Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Participação nas decisões, educação e solidariedade são algumas das características das cooperativas, forma de organização de trabalhadores cada vez mais comum no país. Oferecendo novas opções de emprego a quem está em busca de trabalho, o cooperativismo mostra força e provoca mudanças de mentalidade. Mas também é acusado de precarizar relações trabalhistas, razão pela qual o governo se mantém atento ao desenvolvimento dessas entidades.
De acordo com a legislação brasileira, cooperativas são associações de pelo menos 20 trabalhadores que vivem em regime colaborativo em vez de serem submetidos a uma hierarquia. Para que isso ocorra, a aquisição de cotas deve ser limitada, a fim de que uma pessoa não compre participações em demasia a ponto de suas decisões se sobreporem às demais. É preciso também que haja assembléias e que todo o lucro das atividades seja revertido para a própria cooperativa ou distribuído entre os associados. Outro ponto importante é a inexistência de relações de trabalho. Quando uma pessoa se associa a uma cooperativa, não pode ser demitida.
De acordo com dados da Organização Brasileira de Cooperativas (OCB), em dezembro de 2003 existiam no país 7.355 cooperativas, cujo número de associados chegava a 5,7 milhões de pessoas. Outras 182 mil eram empregadas das associações, não sendo, portanto, parte da entidade. O estado com mais associações de cooperados é o Rio de Janeiro, com 1.201, seguido por São Paulo, com mil. Mas as entidades paulistas são maiores: possuem 2,2 milhões de associados, contra 213 mil das fluminenses. Atuando desde a agricultura até a prestação de serviços em grandes cidades, as cooperativas responderam, em 2003, por 6% do Produto Interno Bruto brasileiro e exportaram pouco mais de US$ 1 bilhão.
Uma pesquisa feita pelo Ibase a pedido da Associação de Trabalhadores em Empresas Autogestionadas (Anteag) mostra que os benefícios das cooperativas vão além do campo econômico e agradam os associados. “São ganhos subjetivos, simbólicos, relativos à cooperação/participação”, afirma o relatório. Denominada “Autogestão em avaliação”, a pesquisa foi feita com 367 trabalhadores de 16 empresas e cooperativas: 13 no Rio Grande do Sul, duas no Rio de Janeiro e uma em Pernambuco, em 2001. Seu lançamento acontece no próximo dia 25, durante o XI Encontro da Anteag, em São Paulo.
Os dados mostram pragmatismo em relação ao que os levou a participar de uma empresa autogestionada ou cooperativa. A maioria, 60%, diz estar ali pela alternativa de emprego e 22,5% pela expectativa de crescimento e de ganhos futuros. “É o retrato da busca pela sobrevivência frente ao desemprego”, analisa Luigi Varando, assessor técnico da Anteag. Para ele, ainda há a ilusão de que, ao formar uma cooperativa, o trabalhador terá um grande ganho salarial. “Existem muitas dificuldades até chegar a esse estágio. Já vi muitas entidades quebrarem antes de darem lucro”, alerta.
Apesar do ceticismo, a pesquisa revela que 75% dos trabalhadores preferem ser cooperados a empregados. Isso porque, segundo 41% deles, “a empresa é do trabalhador, trabalha-se para si mesmo e não para o patrão”. A segunda resposta mais freqüente (23%) sobre quais seriam as vantagens de trabalhar em uma cooperativa foi a possibilidade de participar da tomada de decisões. Ambas as respostas, na opinião de Varando, escondem uma angústia com o risco de avaliar erradamente situações. “É uma preocupação a mais na cabeça da pessoa”. Ainda assim, 72% dizem não trocar essa forma de trabalho por um emprego com carteira assinada, mesmo que o salário seja igual.
A mudança na mentalidade dos associados é evidente. Antes de entrarem para as cooperativas, apenas 39% dos entrevistados se interessavam em participar do processo de administração da empresa. O percentual sobe para 67% depois de um tempo trabalhando em entidades associativas. Além disso, 63% dizem ter percebido mudanças no comportamento pessoal depois de começarem a trabalhar em cooperativas. As alterações mais comuns foram o aumento da tranqüilidade e a melhoria do humor (19% das respostas), seguidas de perto por uma sensação de maior responsabilidade (18%) e solidariedade (16%). Aspectos negativos pouco apareceram. Apenas 0,65% disse trabalhar mais na cooperativa e 4% reclamam de maior desgaste físico.
Apesar dessas mudanças, ressalta Varando, são muitos os obstáculos para se montar uma cooperativa, mesmo não havendo grandes entraves burocráticos. “Ainda falta cultura de organização trabalhista no país”, afirma. Segundo o assessor da Anteag, é fácil saber quando uma cooperativa vai dar certo. “Basta ver o histórico de luta na empresa ou na região”. Para ele, se antes de uma empresa falir e sua gestão ser assumida pelos trabalhadores havia sindicatos fortes ou ao menos reivindicações coletivas, o sucesso das cooperativas é quase certo. Por outro lado, diz, se não havia antes espírito de união, fica muito difícil conseguir montar a estrutura necessária para a cooperativa obter sucesso. Outro problema apontado por ele é a inexperiência dos trabalhadores em assuntos ligados à administração da empresa ou associação. “Há diversos cursos voltados para gestão de cooperativas, mas alguns têm foco na verticalização, o que acho negativo, por ser contrário ao princípio do associativismo”.
Um dos cursos existentes é oferecido pelo Programa Nacional de Incubadoras Populares (Proninc), lançado em 1994, desativado e relançado no ano passado. Ele é gerido por universidades e centros de pesquisa federais, que oferecem cursos a diversas associações. A primeira cooperativa a se beneficiar de suas atividades foi a de Trabalhadores Autônomos do Complexo de Manguinhos (Cootram), que presta serviços à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), localizada perto da comunidade de Manguinhos, na zona norte do Rio.
Criada oficialmente no fim daquele ano, mas organizada desde 92, a Cootram recebeu capacitação técnica tanto de administração quanto de produção. Hoje ela tem 1,1 mil associados trabalhando para a fundação de pesquisas do governo federal, com o qual possui um convênio. A atuação da cooperativa vai da limpeza do edifício da Fiocruz até a produção de fraldas e bolsas em fábricas autogestionadas. “Foi algo que juntou a comunidade e a academia em nome do emprego e da melhoria de vida de uma região empobrecida”, diz Gilberto da Silva, presidente da Cootram. A administração da cooperativa é feita por um grupo de associados que mostraram interesse em participar e que receberam treinamento. São eles os organizadores das reuniões mensais, quando, nas palavras do presidente, “toda roupa suja é lavada”.
A história de Gilberto é um exemplo de como uma cooperativa pode dar certo. Desde pequeno trabalhava na oficina de carros do pai, na própria comunidade de Manguinhos. Diz que várias vezes foi chamado a trabalhar no tráfico de drogas, “o caminho mais lucrativo de quem vive naquela situação”, mas se tornou líder comunitário e, em seguida, o primeiro vice-presidente da cooperativa. “Para mim, era algo bem estranho, mas o trabalho que fazemos aqui não é para ‘inglês ver’. Já socializamos diversas pessoas”. Gilberto foi eleito para a presidência no fim do ano passado.
Governo
O governo só há pouco começou passou a olhar com mais atenção para as cooperativas. Em julho de 2003 foi criada a Secretaria Nacional de Economia Solidária. O órgão está fazendo um levantamento nacional sobre a quantidade de cooperativas e sua atuação. O estudo deve ficar pronto no fim do ano.
Outro órgão que também está fazendo levantamentos é o Departamento Nacional de Apoio a Cooperativas (Denacoop), do Ministério da Agricultura, que iniciou pesquisa sobre cooperativas em meados de 2003. Segundo a assessoria do Denacoop, o estudo deve ficar pronto também no fim deste ano. Voltado para iniciativas do campo, o departamento coordena os programas de Desenvolvimento de Pequenas Cooperativas e de Promoção e Divulgação da Prática do Cooperativismo, entre outros. De acordo com os dados da OCB, existem 1.519 cooperativas agrícolas, às quais estão associadas 940 mil pessoas. Sua importância é grande em algumas culturas. Ainda segundo a OCB, 62% da produção de trigo e 44% da de cevada são de responsabilidade de cooperativas, assim como 30% da soja e 40% do leite.
Já o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome destinará R$ 6 milhões para incubadoras populares escolhidas pelos 40 recém-criados Consórcios de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local (Consads), órgãos que reúnem governos municipais e pequenos produtores. A execução dessa verba será feita pelas universidades ligadas ao Proninc. Cada associação participante do Consad passará por 18 meses de treinamento em técnicas de comercialização, marketing e de capacitação em aspectos jurídicos e contábeis, transferência de tecnologia de produção e gestão administrativa, até se tornarem auto-sustentáveis e gerenciáveis.
Para o secretário nacional de Segurança Alimentar, José Baccarin, o apoio às incubadoras populares é uma forma de alavancar a economia solidária. “Estamos criando alternativas para a inclusão social e econômica de comunidades carentes. O cooperativismo é o melhor caminho para a geração de emprego e renda”.
O otimismo, entretanto, precisa ser visto com cautela. O próprio Ministério do Trabalho e do Emprego adverte que há distorções no mercado de cooperativas. Muitas não passam de fachadas para a precarização das condições de trabalho. “São as 'coopergatos'”, brinca Luigi Varando, que critica a excessiva liberdade concedida pela legislação.
O Manual de Cooperativas do ministério pede atenção a alguns pontos básicos para distinguir as “boas” das “más” associações. As boas devem oferecer serviços e benefícios, ter aumento nos ganhos, indiscriminação dos prestadores de serviços (nenhum cooperado deve ser beneficiado com mais serviço que outro) e criar identidade profissional. Ou seja, uma mesma cooperativa não pode oferecer serviços médicos e também de mão-de-obra para limpeza, por exemplo. Mas o próprio órgão reconhece dificuldades em verificar esses pontos. A Anteag, por sua vez, orienta seus associados a sempre contribuírem para o INSS, para não perderem seus direitos trabalhistas – nem sempre assegurados pelas entidades de que fazem parte.
Uma solução para esses problemas pode ser o Balanço Social de Cooperativas lançado recentemente pelo Ibase. Ele oferece um instrumento para tornar públicas e mais transparentes as ações internas e externas das entidades, bem como para avaliar o desempenho cooperativo.
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