Autor original: Marcelo Medeiros
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A cena musical de Recife (PE) não pára de inovar. Apesar de seu primeiro disco se chamar “Nada de Novo”, o grupo Mombojó traz novidades. Pela primeira vez no Brasil, uma banda não só disponibiliza todas as suas músicas para download gratuito como vai além. Os canais de algumas das músicas estão separados na página do grupo [ver link ao lado] para quem quiser utilizá-los em remixes. Novamente, sem pagar nada.
A atitude foi formalizada. O Mombojó, composto por cinco jovens músicos da capital pernambucana, colocou suas produções sob a licença Recombo, cujo nome é o mesmo de um outro grupo da mesma cidade, o Re:Combo, que nomeou o termo de direito autoral do coletivo internacional Creative Commons. A licença Recombo consiste na autorização para a livre recombinação de uma obra desde que a fonte seja citada. A decisão de autorizar o uso indiscriminado de suas músicas, segundo o violonista e cavaquinista Marcelo Campello, deu-se por uma visão de que a arte precisa de liberdade para evoluir e pela ineficiência do copyright. “A lei de direitos autorais faz vista grossa a si mesma. Precisamos samplear, recortar, colar”, diz.
Campello se diz um dos mais interessados da banda no uso da Internet para divulgar o trabalho. Tanto que classifica a rede de computadores de “escritório”. Por meio do site, agendam apresentações e avisam os fãs sobre horários, fazem contato com outros grupos e, principalmente, conhecem novos sons. “Se gostamos, guardamos. Se não, apaga e busca outra”, afirma, referindo-se ao download de músicas em formato MP3. A Internet, portanto, tem grande importância no trabalho desses músicos, que misturam samba, rock, bossa nova e outros ritmos.
Contando com apoio de grupos já conhecidos nacionalmente, como a Nação Zumbi e o Mundo Livre S/A, o Mombojó diz não se preocupar em ganhar dinheiro com a venda de discos, pois isso seria quase impossível no Brasil. Quanto a assinar contrato com uma grande gravadora, Campello não se abala. Diz que o fato de liberar a troca de suas músicas é uma barreira maior para eles do que para as empresas. “Tem que manter as músicas livres na Internet. A gente é chato demais com isso. Tem que ser assim”, declara.
Rets - Vocês disponibilizaram todas as músicas do disco para download. Por quê?
Marcelo Campello - É simples: porque não acreditamos em copyright. Acho que esse conceito está com os dias contados, não tem muito para onde ir. Ele não faz mais sentido. Não é possível fiscalizar todo o intercâmbio de informação existente hoje. Como alguém vai fiscalizar o som que alguém toca no seu computador para mostrar aos amigos? A lei de direitos autorais faz vista grossa a si mesma. A arte precisa de liberdade para ir adiante. Precisamos samplear, recortar, colar. O fim do copyright mexe com toda a vanguarda artística. O conhecimento deve ser algo coletivo, que possa ser passado livremente de geração para geração. Imagina como viveríamos se o cara que inventou o meio de fazer fogo na idade da pedra cobrasse para outras pessoas acenderem uma fogueira. Não sei se teríamos um isqueiro hoje.
Não podemos fechar essa corrente de passagem de conhecimento. Tudo está apontando para o fim do direito autoral como é atualmente. Por isso aderimos ao Recombo [recombo é o nome da licença mundial da Creative Commons que permite que uma obra seja copiada livremente na íntegra ou em pedaços, desde que o autor seja citado e o uso não vise promover um produto].
Rets - Como se deu o envolvimento do Mombojó com o Recombo?
Marcelo Campello - Foi pelo Mabuse [José Carlos Arcoverde, músico e produtor, membro do coletivo recifense Re:Combo, que deu nome à licença], que já trabalhou com a gente. Fizemos uma apresentação conjunta no último Abrindo Gás [festival musical que acontece em Recife no começo do ano e antecede outro evento]. Até chamam a gente de bandas irmãs, pois sempre tocamos juntos, temos identificação.
Eu nem conhecia o nome copyleft, mas já pensava em algo diferente do copyright. Um dia, numa festa, o Mabuse me falou esse termo e eu saquei na hora o que queria dizer. Achei “massa”. Ele me explicou como funcionava e gostei. Eu ligo bastante pra isso, gosto do assunto. Tem gente na banda que não liga muito, mas procurei saber bem do que se trata. Inclusive conversei com o Luciano [Meira, espécie de empresário e conselheiro da banda] quando já estávamos gravando o disco, e decidimos colocar as músicas na Internet.
Rets - Alguns grupos são contrários ao download gratuito de músicas pela Internet por causa do dinheiro que deixariam de ganhar. Esses recursos provenientes dos direitos autorais não fazem falta para vocês?
Marcelo Campello - Esse é um bom debate, sobre se vamos perder ou não dinheiro colocando música na Internet. Há pesquisas que indicam que, mesmo baixando música, as pessoas compram discos pela melhor qualidade de som e por aquela coisa de ter o encarte, de poder folhear, ver a arte. Mas é algo complicado, que precisa ser mais discutido, pois daqui a pouco vão melhorar a qualidade do MP3 e aí todos vão precisar se adaptar e descobrir novas formas de remunerar os músicos.
Gravamos nosso disco com recursos da lei de incentivo fiscal municipal, por isso não gastamos nada. Fizemos duas mil cópias e o dinheiro que ganhamos investimos na própria banda, para podermos continuar. Tem muita gente que pára nessa hora de reinvestir a grana, pois não sabe o que fazer. Ainda vai demorar muito para sobrevivermos do dinheiro da venda de discos. Só quem ganha com CDs é gente como o Roberto Carlos, que vende um milhão de cópias. A gente tenta tirar algum com show. Bandas alternativas como a gente nem têm pretensão de vender tanto assim. Pra dizer a verdade, não gravamos nosso disco pra ganhar dinheiro, mas sim porque tínhamos músicas prontas e vontade de gravar. Gravamos porque a gente tinha um ovo pra colocar.
Rets - E como foi formada a banda?
Marcelo Campello - Foi mais pela amizade da gente. Eu fui o último a entrar, pois fazia parte uma banda de chorinho antes. Aí discuti com os caras, fiquei sabendo que a galera estava fazendo um som e entrei. Todo mundo se conhece desde garoto, de ir pra show de bandas daqui de Recife, como Chico Science, mundo livre s/a, Comadre Florzinha. Não foi aquele esquema de chamar instrumentistas, mas sim de a galera se reunir pra tocar. O nome quem deu foi o baterista, Vicente. Ele queria algo que não tivesse sentido algum, para não associar o som ao nome da banda. Tem gente que faz isso. Só de pensar no nome já imagina o que vai tocar. Isso limita a criação. Um exemplo que acho legal são os Mutantes. Esse nome tem tudo a ver com nossa mentalidade.
Logo no começo, fizemos um show no Acorda Povo [festival organizado pelas bandas Nação Zumbi e Devotos em áreas de baixa renda de Recife], que foi "massa". Nosso ímã é mesmo a amizade, que acho a forma mais consistente de se formar uma banda.
Rets - Você falou das bandas de Recife de que gosta, mas o que mais vocês ouvem que influencia a música do grupo?
Marcelo Campello - Sabe como é Internet, né? A gente baixa tudo o que ouve dizer que é legal. É difícil dizer o que influencia todo mundo, pois cada um prefere um estilo. Mas ultimamente a gente tem ouvido muito Air e Stereolab. Mas o pessoal gosta também de Jobim, do Roberto Carlos mais antigo, do Tim Maia, que é "massa". Mas se você fizer essa pergunta pro flautista (Rafael), ele vai responder John Coltrane. Não tem uma bandeira fincada em um estilo.
Rets - De que forma a Internet facilitou para que vocês conhecessem bandas estrangeiras?
Marcelo Campello - Estamos sempre baixando música na Internet. Tem gente na banda que tem o computador cheio de MP3s. Isso é legal, ter acesso a informação fresca. Fico pensando no pessoal que tocava nos anos 80. Era muito difícil conseguir ouvir uma banda de fora e conseguir um disco. Tinha que esperar alguém viajar para, sei lá, Amsterdã, voltar, emprestar o vinil pra um, pra outro e só então ouvir em casa. Agora é tudo mais fácil. Ficamos navegando, vemos um nome legal e baixamos pra ver se o som é bom. Se gostamos, guardamos. Se não, apaga e busca outra.
Rets - Colocar as músicas para download facilita o contato com outras bandas e com o público?
Marcelo Campello - Demais. Sinceramente, acho deselegante ter um contador de acessos no site, mas eu bem queria saber quanta gente já acessou, pois recebemos muitas mensagens. Teve até um cara do Acre que nos mandou um e-mail dizendo ter gostado do som. Outra coisa legal é que quando vamos tocar fora de Recife muita gente já sabe as letras de cor.
Na verdade, a Internet é nosso escritório. Por meio delas agendamos shows, mas não me lembro de ter trocado mensagem com outras bandas.
Rets - Vocês disponibilizaram uma faixa do disco para samplers. Qual o uso que vocês fazem dessa possibilidade?
Marcelo Campello - Na verdade a gente se “auto-sampleia” mais do que aos outros. “Cabidela”, por exemplo, começa com um teclado que gravamos em um ensaio de garagem. Achamos o timbre legal e colocamos no disco. Na última música tem um grito meu; em outra, um celular que tocou no meio da gravação - achamos engraçado em deixamos ele lá mesmo. Não me interessa apenas copiar um trecho, mas distorcê-lo, fazer algo diferente a partir daquela música. Gosto de recombinar partes para dar a elas novas sensações.
Rets - Vocês já conversaram com o pessoal de bandas de que vocês gostam sobre a possibilidade de samplear as músicas deles?
Marcelo Campello - Não diretamente, mas, pelo que conheço das pessoas, acho que seria tranqüilo. São todos amigos e conhecidos há muito tempo. A Nação Zumbi, por exemplo, ensaiava na casa de Felipe, nosso vocalista, quando eles estavam começando. Era "massa"! O Fred Zero Quatro [vocalista do grupo mundo livre s/a] é uma pessoa que a gente conhece e gosta bastante. Mas é bom dizer de novo: gosto de samplear para distorcer, recombinar tudo, entende?
Rets - E vocês já foram sampleados, apesar da curta carreira?
Marcelo Campello - Já, mas sempre por conhecidos. O Pupilo [baterista da Nação Zumbi] já fez um remix nosso que ficou "massa". O Mabuse também. E o DJ Dolores está trabalhando em “Merda” [nome de uma música da banda]. Nós deixamos uma faixa aberta com todos os canais no site, pra quem quiser baixar, para a galera brincar à vontade.
Rets - Incomoda que o grupo seja conhecido, além da música, como a "banda do copyleft"?
Marcelo Campello - A gente fez o disco e colocou na Internet, mas não sabia que teria toda essa repercussão. Acabou vendendo uma politização que não sei se existe. A maioria do pessoal quer mesmo é tomar cerveja e fazer música. Mas funcionou como marketing. Acho positivo a gente discutir esses conceitos.
Rets - O Gilberto Gil anunciou que colocaria parte de sua obra sob a licença Recombo, assim como vocês. Isso pode ser um estímulo para outras bandas fazerem o mesmo?
Marcelo Campello - O Gil colocou mesmo? Nem sabia. "Massa"! Isso é muito bom, engrossa o coro. Até porque, além de cantor mainstream, ele também é ministro. Vai chamar bastante a atenção e o resultado disso virá daqui a pouco. Acho que o copyright está cada vez mais ficando encurralado no beco.
Rets - O Mombojó ainda está no começo da carreira e não tem gravadora. Essa posição favorável ao copyleft pode ser uma barreira para um contrato?
Marcelo Campello - É uma barreira para nós, mais do que para as gravadoras. Se o contrato não atender nossos desejos, não assinamos. Tem que manter as músicas livres na Internet. E a gente é chato demais com isso. Tem que ser assim.
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