Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
![]() | ![]() |
O Senado aprovou, na terça-feira 29 de junho, o Projeto de Lei do Senado 7 de 2003, que dispõe sobre o registro, fiscalização e controle de organizações-não governamentais. O texto substitutivo (nova redação do projeto original), aprovado em votação simbólica (sem nenhum voto contrário), é de autoria do senador César Borges (PFL-BA), relator do projeto apresentado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs, que funcionou de março de 2001 a dezembro de 2002. O conteúdo não agrada a muitos representantes de entidades do terceiro setor. Segundo eles, as atribuições do PL são pouco claras, ineficientes e estão longe de atender seus desejos. O projeto agora segue para votação na Câmara de Deputados.
Os sete artigos do substitutivo estabelecem a necessidade de prestação anual de contas ao Ministério Público independentemente da origem dos recursos e criam o Cadastro Nacional de ONGs (CNO). Além disso, o PL limita a possibilidade de recebimento de recursos públicos às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips) e às que possuem títulos de Utilidade Pública, registro no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), qualificação de Organização Social ou de Entidade de Apoio.
Do projeto original, redigido pela CPI e considerado muito pior pelas ONGs, foram retirados a necessidade de autorização do governo para uma entidade começar a funcionar e a obrigatoriedade de dirigentes de ONGs estrangeiras terem visto de permanência e residência no país. “São avanços significativos em relação à proposta anterior”, afirma José Antônio Moroni, diretor de relações institucionais da Associação Brasileira de ONGs (Abong). O advogado e consultor da área de legislação da Rits Paulo Haus Martins também considera o substitutivo muito melhor do que o projeto original, mas faz ressalvas. “Estão criando mais burocracias”.
Controle
A mudança mais celebrada do projeto original foi a supressão do artigo que impossibilitava o funcionamento de organizações antes de autorização do governo. Para representantes de ONGs, da maneira como estava escrito, o projeto atentava contra a Constituição ao restringir a liberdade de organização. “Não havia possibilidade do poder público negar registro aos atos constitutivos. O projeto acabou por respeitar a autonomia e liberdade das organizações”, afirma Moroni.
A manutenção de sua liberdade parece ser a principal preocupação das ONGs ao lado do aumento da transparência de suas atividades. Alexandre Ciconello, assessor jurídico da Abong, considera positivos alguns pontos do substitutivo aprovado, mas questiona a aplicabilidade e a necessidade de algumas medidas. “A prestação anual de contas ao Ministério Público (MP), por exemplo, é boa para aumentar a transparência das atividades, mas não sei se ele terá estrutura para isso. Por outro lado, pode servir também para aumentar o controle sobre as atividades das organizações”, diz.
Moroni vê o mesmo risco pois não estaria claro o que significa “prestar contas”. “Uma entidade que obtém financiamento de cooperação internacional ou consegue recursos próprios deve fornecer que tipo de informação?”, pergunta. Segundo ele, o cadastro a ser criado obriga as entidades a prestar esclarecimentos sobre “quaisquer outras informações que sejam consideradas relevantes para a avaliação de seus objetivos”. Isso dá margem, na opinião do diretor da Abong, a interferências na gestão das entidades.
Em nota técnica publicada na página da Abong (ver link ao lado), Ciconello critica a necessidade de prestação de contas ao MP. Segundo ele, as ONGs já são obrigadas a fazer relatórios com esses dados para seus financiadores, sobretudo se a fonte é pública. Além disso, estão sujeitas a investigação na hipótese de alguma denúncia. A legislação já determina a apresentação de relatórios da execução física e financeira ao Tribunal de Contas da União. O Ministério Público, por sua vez, pode ser acionado a qualquer momento. “A realização de uma investigação ‘a priori’ das associações pelo Ministério Público deve estar prevista no Código Civil e não em legislação esparsa”, escreve.
A opinião é compartilhada por Paulo Haus Martins, que afirma que todos os dados pedidos já estão disponíveis nos órgãos competentes. “Quem quiser informações pode ir ao cartório, à Receita Federal, ao INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). Basta procurar e tudo será encontrado em cinco minutos”.
O parecer do senador César Borges afirma que o objetivo da comissão que redigiu o PL é “justamente encontrar meios de coibir desvios de finalidade na atuação de muitas ONGs, em suas parcerias onerosas com o poder público, ávidas em lançar mão de verbas públicas, especialmente via convênios, para escapar ‘à licitação e sem submeter-se a edital público para seleção dos melhores projetos’, e, ainda, sem atenção à qualificação mínima obrigatória para tanto”.
Vale lembrar que, segundo a lei de Licitações (8866/93), é dispensável fazer licitações envolvendo entidades qualificadas como organizações sociais para realização de atividades em seu contrato de gestão. O mesmo se aplica na hipótese de serem celebrados convênios, ou seja, quando um serviço prestado não é cobrado. Ou ainda em parcerias entre Oscips e o poder público.
Registro
Todas as ONGs, caso o projeto seja aprovado, deverão se registrar no Cadastro Nacional de Organização Não-Governamental (CNO), a ser criado. Porém, a definição dada às organizações não-governamentais é muito ampla, dizem os especialistas. De acordo com o PL, elas são “entidades de direito provado, sem fins lucrativos, cujos objetivos e normas estatutárias visem a fins de interesse público”. Tanto Moroni quanto Martins criticam a falta de especificação do que é interesse público. “Qualquer entidade sem fins de lucro, como um clube de futebol, encaixa-se nesses termos”, diz Paulo Haus Martins.
O cadastro seria administrado pelo Ministério da Justiça. O CNO terá, caso o projeto seja transformado em lei, todo tipo de dado sobre as fontes de recursos, linhas de ação, tipos de atividade, modo de utilização de seus recursos, política de contratação, nome e qualificação de dirigentes e representantes.
Ciconello afirma que já existem diversas fontes de informação contendo esses dados. “Há diversos cadastros, mas unificá-los seria bom. O problema é que o texto não fala em unificação, apenas na criação de mais uma burocracia”, alerta. Segundo Martins, as ONGs não guardam informações confidenciais. “Estão todas com o poder público”. O advogado ainda critica a subordinação do cadastro ao Ministério da Justiça (MJ). “Esse cadastro é vergonhoso. Vai ficar nas mãos do MJ a decisão de quem pode ou não receber recursos. É o cidadão quem deve definir isso, pois já existem leis sobre o assunto. Corremos o risco de ver o repasse de recursos virar um negócio, fonte de mais corrupção. Quem deve ser fiscalizado é o poder público”.
A principal fonte de informações sobre as atividades financeiras de organizações não-governamentais é a Receita Federal, que recolhe a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), mas há outras como a Secretaria Nacional de Justiça, que já possui um cadastro de ONGs, e o próprio Conselho Nacional de Assistência Social, onde estão registradas 13 mil entidades.
Além disso, o Novo Código Civil estabelece que o registro de toda entidade deverá conter o nome de seus diretores, a maneira de administração e representação, origem de recursos e o modo de constituição e funcionamento dos órgãos administrativos e deliberativos. O estatuto das entidades precisa explicitar sua linha de ação.
A necessidade de registro no CNO esbarra na má definição do termo "ONGs", o que pode gerar confusão. “Dependendo de como eles definem ONGs não há necessidade do primeiro artigo. Se elas são todas entidades sem fins de lucro, basta pedir à Receita Federal o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica. A regulamentação da lei será complicada caso a redação do artigo se mantenha”, afirma Moroni.
O diretor de relações institucionais da Abong pergunta ainda se será possível negar inscrição e se a quantidade de informações pedidas não constituirá uma forma de controle. “Por que pedir tudo isso se não for para a inscrição ter um caráter de tutela?”.
Outro ponto polêmico é a definição de quais entidades podem receber recursos públicos. Apenas Oscips, UPs, OSs, entidades de apoio e registradas no CNAs poderão se beneficiar de qualquer tipo de fomento governamental. Isso exclui algumas organizações que não possuem tais títulos, concedidos de acordo com a função social e missão. Para Moroni, o artigo quarto, que dá essas definições, “deixa tudo como está, não traz nenhuma novidade”.
Uma das grandes preocupações da CPI era a atuação de ONGs estrangeiras no país, que estariam comprando terras na Amazônia e retardando o desenvolvimento da região. “As ONGs querem maximizar, não o desenvolvimento econômico-social sustentável, mas as áreas de proteção indígenas e ambientais. Trazem, mesmo, consigo, o germe das teses de internacionalização da Amazônia Brasileira”, diz o relatório.
O artigo quinto do PL condiciona à aprovação do Ministério da Justiça o funcionamento dessas entidades no país. “Isso já acontece”, afirma Moroni.
Votação e aprovação
O PL 7/2003 foi apresentado ao Senado pela CPI das ONGs, presidida por Cavalcanti, no começo do ano passado. Ele é resultado de uma série de investigações sobre denúncias, veiculadas na imprensa, de irregularidade na atuação de organizações no país, principalmente na Amazônia. Nove instituições foram acusadas de grilagem de terras, mau uso de recursos públicos e especulação imobiliária, mas nada foi comprovado.
O texto original foi bastante criticado pela Abong, que considerava seu conteúdo inconstitucional em alguns pontos e burocratizante em outros, além de ter um viés controlador. “Ele refletia a visão conservadora dos senadores que compunham a comissão, pertencentes às elites de seus estados, questionadas por entidades ambientalistas e de proteção aos índios”, opina Ciconello. Mesmo assim tanto ele quanto Moroni acreditam que o texto do substitutivo não é o que os senadores gostariam de ver aprovado nem o que eles preferiam. “Ele não agrada ninguém, mas também não desagrada totalmente nenhuma das partes”, afirma Moroni.
Já Paulo Haus Martins critica a falta de participação da sociedade civil na redação do projeto. A CPI chamou representantes de algumas organizações para prestarem depoimento ou fazerem palestras, mas a redação do PL e do substitutivo não contou com sugestões feitas pelas entidades. “Isso é um absurdo”, afirma.
Simultaneamente às investigações, o presidente da CPI, senador Mozarildo Cavalcanti (PPS-RR), apresentou outro projeto de lei, de número 246/2002, considerado a pior das soluções pelas ONGs. Ele previa que atividades de ONGs pudessem ser suspensas caso ferissem “os bons costumes” ou os “interesses nacionais”. A Rets não conseguiu falar com o senador, que também não respondeu ao email enviado. Porém, a justificativa do PL era que “muitas dessas organizações exercitam, além do legitimamente permitido e do moralmente aceito, atividades e pronunciamentos públicos que atacam o regime institucional brasileiro”. O projeto tramitava em conjunto com o 7/2003 por ter conteúdo semelhante, mas foi descartado em prol do consenso alcançado entre as bancadas com o substitutivo PL da CPI.
O PL 7/2003 agora segue para a Câmara dos Deputados. Se houver alterações no texto, volta ao Senado.
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer