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Retrato do descaso

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Artigos de opinião

Juliana Radler*






Retrato do descaso


Duas notícias publicadas pelo jornal “O Estado de São Paulo” nos dias 21 e 22 de junho alertam para o descaso com que questões ambientais prioritárias estão sendo tratadas pelo atual governo. Em uma das reportagens o assunto é polêmico: a venda de terras sem comprovação de titularidade na Amazônia, cuja atividade já possui até um site (www.resourcesbrazil.com) para divulgar os benefícios de comprar um pedaço de terra na maior floresta do mundo. O fato foi denunciado pelo Greenpeace, que informou também que no primeiro ano do governo Lula (2003) foi registrado o segundo maior nível de desmatamento da história da floresta amazônica, com 23,7 mil quilômetros quadrados destruídos.

Não bastando essa triste e preocupante notícia, soubemos também que o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, entidade criada em 2000 para discutir e elaborar propostas brasileiras para questões relacionadas ao problema global do aquecimento do planeta, está com as suas atividades paralisadas. Não há ao menos, segundo a reportagem do jornal paulista, porta-vozes que respondam pelo Fórum. Desta maneira, o tema de importância mundial, que preocupa toda a comunidade internacional, parece jogado às traças. Durante o governo Lula não houve sequer uma reunião do Fórum, que precisa ser convocada pelo presidente da República, completou a matéria do “Estadão”.

As duas reportagens denunciam problemas sérios, que não podem ter um viés apenas ambiental. São questões estratégicas para o Brasil e merecem ser tratadas com responsabilidade, seriedade e sentido de urgência. O leitor interessado em visitar o site citado acima tomará um susto quando se deparar com as propagandas sobre as terras na Amazônia. O site informa sem pudor as vantagens de comprar áreas na região, onde o investidor tem a “sorte” de receber a “biodiversidade for free”, diz o texto na Internet. Por isso, informa o website, milionários estrangeiros e companhias como Monsanto, Cargill, Mitsubishi, David Rockefeller e Donald Trump já possuem propriedades na Amazônia. O valor da terra, ainda segundo o “ResourcesBrasil.com”, é de 25 dólares por acre.

Para o coordenador dos projetos ligados à Amazônia do Greenpeace, Paulo Adário, “a ausência do Estado é o grande problema na Amazônia”, disse ele à reportagem do jornal paulista, acrescentando que a situação vem piorando na região devido ao que denomina de triângulo perverso: “plantação de soja, pecuária e exploração de madeira”.

Não menos grave é também o fato do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas não estar mais atuando, principalmente, em um momento em que as discussões voltadas para o mercado dos créditos de carbono ganham vulto. O fórum, composto por representantes do governo federal, de estados e municípios, empresas, cientistas, ambientalistas e outras organizações da sociedade, foi, entre 2000 e 2002, extremamente competente em representar o Brasil em eventos mundiais relacionados às questões de desenvolvimento sustentável. Com o fim do Fórum, o país certamente perderá representatividade nestes eventos, sobretudo, nas discussões, no âmbito da ONU, da implantação do Protocolo de Kioto, cuja próxima conferência será em dezembro, na Argentina.

De acordo com a reportagem publicada pelo Estado, “(...) o alerta sobre a extinção do Fórum foi feito em carta endereçada ao próprio Lula, no fim de abril, pelo então secretário-executivo do colegiado, Fábio Feldmann. Empossado em 2000, o ambientalista, ex-deputado tucano e ex-secretário paulista do Meio Ambiente esperava desde janeiro de 2003 sua substituição por alguém indicado pelo governo, mas ninguém foi nomeado para o cargo – não-remunerado(...)”. “Feldmann, então, deixou o Fórum. 'Pedi minha exoneração em dezembro passado e me disseram ‘fique enquanto a gente escolhe alguém para o seu lugar’. Em abril mandei uma carta ao presidente pedindo novamente minha exoneração, porque estão matando o Fórum e não tem cabimento continuar”, disse ele ao Estado de São Paulo.”

As mudanças climáticas já causam prejuízos e ameaçam o mundo com catástrofes naturais de proporções cada vez maiores, fazendo aparecer um novo conceito de migração, a dos refugiados ambientais, que fugirão de inundações, secas e todo tipo de intempérie. Ainda segundo a entrevista de Feldmann ao Estadão, “a pouca ou nenhuma importância dada ao Fórum e sua “extinção na prática” representa a “falta de noção do governo sobre a urgência do tema” das mudanças climáticas. “É o principal tema no mundo, depois do terrorismo, e o Brasil tem muito com o que se preocupar depois do ciclone Catarina”, apontou, referindo-se ao fenômeno que foi classificado como o primeiro furacão a atingir o Sul do Brasil, em março, deixando vítimas e muitos prejuízos.”

Detentor da maior biodiversidade do planeta, o Brasil tem muito a ganhar com a exploração sustentável dos seus recursos naturais. Mas, para isso, é preciso que o País realize uma gestão competente, participando como protagonista das grandes decisões relacionadas ao desenvolvimento sustentável no mundo. E, para começar, é preciso prezar pelo seu próprio patrimônio, combatendo a biopirataria, o desmatamento e todo tipo de crime ambiental que ocorre diariamente neste país de dimensões continentais. É preciso começar a trabalhar nesta direção imediatamente, antes que as nossas riquezas naturais desapareçam.

* Juliana Radler é jornalista com especialização em Jornalismo Ambiental pelo International Institute of Journalism (IIJ), da German Foundation for International Development (DSE/InWent).






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