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Uma rede de transformações

Autor original: Giuliano Djahjah Bonorandi

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor





Uma rede de transformações


Imagine um espaço onde o acesso à Internet e à tecnologia digital possibilite a mobilização de comunidades em torno de práticas culturais, redes de informação e do exercício do direito ao acesso público a novas tecnologias e meios de comunicação. Agora, imagine que isso aconteça em várias comunidades e que estas, ligadas em rede, troquem experiências, informações e elaborem projetos em conjunto. Essa é a proposta da Rede.Lê, a Rede de Inclusão e Letramento Digital, iniciativa que a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) vem desenvolvendo desde o ano passado, por meio do seu Centro Cultural, do Observatório da Juventude da Faculdade de Educação e do Centro de Referência em Software Livre (Solar).


O projeto reúne 18 telecentros espalhados por Belo Horizonte e pelo interior de Minas Gerais, envolvendo escolas da rede municipal, organizações não-governamentais, comunidades remanescentes de quilombos, centros culturais da periferia, aglomerados de vilas e favelas, comunidades indígenas, universidade e áreas de preservação ambiental.


O projeto consiste em utilizar a inclusão digital como um instrumento de transformação social, levando as comunidades a realizarem projetos de desenvolvimento locais, produzindo e compartilhando conhecimentos. "Os computadores devem ser mais que uma máquina de escrever moderna ou uma enciclopédia eletrônica. Eles devem ser, sim, um meio de produção de sentidos, de expressão de opiniões, idéias e culturas locais, ou seja, de contrução de cidadania", diz Regina Helena Alves da Silva, diretora do Centro Cultural da UFMG.

Nesse sentido, a Rede.Lê busca adaptar o telecentro às especificidades e demandas de cada local. Inicialmente, agentes multiplicadores da universidade promovem junto à população seminários e oficinas de diagnóstico participativo, com o objetivo de levantar as iniciativas em curso nas comunidades e encaminhá-las para uma rede de intercâmbio, produção cultural e comunicação. Além disso, o grupo local discute e define como irá utilizar as tecnologias. "Os computadores só chegam depois que a comunidade já sabe o que quer fazer com eles", afirma Regina.

Após essa fase, a equipe de agentes multiplicadores dá assessoria aos grupos locais para a elaboração e gestão de projetos culturais e de promoção da qualidade de vida, organização de eventos e elaboração de publicações. Esta etapa é realizada pela rede D.vEr.Cidade, formada a partir do projeto de Formação de Agentes Culturais do Observatório da Juventude da UFMG.

Na Serra do Cipó, região turística de Minas Gerais, a iniciativa está em fase de implantação. E a mobilização para instalação do telecentro trouxe consigo a elaboração de um projeto maior. Lá, comunidade e universidade articularam uma série de parcerias para transformar a região em um pólo de ecoturismo. Já no bairro Novo Glória, na periferia de Belo Horizonte, a Rede.Lê proporcionou uma série de incentivos aos jovens da região. "Aqui é um lugar em que as políticas públicas não chegam. Com a Internet, a comunidade pode se enxergar no mundo", comenta Santone Lobato, integrante do Grupo Tambolelê, que promove oficinas de percussão para jovens da região.

A partir desta atuação, o projeto incentiva a integração das diversas comunidades, com a formação de redes físicas e virtuais, possibilitando aos grupos integrantes do projeto o compartilhamento de interesses, necessidades e desejos coletivos. Como resultado, três redes já foram criadas: a Rede Quilombos, que busca desenvolver possibilidades de reflexão para as comunidades da Rede.Lê que são remanescentes de quilombos; a Rede Escola Pública, em que nove escolas trocam informações sobre projetos desenvolvidos por alunos e professores; e a Rede de Comunicação, na qual os participantes dos telecentros envolvem-se na divulgação das iniciativas culturais e de cidadania que acontecem em sua região. Nessa rede, os participantes passam por capacitações de produção televisiva, radiofônica e de jornalismo impresso.

Outro pressuposto da Rede.Lê é utilizar em seus telecentros o software livre. A opção não se dá exclusivamente pela redução de custos que essa escolha pode proporcionar, mas também pela possibilidade que os participantes têm de interferir no código-fonte dos programas a partir de demandas específicas de cada comunidade, apropriando-se, dessa forma, das novas tecnologias. "A cidadania só é dada se tivermos a possibilidade de optar e interferir. E o software proprietário não abre essa possibilidade", comenta Regina Helena.

Além de recursos tradicionais, como acesso à Internet e aplicativos de escritório, cada um dos usuários tem o seu próprio endereço eletrônico e sua página pessoal no servidor do telecentro. Também foi incorporado aos computadores um software para geração de conteúdo de áudio e infra-estrutura para geração de programas de rádio via Internet, assim como programas de criação e manipulação de imagens.

A Rede.Lê é sinal de um modelo um pouco raro nas universidades públicas do país. A prática do intercâmbio entre a instituição de ensino e a sociedade é outra motivação para os organizadores do projeto, pois beneficia diversas comunidades e proporciona ao meio acadêmico uma série de oportunidades de pesquisa em diversas áreas - por exemplo, sobre metodologias para inclusão digital na área de educação. "Tem que se discutir muito no Brasil o papel da universidade pública na sociedade. Não é possível que a única forma de acesso a ela seja o vestibular", completa Regina.

Giuliano Djahjah Bonorandi

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