Autor original: Giuliano Djahjah Bonorandi
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
Ela tem 37 anos, mas o tempo só fez com que suas ações se renovassem. A Ação Comunitária do Brasil do Rio de Janeiro (ACB/RJ), entidade que vem atuando na capital fluminense desde 1967, reformulou recentemente toda a sua estratégia de atuação. Com sedes na Vila do João, na Maré, e no conjunto habitacional Cidade Alta, em Cordovil, a ACB tem hoje o objetivo de possibilitar a jovens e adultos a conquista da cidadania e a inserção no mercado de trabalho.
Homônima de outras instituições em outros estados brasileiros, a ONG foi idealizada por um conjunto de empresários cariocas que, na época, eram desfavoráveis à remoção de populações de áreas pobres. Viam como solução para a desigualdade social a inserção dessas populações no mercado de trabalho, oferecendo cursos de iniciação profissional e vagas em suas empresas. Sendo financiada por doações, a iniciativa chegou a estar presente em 64 favelas e 16 conjuntos habitacionais, beneficiando, nesses quase quarenta anos, 150 mil pessoas.
Há cinco anos, porém, a entidade decidiu reformar as suas bases e mudar a sua forma de atuação nas comunidades. Uma nova administração assumiu a direção da instituição e percebeu que para ser mais eficiente teria de mudar sua estrutura.
Uma empresa de consultoria foi contratada e, após seis meses de análise, percebeu ser necessária uma completa mudança de paradigma para a inserção da entidade em um modelo de organização social mais competitivo. Em um primeiro momento, mudou-se o estatuto e o quadro de funcionários foi todo renovado.
A partir daí, uma das constatações foi de que era necessário mudar a forma de captação de recursos. A ACB vivia basicamente de doações que não tinham destino certo. "Passamos a dar preferência a leis de incentivo como a Rouanet ou a do ICMS", afirma Marília Pastuk, superintendente da instituição. Com o surgimento de outras ONGs a partir da redemocratização no Brasil, a ACB também perdeu uma parcela de seus financiadores e teve de se adaptar. Marília explica: "A ACB não fazia
links com outras instituições, nem buscava parcerias. Ela era, de certa maneira, autofágica". Hoje, cada recurso é destinado a um projeto específico, o que, segundo a superintendente, faz com que o processo seja mais transparente, transformando o que antes poderia ser visto como um favor dos empresários em um investimento que terá um retorno.
Além de incorporar esta visão mercadológica às suas ações, a nova equipe da ACB decidiu também reduzir sua área de atuação. As comunidades de Cidade Alta e Vila do João, dois dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do município do Rio de Janeiro, já eram atendidas pela ACB há quase 30 anos e foram escolhidas. "Tivemos que diminuir nossa abrangência para consolidar as ações", conta Marília.
O foco das oficinas e capacitações também mudou. Antes a iniciação em profissões clássicas era o único modelo de cursos. "Nós brincamos, dizendo que formamos um exército de manicures", diz Marília. Hoje são dezenas de cursos, que englobam qualificação profissional, empreendedorismo, arte, cultura e cidadania, sempre buscando a geração de renda e o aumento da auto-estima da comunidade.
Outra particularidade do trabalho da ACB é que a maioria dos educadores que trabalham nas oficinas faz parte da própria comunidade. "Já é a terceira geração de famílias que foram atendidas por nós", conta Marília. A entidade também tenta atender às demandas da população. Para Ingrid Souza, coordenadora do núcleo de Cidade Alta, nos casos de qualificação profissional nem sempre é possível atender a essas demandas. "Muitos nos pedem profissionalização para torneiro mecânico, por exemplo, mas não há oferta de emprego nesse setor no Rio de Janeiro", diz ela. Marília afirma que "é um caminho de duas vias: tanto a comunidade como a entidade propõem atividades".
A afirmação e valorização da identidade negra é outra prática corrente nas capacitações. No Projeto Fazendo a Cabeça, por exemplo, há uma especialização em cabelo e maquiagem afro. Ao mesmo tempo, as mulheres assistem a vídeos relacionados à questão de gênero e são atendidas por educadores. Na Maré foi criado o Buffet Mareação, que se especializou em comida africana – a comunidade angolana tem forte presença no local.
A instituição também participa de projetos do governo federal. Ela é a entidade-âncora do Consórcio Social da Juventude do Rio de Janeiro – que faz parte do Programa de Estímulo ao Primeiro Emprego –, onde coordena nove organizações que oferecem qualificação profissional a jovens em situação de risco social.
Para Ingrid, as atividades da Ação Comunitária do Brasil vêm produzindo mudanças. "A principal transformação que vemos é um grande aumento da auto-estima das pessoas, principalmente das mulheres", diz Ingrid. São realizadas periodicamente avaliações quantitativas e qualitativas. O projeto Ação Família, que conta com assistentes sociais, psicólogos e pedagogos, acompanha o comportamento e os projetos de vida das pessoas atendidas. "Nós não podemos melhorar completamente a qualidade de vida das pessoas, pois não temos como substituir o Estado, mas podemos dar oportunidades e lhes ensinar a lutar pelos seus direitos" afirma Marília.
Giuliano Djahjah Bonorandi