prisionais, caracterizando, na prática, a redução da maioridade penal.
Ainda de acordo com o IPEA, em 2002 cerca de 10 mil adolescentes cumpriam medidas privativas de liberdade por terem praticado atos infracionais. Destes, 90% eram do sexo masculino e 60% da raça negra. Merece destaque o fato de que 51% não estavam freqüentando a escola e 49% não trabalhavam quando praticaram o ato. Estes dados constituem-se em respostas a todos os que estão defendendo a redução da maioridade penal ou o aumento do tempo de internação, pois revelam o quanto o Estado e a Sociedade não têm garantindo a educação para todos e nem a oportunidade de inserção no mercado trabalho.
Portanto, é imprescindível mudar o foco, construindo uma agenda positiva para efetivação de direitos e deveres dos adolescentes que praticam atos infracionais. Nesta direção, propõem-se a aplicação integral da legislação nacional e internacional, a construção de unidades de internação, conforme determina o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), para grupos de até 40 adolescentes, com modelo arquitetônico não prisional, e atividades pedagógicas que sejam de fato educativas e obrigatórias.
Devem ser priorizadas as medidas em meio aberto, por serem mais eficazes, a exemplo da Liberdade Assistida, em Porto Alegre. Nessa cidade, em 2003, de um total de 973 adolescentes, a reincidência não passou dos 10%. Isso tudo, é claro, deve ser acompanhado pela garantia de recursos financeiros nos orçamentos públicos para que todas as medidas sócio-educativas e políticas sejam realidade.
José Fernando da Silva é vice-presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e coordenador do Programa de Democratização da Gestão Pública do Centro de Cultura Luiz Freire.
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