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Políticas para mulheres: diretrizes para os próximos anos

Autor original: Mariana Loiola

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets





Políticas para mulheres: diretrizes para os próximos anos


No próximo dia 15 de julho, terá início em Brasília um dos espaços públicos mais importantes voltados para a discussão dos problemas da desigualdade de gênero no Brasil. A 1ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres deverá marcar a trajetória de luta do movimento de mulheres neste ano de 2004 - oficialmente o Ano da Mulher no país – ao qualificar as suas reivindicações e ampliar a visibilidade destas para a sociedade. Serão três dias de debates que deverão definir as diretrizes para a elaboração de um plano nacional de políticas para mulheres - um instrumento de gestão no âmbito federal ainda inexistente no Brasil.

Diferentemente da Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras, realizada pelo movimento de mulheres em 2002, esta conferência é convocada pela Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM), da Presidência da República, e terá como tema "Políticas para as mulheres: um desafio para a igualdade numa perspectiva de gênero". A Plataforma Política Feminista, que foi consolidada na conferência de 2002 e aponta uma série de problemas e desafios a serem enfrentados pelos governos, servirá como referência para o movimento de mulheres apresentar as suas propostas. Entre outras questões, o documento aponta as políticas de ajuste neoliberais como geradoras de aprofundamento da desigualdade e exige do Estado brasileiro o cumprimento dos acordos internacionais na área de direitos humanos.

Natália Mori, assessora parlamentar do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), espera que as diretrizes da Plataforma Política Feminista sejam consideradas na elaboração do plano, o que seria um reconhecimento do trabalho desenvolvido pelo movimento de mulheres. "Esperamos que essas pautas - embora sejam defendidas há décadas pelas feministas - possam ter uma visibilidade maior este ano, já que é o Ano da Mulher", diz.

Prioridades

Para Virgínia Feix, coordenadora executiva da Themis – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, uma das prioridades a serem discutidas na conferência é a aplicação de políticas de geração de trabalho e renda para as mulheres - como programas de acesso ao crédito -, com o intuito de combater a feminilização da pobreza. Ela explica que a dificuldade de conciliar as responsabilidades domésticas com o trabalho formal empurra as mulheres para o mercado informal - sem renda comprovada, elas não conseguem acesso ao crédito. Por outro lado, há cada vez mais mulheres chefes de família. "Não adianta termos direitos políticos e civis se não temos a garantia de direitos econômicos. É preciso desenvolver ações para que as mulheres possam se tornar empreendedoras e agentes do seu próprio desenvolvimento", diz.

Entre as reivindicações das feministas na conferência, também estará o reforço de um Estado laico, garantido na Constituição Federal. A necessidade dessa reivindicação é ainda maior pela oposição atual dos setores religiosos conservadores a questões relacionadas aos direitos sexuais e reprodutivos. "Quando se trata desse tema, sempre tivemos dificuldade de diálogo com as igrejas. Mas esperamos que o conservadorismo não atrapalhe as nossas conquistas", diz Natália Mori. Ela cita o exemplo da liminar concedida na última semana pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que garante às grávidas o direito de interromper a gestação de fetos com anencefalia (sem massa encefálica), e que foi criticada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), disposta a tentar reverter a decisão (a instituição pediu a cassação da liminar, ontem, dia 8).

Sonia Coelho, educadora popular da Sempreviva Organização Feminista (SOF), considera fundamental que haja grande debate sobre o direito ao aborto na conferência. "No Brasil, são realizados mais de um milhão de abortos por ano. A maioria dessas mulheres é pobre, não tem acesso à educação, a métodos contraceptivos nem a exames, mas, quando sofre complicação no aborto, é atendida pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Por isso, o Estado tem grande responsabilidade sobre essa questão: deve garantir que, no caso de gravidez indesejada, a mulher possa optar pelo aborto, com um atendimento de qualidade, sem ser punida criminalmente", diz.

A decisão do STF também foi comemorada por Silvia Pimentel, coordenadora nacional do Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), que luta há mais de 20 anos pela legalização do aborto e outros direitos sexuais e reprodutivos. "Será que vamos conseguir dessa vez?", indaga.

Não é apenas a legislação que criminaliza o aborto que deve ser revista, de acordo com as feministas. Silvia Pimentel também defende outras mudanças para que a legislação brasileira garanta efetivamente os direitos relacionados às questões de gênero, como a liberdade sexual. "É preciso modificar a cara da lei no país. O Código Penal, por exemplo, é discriminatório em relação às mulheres, ao usar termos como ‘mulher honesta’ para qualificar vítimas de alguns crimes sexuais’", diz.

O combate à violência sexual, outra luta antiga do movimento de mulheres, terá presença garantida entre os debates da conferência. Segundo Virgínia Feix, a lei que tipifica a violência doméstica no Código Penal Brasileiro (lei 10.886/0), sancionada recentemente pelo governo, é um avanço no sentido de dar visibilidade ao problema, mas está aquém do que pretende o movimento de mulheres. "Nós propomos a implantação de uma política de proteção integral à mulher para combater a violência doméstica, com mecanismos para prevenir, punir e erradicar esse tipo de violência, bem como mecanismos de assistência às vítimas", afirma a coordenadora da Themis, que está entre as entidades de um consórcio que propõe uma lei nacional de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.

Como a conferência vai reunir vários setores governamentais e não-governamentais, e não somente o movimento de mulheres, a negociação sobre assuntos polêmicos - como os relacionados aos direitos sexuais e reprodutivos - será um dos maiores desafios para o movimento na conferência, segundo Silvia Camurça, secretária executiva da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB).

"Existem diversas concepções de política para mulheres. Para os setores conservadores, qualquer ação assistencialista voltada para mulheres (como a distribuição de enxoval, por exemplo) é política para mulheres. Para os setores progressistas e feminista, políticas para mulheres são aquelas que promovem transformação social, que visam tirar as mulheres da situação de pobreza", diz Silvia Camurça. Além de setores progressistas e conservadores, também estarão representadas na conferência as especificidades dos movimentos de mulheres: indígenas, negras, lésbicas etc. "Nas conferências estaduais em que participei, vi muitas/os delegadas/os condenarem a livre opção sexual, esquecendo que os direitos para mulheres também incluem as lésbicas", conta.

Referência para os próximos anos

A conferência não será deliberativa, mas dará o rumo para uma implementação de uma política nacional para mulheres para os próximos anos, e a SPM será responsável por articular as diretrizes pactuadas por governos e sociedade civil, que valerão até o dia em que forem revistas em uma segunda conferência, ressalta Silvia Camurça. "Esse conjunto de diretrizes será uma referência para os governos que quiserem levar a sério a questão da igualdade de gênero".

Silvia Camurça trabalhou na Comissão Especial de Temática e Relatoria da conferência nacional, que sintetizou as demandas apresentadas nas conferências estaduais preparatórias. Ela acredita que a responsabilidade do Estado sobre a igualdade entre homens e mulheres e a unificação da orientação de políticas sociais e econômicas serão mencionadas com bastante ênfase na conferência. "Desde os anos 80 há um conservadorismo crescente no Brasil e no mundo que separa as políticas sociais das econômicas, que deveriam andar sempre juntas", diz.

Natália Mori enfatiza o papel da sociedade civil de continuar a fazer pressão para que o governo incorpore a questão de gênero na elaboração de políticas públicas. "O ideal é que todas as políticas públicas tenham perspectiva de gênero", diz. A briga por orçamento permanecerá como um desafio após a conferência. "A SPM deu abertura a discussões. Agora vamos ver como vai ser a execução orçamentária para que o governo transforme em política pública até o que já está garantido por lei", acrescenta.

Mariana Loiola

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