Autor original: Marcelo Medeiros
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O Serviço Nacional do Comérioc (Senac) promoveu durante a última semana um programa de treinamento voltado para profissionais de 14 unidades regionais e outras lideranças de organizações não-governamentais de vários estados brasileiros. O objetivo foi formar multiplicadores das idéias transmitidas em aula, de forma a melhorar a capacidade de gestão, captação de recursos e mobilização social das entidades participantes.
A grande atração do curso foi a presença da norte-americana Carol Wessner, estudiosa do terceiro setor no Instituto de Estudos Políticos e no Centro para Estudos da Sociedade Civil da Universidade John Hopkins, um dos mais conceituados centros de pesquisa do mundo no que se refere a ONGs. Atualmente ela ocupa o cargo de diretora assistente de Programas de Gestão, Treinamento e Educação. Wessner elaborou o curso de acordo com uma visita feita no ano passado, durante a qual se reuniu com 25 organizações e discutiu as principais dúvidas e deficiências do terceiro setor no Brasil.
Na avaliação da norte-americana, o terceiro setor brasileiro ainda está em seus primeiros estágios se comparado com o dos EUA, mas o trabalho que vem sendo feito é bom. “Porém, em muitos casos, esses serviços ajudam a remediar imediatamente o problema, como dar comida a um faminto, mas a longo prazo mudanças consideráveis ainda estão longe de serem atingidas”, diz.
Nesta entrevista, realizada por correio eletrônico, Wessner analisa as atividades das ONGs brasileiras, comenta o curso que ministrou e as expectativas em relação aos frutos que ele pode gerar.
Rets - A senhora tem vasta experiência no treinamento de organizações européias e norte-americanas. Foi necessária alguma modificação para o curso ministrado no Brasil?
Carol Wessner - Todos os programas de treinamento que desenvolvemos são adaptados às necessidade locais. No Brasil nós fizemos, em setembro do ano passado, uma avaliação de necessidades durante uma semana com 25 ONGs. Elas disseram quais eram suas prioridades e os assuntos-chave para os quais precisam de mais informações ou novos dados para conseguirem expandir sua capacidade de gestão e pôr fim aos anseios de seus integrantes. Nós também nos encontramos com capacitadores para saber do que precisavam para repassar novas idéias, tecnologias e estratégias. Logo, nosso treinamento no Brasil foi baseado nessas informações coletivas.
Rets - A senhora dá assistência para ONGs e ministra cursos sobre advocacy e captação de recursos, entre outros assuntos. Quais são as dúvidas mais comuns no Brasil? E as dificuldades?
Carol Wessner - Não posso falar sobre as dúvidas das ONGs de todo o país. Mas posso identificar as dúvidas levantadas pelas 25 entidades que participaram de nossa avaliação. De maneira geral, houve comprometimento e dedicação totais para as causas e necessidades com as quais as organizações se identificam: educação, crianças em situação de rua, direitos humanos, meio ambiente etc. As questões partiam do sentimento de não haver suficientes conhecimentos e habilidade para gestão sem fins lucrativos para poderem fazer melhor seu trabalho. Depois de muitas horas de discussão, chegamos a um número de temas nos quais desejavam mais conhecimento e habilidade. Isso incluía planejamento estratégico, elaboração de parcerias com governos e iniciativa privada, avaliação e monitoramento, advocacy (um assunto muito novo), governança e formação de conselho de direção.
Rets - O terceiro setor norte-americano e o brasileiro são comparáveis? O que eles têm em comum e de diferente?
Carol Wessner - O terceiro setor nos EUA existe desde os primeiros dias da fundação do país, por intermédio de associações informais, e gradualmente, ao longo do tempo, transformou-se em estruturas muito mais formais. Muitas das organizações norte-americanas, hoje, estão sendo afetadas pelas grandes mudanças nas políticas públicas e na prestação de serviços para seus cidadãos. As ONGs são consideradas agentes viáveis de mudanças nas comunidades americanas nos níveis local, estadual e nacional. Os EUA possuem uma estruturam legal bastante formal que propicia diretrizes e requisitos legais para a operação de ONGs baseadas no país e suas atividades, que demandam muitas prestações de conta. Os relatórios são acompanhados de perto pelos governos nacional e estadual para garantir que as organizações sem fins de lucro estão de acordo com a lei.
O contexto brasileiro, em comparação com o norte-americano, ainda está nos seus primeiros estágios de desenvolvimento. Apesar de haver milhares de ONGs no Brasil elas não são organizadas e estruturadas como as dos EUA. E ainda precisam de muito apoio voluntário para cumprir suas missões. Além disso, as leis parecem estar no lugar, mas as condições para sua implementação parecem estar também em seus primeiros estágios de desenvolvimento. Há ONGs brasileiras trabalhando no sentido de influenciar políticas públicas que afetem seu público-alvo, mas penso que a maioria ainda está engatinhando nesses fundamentos.
Rets - O número de ONGs no Brasil tem crescido bastante rápido. Qual é a sua força e como qualifica seu trabalho?
Carol Wessner - O trabalho das ONGs no Brasil é muito preocupado com assuntos importantes que preocupam os cidadãos. Elas estão trabalhando para prover serviços para os necessitados. Porém, em muitos casos, esses serviços ajudam a remediar imediatamente o problema, como dar comida a um faminto, mas a longo prazo mudanças consideráveis ainda estão longe de serem atingidas. Os líderes de ONGs estão começando a discutir e procurar conhecimento e fundamentos para influenciar políticas que possam ajudar a reduzir ou eliminar alguns desses problemas. Alguns desses líderes já estão promovendo mudanças de longo prazo.
Rets - Como estudiosa do terceiro setor, como qualifica os trabalhos acadêmicos brasileiros?
Carol Wessner - É impressionante o aumento do número de programas acadêmicos sendo desenvolvidos para prover teoria e melhores práticas nessa área. Mas há também uma grande necessidade de aumentar o número e a capacidade de capacitadores que possam trabalhar com ONGs em nível comunitário. O programa Formatos, do Senac, está trabalhando nesse sentido.
Rets - Depois dos atentados de 11 de setembro, surgiram reclamações que afirmam que muitos recursos que costumavam ser direcionados a organizações latino-americanas e africanas, por exemplo, agora vão para entidades atuantes em áreas de conflito, como Iraque e Afeganistão. A senhora concorda com essa análise?
Carol Wessner - As pessoas de todo o mundo estão sentindo o impacto dos ataques terroristas. Governos, incluindo o norte-americano, estão investindo mais recursos no combate ao terrorismo e na eliminação desses horríveis atos de violência contra pessoas e comunidades. Como resultado, todos estão experimentando uma redução dos recursos disponíveis para necessidades mais profundas em nossos países e comunidades. Obviamente isso reduz o montante de recursos a serem distribuídos para a cooperação internacional.
Rets - Como os EUA, o Brasil é um país com território muito grande, além de uma grande diversidade cultural. Como ela pode ser usada em programas de treinamento?
Carol Wessner - Nosso treinamento visa incluir todas as pessoas e suas diversidades como um fator positivo, o que é essencial se usado apropriadamente para promover mudanças. Nossos módulos de treinamento mostram, na prática, meios de promover, respeitar e valorizar a diversidade em comunidades locais e em parcerias.
Rets - Seu treinamento utiliza alguma metodologia nova?
Carol Wessner - A Universidade John Hopkins traz um modelo de treinamento que fornece interatividade e técnicas de participação e aprendizado. Além disso, enfatiza o trabalho em parceria com ONGs, governos e iniciativa privada para criar soluções para problemas sociais complexos sustentáveis. Nós vemos as ONGs como catalisadoras para mudanças e como especialistas em muitos dos problemas que afetam cidadãos e comunidades. Nossos módulos de treinamento e cursos fornecem capacitação em diversas técnicas, mas também conhecimento e ferramentas de desenvolvimento de parcerias para mobilizar cidadãos em busca de mudanças políticas.
Rets - O que a senhora espera de sua visita ao Brasil?
Carol Wessner - Esperamos que resulte em grupos capacitadores com conhecimento e ferramentas apropriados, capazes de saírem e levarem esse conhecimento para os níveis locais e regionais.Os Senacs de 14 estados estão participando desse programa de treinamento.O objetivo e a esperança é que eles treinem ao menos 500 ONGs de hoje a janeiro e, em 2005, outras 5 mil de todo o país por meio da formação de multiplicadores.
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