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A cultura no centro dos debates

Autor original: Mariana Loiola

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets





A cultura no centro dos debates
www.forumculturalmundial.org

Na Conferência Intergovernamental sobre Política Cultural para o Desenvolvimento, realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) há seis anos, em Estocolmo, foram estabelecidas várias recomendações aos países membros, com o propósito de transformar a política cultural em elemento-chave para o desenvolvimento, a valorização da diversidade e da cidadania. Dois anos mais tarde, em encontro convocado pela Fundação Ford em Nova York, o tema voltou a ser discutido, lançando-se a base de um fórum mundial sobre cultura. Depois de diversas articulações, o projeto foi lançado oficialmente em 2003, pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, Serviço Social do Comércio de São Paulo (Sesc SP), Rede Brasil de Promotores Culturais, Ministério da Cultura, Instituto Cultural Casa Via Magia, Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife) e a própria Unesco.

O processo do Fórum Cultural Mundial (FCM) - que será realizado no Pavilhão de Exposições do Anhembi, na capital paulista, de 26 de junho a 4 de julho - envolveu mais de 70 eventos preparatórios em diversos continentes. No Brasil, aconteceram encontros regionais em algumas cidades, além do Fórum Brasileiro de Cultura, que ocorreu em maio, no Rio de Janeiro. O FCM, segundo seus organizadores, pretende "estabelecer uma plataforma global para alargar valores étnicos, promover prosperidade, desenvolvimento sustentável, direitos humanos e coexistência global pacífica, trabalhando a cultura e a arte como instrumento de transformação social".

Ruy Cezar da Silva, diretor do Instituto Cultural Casa Via Magia e integrante do conselho diretor do FCM, conta que a proposta do evento nasceu da necessidade de se criar mecanismos práticos de diálogo sobre questões culturais, de facilitação e de monitoramento dessas trocas.

"É preciso discutir como criar canais de interlocução para que as organizações que realizam ações culturais possam dar visibilidade ao seu trabalho, e para facilitar o acesso dessas organizações aos financiadores nacionais e internacionais a fim de viabilizar projetos de cooperação. Hoje, o acesso a financiamentos está mais concentrado nas regiões desenvolvidas, nos grandes centros urbanos e nas mãos de elites culturais", diz Ruy Cezar.

Alternativas à padronização

Segundo Iara Pietricovsky, presidente do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e também integrante do conselho diretor do evento, o FCM nada mais é do que um Fórum Social Mundial com foco central na cultura. Iara pretende justamente articular os dois eventos para fortalecer as propostas de ações políticas.

Assim como o Fórum Social discute alternativas à ordem mundial estabelecida, o Fórum Cultural pretende discutir a criação de uma resistência e de alternativas à produção da indústria cultural, por meio de propostas de novos mecanismos de circulação. "Existe uma produção artística enorme marginalizada pela indústria cultural do primeiro mundo. Esta ocupa as mentes e os corações das pessoas, criando os padrões culturais. Quaisquer outras linguagens acabam ficando de fora", diz Iara. Para ela, a realização de uma discussão mundial sobre as principais questões relacionadas à cultura no Brasil possibilita dar um destaque maior à produção dos países latino-americanos e do hemisfério sul.

"Nós vamos colocar o foco sobre o que não está sendo olhado, gente que não está nem nos EUA nem na Europa", afirma Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo e presidente do conselho diretor do FCM. "Existe um discurso de que a cultura e a educação são importantes, mas na prática recebem pouca atenção das nossas autoridades e os recursos são insuficientes", critica.

Entre os objetivos que vão nortear as discussões do FCM estão: a criação de uma plataforma para ação coletiva que promova a cultura e o desenvolvimento econômico e social; a criação de uma rede de informação sobre temas relacionados ao desenvolvimento cultural e econômico; a criação de um sistema de dados na Internet para que as experiências sejam compartilhadas; a geração de novos mecanismos de apoio para empreendimentos culturais; a promoção do acesso aos mercados culturais; e apoio às iniciativas culturais regionais e internacionais, promovendo o diálogo entre elas.

A programação está dividida em três elementos principais: um conjunto de conferências, debates e outras atividades sobre os assuntos mais importantes relativos à cultura e às artes, hoje; um mercado cultural de idéias e oportunidades; e, é claro, uma mostra artística com muitas apresentações culturais. Além disso, a organização do evento promove um fórum virtual para troca de idéias, informações e experiências.

Mobilização mundial

Simultaneamente, na Espanha, também com apoio da Unesco, acontece o Fórum Barcelona 2004. A coordenadora de cultura da Unesco no Brasil, Jurema Machado, diz que a ocorrência de dois fóruns internacionais que associam a cultura ao desenvolvimento se deve a um reconhecimento crescente no mundo inteiro do papel essencial desempenhado pela cultura nas estratégias de desenvolvimento. O resultado dessa mobilização, segundo ela, pode ser "uma maior preocupação com a promoção da cultura não apenas por meio de apoio a eventos curtos e esporádicos, mas como política social de interesse público".

Iara Pietricovsky enfatiza a necessidade de aprofundar as questões culturais: "É importante saber discutir a cultura em dimensões que vão além dos eventos e das breves manifestações artísticas, e que alteram as relações humanas e geram mudanças de comportamento".

Enquanto o Fórum Cultural em São Paulo tem nove dias de programação, o Fórum Barcelona, anunciado como o "Fórum Universal das Culturas", se estenderá por 141 dias - desde 9 de maio até 26 de setembro. Mas não é apenas a duração que marca as diferenças entre os dois fóruns.

Danilo, que participou da abertura do Fórum de Barcelona, diz que o evento na cidade espanhola pode discutir questões semelhantes (diversidade cultural, desenvolvimento sustentável e condições de paz são os seus três grandes temas), mas tem como principal objetivo projetar a cidade de Barcelona para o mundo, enquanto que o Fórum Cultural Mundial, embora também deva projetar a cidade de São Paulo e a cultura brasileira, reúne interesses mais diversos. "O Fórum de Barcelona é um grande projeto de marketing urbano, enquanto que o FCM nasce de uma preocupação internacional com a questão da cultura", diz.

Mais valorização

Embora seja o centro das atenções em eventos internacionais, a cultura ainda merece uma valorização muito maior em outros grandes espaços de debates. Iara, que também participa da coordenação do Fórum da Sociedade Civil na 11ª Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) – que termina hoje, em São Paulo, após sete dias de atividades – conta que a cultura não tem sido tratada com a importância que deveria na Unctad, embora o tema "indústrias criativas" tenha ganhado um painel exclusivo na edição do evento deste ano. "Ou a própria sociedade civil não está sabendo falar da cultura numa discussão sobre comércio e desenvolvimento, ou as pessoas envolvidas com a cultura não estão vendo a importância de debater o comércio para a produção cultural", diz.

Os organizadores do FCM acreditam no potencial do evento para fazer a sociedade refletir sobre o papel da cultura no mundo atual e mudar os rumos da produção cultural. "Será um grande encontro para se verificar a importância da cultura na vida das pessoas e também diante daqueles que têm responsabilidade com a promoção da cultura", diz Danilo Miranda.

Walter Roberto Malta, presidente da Rede Brasil de Promotores Culturais Independentes e integrante do conselho diretor do FCM, ressalta que a valorização da cultura tem que estar diretamente relacionada à capacidade de aprender a lidar com as diversidades e as singularidades. "Esperamos que, a partir do FCM, cada artista, cada comunidade, passe a discutir os caminhos para a cultura na sua região", complementa.

Mariana Loiola

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