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FSM: ultrapassando limites de governos

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original:

Antônio Martins, Cândido Grzybowski, Francisco Whitaker, João Pedro Stédile, Luis Marinho, Maria Luisa Mendonça, Oded Grajew e Sérgio Haddad*






FSM: ultrapassando limites de governos


No dia 14 último, foi lançado em vários lugares do mundo, simultaneamente, o processo de preparação do próximo Fórum Social Mundial. Vencido o desafio de realizá-lo em 2004 do outro lado do planeta, reunindo na Índia mais de 100.000 pessoas – em um contexto diferente, histórica e culturalmente –, volta a Porto Alegre, de 26 a 31 de janeiro de 2005, esse grande encontro das organizações sociais que lutam por um mundo diferente daquele que nos é imposto pela dominação neoliberal.

Esse lançamento coincidiu com a realização em São Paulo da 11ª Conferência da Unctad, organização das Nações Unidas criada em 1964 – mesmo ano do golpe militar no Brasil – pelas mãos de pessoas bem intencionadas como Raul Prebisch, crítico ferrenho das regras do comércio internacional que prejudicavam o desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo. Ela foi abafada mais tarde pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que consolidou o domínio comercial dos países ricos e anulou a segunda dimensão da Unctad – o desenvolvimento. Mas esta tenta hoje reconstruir o cenário de seus objetivos iniciais, dentro de uma crise geral vivida pela própria ONU, incapaz de impedir guerras imperiais brutais como a do Iraque ou a violência de conflitos infindáveis como o de Israel e Palestina, nem interromper o crescimento inaceitável da desigualdade social entre países e dentro dos países, nem tampouco realizar quaisquer objetivos de superação da miséria ou de defesa da preservação do planeta.

Uma tal coincidência é oportuna, porque pode chamar a atenção para uma novidade desta virada do século no mundo: a emergência da sociedade civil como novo ator político. Na verdade, se a OMC é hoje extremamente questionada, isto se deve à mobilização de movimentos sociais, que acabaram obrigando muitos governos – como até o nosso – a reposicionarem a postura do seus países dentro dessa Organização. Nesse contexto, o Fórum Social Mundial, cuja quinta edição foi agora lançada, constitui um espaço amplo, consistente e contínuo de articulação e formulação de propostas de ações conjuntas em escala planetária.

O Fórum Social Mundial cumpre, assim, um papel fundamental, abrindo espaço para que se ultrapasse, por meio da mobilização social e pela proposição de soluções para os problemas do mundo, a limitação dos acordos intergovernamentais ou a insuficiência dos organismos internacionais – como a própria ONU –, muitas vezes pautados por interesses de governantes contrários aos interesses de seus próprios povos.

Nos Fóruns Sociais buscam-se outras saídas, com o protagonismo da sociedade civil, tanto em encontros mundiais como de nível regional e nacional, que começam a se enraizar mais profundamente na sociedade através de Fóruns Sociais Locais. E essa procura ganha uma força crescente porque constitui também um aprendizado de uma nova forma de fazer política, depois de tantas frustrações vividas pela humanidade com os caminhos tradicionais – inclusive de esquerda.

Nesse sentido, o Fórum Social Mundial de 2005 dará passos importantes, com inovações adotadas por seu Conselho Internacional em reunião realizada em abril, na Itália.

O FSM é um espaço aberto, horizontal, respeitoso da diversidade, criado para a discussão, a troca de experiências e a articulação planetária entre atores da sociedade civil. O que se pretende agora é estimular essa articulação, começando imediatamente, estendendo-se ao longo de 2004, durante o FSM e seguindo depois do evento. O evento passará a ser, assim, um momento de encontro mais intenso, dentro de um processo sem interrupção.

Além disso, propõe-se que, sempre que possível, a intercomunicação dos participantes leve à formulação de estratégias, propostas e planos concretos de ação, visando a uma real eficácia em nossa luta por mudar o mundo. Isto não significa que o evento terminará com um documento final, contrário à opção básica da Carta de Princípios do FSM. O que se pretende é que nele, mas também antes e depois dele, surjam o máximo possível de novas propostas e iniciativas, abrindo mais caminhos de superação dos diferentes tipos de dominação que enfrentamos.

Para isso foi aprofundada a dimensão participativa do processo e da própria montagem do programa do evento. Em ampla consulta mundial, um questionário perguntará a todas as organizações envolvidas no FSM que lutas, questões, problemas, propostas ou desafios de caráter mundial elas consideram que devem ser tratados no Fórum de 2005. Ao mesmo tempo, solicitará que desde já indiquem lutas, questões, problemas, propostas ou desafios, de qualquer nível, que elas próprias pretendem trazer para o Fórum, em atividades auto-organizadas.

Com as respostas imediatamente accessíveis a todos, será possível promover novas articulações, a partir das propostas e atividades de cada organização, além daquelas que muitos participantes dos Fóruns já vêm construindo. Grupos de trabalho facilitarão esse processo, inclusive quanto à programação de conferências, debates, testemunhos etc. Com isso será possível outra importante inovação: o programa geral do evento estará disponível pelo menos um mês antes de sua realização, para que a vinda a Porto Alegre seja preparada da melhor forma possível.

Há quem diga, no Brasil e mesmo no exterior, que o próximo Fórum será centrado numa crítica ao governo Lula. A dimensão mundial da consulta preparatória afasta essa possibilidade. Mas se a liberdade assegurada pela Carta de Princípios do FSM permite que ele abrigue tais tipos de debate, ainda segundo essa mesma Carta, nenhum tema pode se alçar à condição de mais importante. Cabe ainda lembrar que o Fórum, enquanto Fórum, não tomará posições a respeito deste ou daquele tema, uma vez que ele é somente um espaço e não um movimento nem uma entidade.

O salto qualitativo que está sendo dado vai ainda mais longe. Numa nítida consideração da experiência da Índia, onde grupos populares se exprimiram pelo teatro, dança, música, artes plásticas e outras manifestações, o Fórum de 2005 será realizado em um espaço mais aberto: a orla de Porto Alegre, frente ao seu famoso pôr-do-sol. Abrigando diferentes formas de expressão política, na alegria característica dos Fóruns Sociais, assumiremos nossa co-responsabilidade vivendo o respeito absoluto ao meio ambiente, experimentando a economia solidária, a moeda social e a informática livre, tratando o espaço físico do Fórum como um território conquistado ao mundo velho.

Que todos que nos leiam sintam-se convidados a participar deste processo rumo ao outro mundo necessário, possível e urgente que desejamos.

* Antônio Martins, Cândido Grzybowski, Francisco Whitaker, João Pedro Stédile, Luis Marinho, Maria Luisa Mendonça, Oded Grajew e Sérgio Haddad são membros da Secretaria Internacional do Fórum Social Mundial (www.forumsocialmundial.org.br).





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