Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original:
José Carlos Vaz, Fernanda Martinez e Winthrop Carty*
Há cada vez mais prefeituras implementando discussões públicas do orçamento. Muitas delas, no entanto, têm dificuldade em ampliar e diversificar o processo de Orçamento Participativo (OP), em que os cidadãos votam nas prioridades e alocações orçamentárias para projetos locais. Por outro lado, a modernização tecnológica, ampliando o acesso a recursos de informática, com o uso da internet por exemplo, permite às prefeituras disponibilizar informações administrativas cada vez mais detalhadas, mas, em geral, esta disponibilização de informações ocorre sem qualquer vínculo com o processo de participação.
A prefeitura municipal de Ipatinga-MG (220 mil hab.) começou a usar a internet na discussão pública do Orçamento, o OP Interativo. Dois fatores foram responsáveis por esta decisão: a necessidade de incorporar novos atores no processo e a modernização administrativa que ocorria na prefeitura. Jovens, profissionais e o público em idade escolar, que tinham acesso aos recursos de informática, porém tempo escasso, foram os focos iniciais para a criação de novos canais de participação e comunicação. Ao mesmo tempo, os técnicos percebiam que o sítio da prefeitura (http://compor.ipatinga.mg.gov.br/), criado em 1997, precisava ser um ambiente mais dinâmico, não apenas um canal informativo. Assim, a equipe da Secretaria de Planejamento identificou as fases do processo que poderiam ser incrementadas com recursos de interatividade e o sistema foi criado a partir destas necessidades. Ao longo do caminho, a população que historicamente participava das decisões políticas no município, e que não tinha acesso à internet, foi integrada ao processo. Atualmente, por meio de componentes on line, acessíveis no sítio do município, os cidadãos registram suas prioridades e acompanham o andamento das obras públicas.
OP em Ipatinga
O OP foi adotado como um instrumento de democratização das decisões do governo municipal em 1989. Para a realização dos ciclos anuais de discussão e deliberação, a cidade foi dividida em nove regionais orçamentárias que recebem montantes diferenciados para suas prioridades. Estes montantes são definidos a partir de indicadores que consideram critérios sociais, de cidadania ativa e de gestão.
A principal instância é o Conselho Municipal do Orçamento, criado em 1990, composto por 126 integrantes, incluindo autoridades municipais, representantes de entidades da sociedade civil e conselheiros regionais escolhidos por voto direto e cujas assembléias definem as propostas de prioridades para cada região. No Congresso Municipal de Prioridades Orçamentárias (Compor), evento que encerra o ciclo anual de discussões, o Conselho Municipal aprova a lista final de prioridades orçamentárias para toda a cidade.
As propostas aprovadas pelo Compor são incorporadas à proposta de lei orçamentária para o ano seguinte. Em 2003, o Orçamento Participativo de Ipatinga dispôs de R$ 3,6 milhões das receitas correntes para a definição de obras nos bairros e mais a totalidade das receitas de capital (aproximadamente R$ 12 milhões) para o planejamento de obras de longo prazo, discutidas no planejamento plurianual. O montante total destinado às aplicações de decisão coletiva corresponde a 13,59% do orçamento total da cidade para 2004. O acompanhamento e a fiscalização desse processo é função dos conselheiros e se dá por meio de reuniões mensais do Conselho Municipal de Orçamento e reuniões bimestrais dos Conselhos Regionais.
Interatividade e OP
Desde 2001, a Prefeitura de Ipatinga passou a utilizar intensivamente a internet no Orçamento Participativo. Durante quatro meses ficam disponíveis computadores em 12 pontos da cidade. Além da prefeitura e do shopping center, os terminais públicos estão localizados nas escolas municipais para os cidadãos indicarem as prioridades para sua rua, bairro ou para toda a cidade. Monitores treinados acompanham o processo para orientar sobre como utilizar o computador e o sítio durante o período de indicação de prioridades do Orçamento Participativo. Esta atividade é precedida por intensa divulgação, inclusive envolvendo a entrega de materiais impressos e orientação nas escolas.
Além do mecanismo de indicação de prioridades via internet, é possível acompanhar durante este período todas as propostas encaminhadas on line.
As indicações feitas on line são reunidas àquelas propostas feitas de forma tradicional (levadas por escrito ao prédio da prefeitura) e o conjunto é posto em discussão nas assembléias regionais. Antes disso, a equipe da prefeitura avalia a viabilidade técnica e financeira das propostas para fornecer mais elementos para a tomada de decisão coletiva.
A votação por meio da internet tem caráter apenas indicativo, uma vez que a definição ocorre nos momentos presenciais: assembléias regionais e congresso municipal do OP. Qualquer morador da cidade pode realizar indicações via internet, basta que preencha um formulário on line de cadastro. O sistema desenvolvido procura não colocar entraves burocráticos à participação, preservando aspectos de segurança. O e-mail é um dos itens obrigatórios para o cadastro que serve como canal de comunicação entre o usuário e a prefeitura. É por meio dele, por exemplo, que o cidadão que faz indicações é convidado a participar da assembléia de sua região.
Outra importante ferramenta on line colocada à disposição do cidadão de Ipatinga é a possibilidade de tornar-se um “agente fiscalizador”: o cidadão-usuário pode obter informações periodicamente por meio de seleções personalizadas no sítio, combinando uma ou mais categorias entre nome da obra, bairro, região, tipo de obra, status e ano de aprovação. Para cada obra são fornecidos também o valor, a localização, uma foto e sua posição no mapa. Antes da introdução das novas ferramentas tecnológicas, este controle era exercido somente por aqueles que participavam das reuniões mensais e bimestrais de prestação de contas.
A transmissão pela internet do Compor e a realização de conversas on line com o prefeito são aplicações que completam o conjunto de instrumentos de participação on line.
O sítio do OP Interativo é a presença na internet do Orçamento Participativo de Ipatinga, fornecendo informações sobre o processo e auxiliando em sua divulgação. São utilizadas tecnologias de bancos de dados e de internet bastante atualizadas e compatíveis com o mercado, o que lhe permite dispor de capacidade de crescimento do número de usuários e de informações armazenadas e torna possível oferecer recursos de acompanhamento da execução das obras definidas no Orçamento Participativo, por meio de informações para fiscalização.
O sistema foi desenvolvido por uma empresa privada de Ipatinga e a inclusão e a atualização dos dados é realizada pelos técnicos da prefeitura (os mapas pelo departamento de geoprocessamento e a informação sobre as obras pelo departamento de orçamento, por exemplo). A maior parte das informações já existia nos bancos de dados da prefeitura, bastava apenas criar uma ferramenta para democratizá-las.
Recursos
O OP de Ipatinga é coordenado pela Secretaria de Planejamento, com o apoio de outras secretarias, como de Comunicação Social, Serviço Municipal de Dados – responsável pelo suporte em informática - e Secretaria Municipal de Administração – responsável pelo suporte em infra-estrutura.
Cerca de 50 pessoas estão envolvidas no processo do OP: dois funcionários de coordenação, 17 estagiários que auxiliam nos pontos de acesso (apenas no período de indicação), 9 funcionários do Departamento de Orçamento que auxiliam na organização de eventos, contato com conselheiros e monitoramento do sítio, 5 funcionários da Secretaria Municipal de Administração, que trabalham com assessoria de imprensa e fotografia, além de 15 funcionários de diversas secretarias que auxiliam na organização dos eventos e credenciamento dos participantes.
Todo o processo de Orçamento Participativo custa para a prefeitura cerca de R$ 212 mil/ano, correspondente a menos de 10% do total destinado ao Plano de Investimentos. Os recursos são utilizados para pagamento de aluguel, manutenção, microcomputadores, internet, pessoal e publicidade, entre outros. O desenvolvimento do programa na internet custou R$ 10 mil e o custo anual de atualização é de R$ 2 mil.
Dificuldades
A experiência evidencia que há muito a avançar para atingir novos padrões de controle social. Tanto quanto em diversas experiências de OP sem internet, o teor das informações para fiscalização é bastante resumido, não havendo espaço para dados relevantes como custos unitários, comparação com custos e prazos de obras semelhantes, fornecedores contratados ou explicações sobre etapas e andamento das obras.
Além disso, o escasso número de pontos de acesso e a inexistência de computadores disponíveis para a fase de fiscalização da execução são as maiores dificuldades enfrentadas pelo programa. A implantação de pontos de acesso disponíveis por todo o ano, integrados a um programa de inclusão digital, foi privilegiada no planejamento orçamentário para 2004, mas ainda não foi implementada.
Ainda que o uso da internet em processos de Orçamento Participativo seja um avanço significativo, não pode substituir a participação presencial, uma vez que esta permite uma dinâmica diferenciada. Há uma diferença, do ponto de vista do conteúdo político do processo, entre fazer a indicação de uma obra através da internet, ou votar (em caráter indicativo) em uma delas como prioritária e participar de um debate sobre as prioridades regionais ou municipais, contrapondo argumentos, fazendo e recebendo questionamentos e estabelecendo negociações e compromissos políticos.
Resultados
A incorporação da internet permitiu o crescimento do número de indicações de prioridades em 44,6% em 2001 (primeiro ano do uso da internet no OP), 166% em 2002 e 125% em 2003. A indicação de prioridades on line passou, em 2003, a ser o principal meio utilizado pelos cidadãos: das mais de 4 mil sugestões, 96% foi enviada via internet (em 2002 estas corresponderam a 70% do total de indicações e 17% em 2001).
Segundo a prefeitura, a incorporação da indicação de prioridades por meio da internet trouxe um aumento de cerca de 35% do número de participantes das plenárias regionais, com aumento de participação de setores médios e de indivíduos não vinculados a grupos organizados, o que também influenciou o tipo de disputa realizada.
A existência de pontos de acesso públicos, com apoio de monitores, permite que a participação através da internet não se restrinja à classe média que possui computador próprio. A prefeitura aponta uma grande participação via internet também nos bairros da periferia, dado que pode ser comprovado quando se observam os indicadores de escolaridade dos participantes: 59% das pessoas que fizeram sugestões por meio do sítio em 2003 não concluíram o ensino fundamental.
As ferramentas disponibilizadas pela internet também têm aumentado a participação de jovens no processo do Orçamento Participativo: em 2003, 45% daqueles que sugeriram demandas via sítio tinha até 18 anos de idade.
*José Carlos Vaz, Fernanda Martinez e Winthrop Carty, baseados em relatório de visita de campo de Antonio Faria e Otavio Prado, realizada no âmbito do Programa Gestão Pública e Cidadania.
Este texto é uma produção conjunta do Instituto Pólis, do Programa Gestão Pública e Cidadania da FGV e do Ash Institute of Democratic Governance and Innovation, Harvard University.
A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados. |
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer