Autor original: Giuliano Djahjah Bonorandi
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
É muito comum ouvir que as manifestações artísticas constituem a identidade de um povo. No Brasil, porém, existem poucas iniciativas de preservação dessas manifestações, impossibilitando, principalmente no meio rural, a continuidade da produção cultural. Pois para preservar essas manifestações e valorizar os artistas populares, a Fundação Quinteto Violado desenvolveu o projeto Cantos do Semi-Árido, que também pretende possibilitar independência financeira para músicos nordestinos.
A fundação tem origem no grupo Quinteto Violado, que, criado em 1971, buscava incorporar em seus trabalhos aspectos das diversas culturas regionais existentes no Nordeste brasileiro, pesquisando e elaborando projetos de valorização cultural. Nesse sentido, com o intuito de unir a arte ao desenvolvimento social e facilitar a articulação com a sociedade civil e órgãos públicos, os integrantes do grupo criaram a Fundação Quinteto Violado.
Desde 1996, a entidade já desenvolveu diversas parcerias com o governo federal, prefeituras e outras ONGs, buscando sempre utilizar a cultura como caminho para a construção da cidadania. Um bom exemplo foi o Projeto Frente Cultural, em Serrita (PE), que iniciou um trabalho de valorização da cultura da região, principalmente de uma das principais manifestações do local, a Missa do Vaqueiro. Foi criada uma cooperativa que produz artesanato em couro com temas regionais e hoje o local faz parte do roteiro turístico de Pernambuco. "A nossa idéia sempre foi valorizar o homem através da arte", comenta Marcelo Melo, presidente da fundação. Para ele, valorizar a identidade local possibilita a elevação da auto-estima da população e aumenta o senso de comunidade.
Dentro desse contexto surgiu o projeto Cantos do Semi-Árido, que, com apoio da Secretaria de Reordenamento Agrário do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SRA/MDA) e em parceria com o Projeto Dom Hélder Câmara, capacita músicos populares para que se profissionalizem e possam gerar renda com sua arte. A fundação também produz um CD cuja edição é cedida aos autores para posterior comercialização. Assim, o Cantos do Semi-Árido possui dupla função: ao mesmo tempo que dá autonomia aos artistas, preserva e registra a cultura popular do semi-árido.
Para respeitar as particularidades e a espontaneidade de cada grupo, a fundação leva todo o equipamento para o local das apresentações. A gravação dos índios fulni-ô, por exemplo, foi realizada enquanto eles dançavam, registrando o som de seus pés batendo no chão. Já com as cantadeiras do sisal, na Bahia, o ruído que chama atenção é o de agulhas de tricô batendo uma na outra. Esse mesmo trabalho chama a atenção por outra característica: as caixas dos CDs serão confeccionadas em sisal e produzidas pelas próprias cantadeiras por intermédio da cooperativa da qual fazem parte.
No assentamento Santa Catarina, em Monteiro (PE), a gravação do CD de Zabé da Loca - uma mulher de 79 anos que faz um trabalho com pífanos e zabumbas - mobilizou toda a comunidade. Em Poço Redondo (SE) foi registrada uma grande festa popular da região: a Cavalhada, que representa os conflitos medievais entre mouros e cristãos. O resultado será lançado em DVD.
Para Marcelo Melo, a carência de investimentos em cultura no país não é um fato isolado. "A cultura é desprezada tanto quanto a saúde e a educação", comenta. Para ele, porém, mobilizar essa dimensão é possibilitar o desenvolvimento de toda a comunidade. "A arte é um discurso facilitador, uma linguagem mais próxima das pessoas, e é através dela que podemos promover o desenvolvimento sustentável e a cidadania", afirma.
Atualmente, a fundação está desenvolvendo parcerias com outras entidades, oferecendo seminários e capacitação. A idéia é que experiências como a do Cantos do Semi-Árido possam se reproduzir em outras regiões do país. Quem se interessar pode entrar em contato com a instituição pelo correio eletrônico
fqv@uol.com.br.
Giuliano Djahjah Bonorandi