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Reciclando esperanças

Autor original: Viviane Gomes

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor





Reciclando esperanças


Única de uma região que envolve cinco comunidades vizinhas - São Pedro, São Paulo, Jardim Primavera, Nazaré e Vale das Palmeiras, no município de Camaragibe (PE) - e atende 38 crianças em horário integral, a creche-escola Reciclando Esperanças tem voltado todos os seus esforços para a ampliação da sua estrutura. O objetivo é receber mais crianças e oferecer outras atividades para a garotada. E, quem sabe, iniciar uma horta no terreno acidentado nos fundos da casa, o que poderia resolver parte das dificuldades que a instituição vem encontrando para fornecer quatro refeições diárias aos pequenos pernambucanos.

É o crescimento populacional do município - que possui 120 mil habitantes - que torna a continuidade e a ampliação da creche-escola uma prioridade. “O projeto foi desenvolvido pela necessidade”, diz Maria da Silva Lima, vice-presidente do Conselho de Moradores de São Pedro e São Paulo - entidadade que abriga a creche - e coordenadora das atividades educacionais. E a necessidade é gerada pelo trabalho, mesmo sendo informal, que as mães da região deixam de realizar porque a localidade não possui uma estrutura pública de creche para receber seus filhos.


No salão da sede do Conselho, acontecem reuniões comunitárias, encontros de agentes de saúde e do grupo de reabilitação. Além disso, o espaço também é aproveitado para recreação infantil. Há uma oficina de costura onde são feitos reparos de roupas e calçados e confeccionados brinquedos. Duas salas são destinadas a atividades educacionais. Há também um escovódromo – construção baixa que consiste numa longa pia de alvenaria e várias torneiras para higiene bucal das crianças – e dois banheiros, com tampos adaptados para os meninos e as meninas. Na despensa estão os mantimentos doados por comerciantes locais, recebidos em campanhas de arrecadação ou simplesmente enviados por pessoas dispostas a contribuir para a continuidade da creche-escola Reciclando Esperanças.


Em 2003, a entidade fez um convênio com o projeto Brotar, da Secretaria de Educação do Município. Os termos do convênio estabeleciam que a instituição poderia matricular crianças de quatro a seis anos e que receberia pela prestação do serviço capacitação para os monitores, ajuda de custo para reformas estruturais necessárias e, ainda, auxílio para a merenda. “Só que a coisa não aconteceu dessa forma. No ano passado, o projeto foi muito bem. Mas este ano veio com muitas mudanças. A gente passou a ter que receber crianças mais novas, de dois a cinco anos”, explica a vice-presidente.


Dona Maria [é assim que a dirigente é conhecida na comunidade] conta que as melhorias oferecidas pela prefeitura são necessárias. Por isso o Conselho manteve o convênio, aceitando o desafio de trabalhar com crianças a partir de dois anos. Entretanto, no meio da renovação do contrato com a prefeitura, o Conselho recebeu uma carta do governo federal informando que a entidade tinha direito a receber uma complementação à merenda escolar no valor de R$ 0,13 por criança. “A gente aceitou a complementação do governo federal, mas imaginou que a prefeitura manteria a merenda para a creche porque o governo federal só faz a complementação da merenda para a escola - e não para a creche. A escola tem que fazer no mínimo duas refeições e a creche tem que ter mais, porque as crianças ficam aqui o dia todo.”


A má prestação do serviço de entrega da merenda escolar por parte da prefeitura é outra dificuldade que a Associação enfrenta. “Quando a prefeitura entrega os produtos vem um papel escrito que tem 15 quilos de galinha, mas só recebemos quatro frangos. E quando a gente descongela não consegue fazer nem um almoço. Temos que fazer uma canja. Por mais criatividade que a gente tenha não consegue, porque, por exemplo, 60% ou 70% dos tomates chegam podres. Mas nós temos que receber assim mesmo, porque se não a gente não aceitar, não recebemos as outras coisas que vêm junto”, denuncia.


Dona Maria diz que já reclamou, mas as queixas que fez não surtiram efeito. De acordo com ela, a prefeitura não repõe o alimento que não pode ser consumido, quando recebe as reclamações. A dirigente conta também que os produtos não são entregues na data marcada e que o Conselho não recebe água mineral. “A água daqui não presta não. Já pedimos água mineral e eles ficaram de verificar a possibilidade de mandar. Pedimos, então, para eles construírem um poço porque aqui embaixo tem um manancial de água mineral. Mas eles não vêm”.


A creche-escola está em funcionamento desde o início do ano e até agora o Conselho não recebeu nenhum dos recursos prometidos pela prefeitura. “Estamos no meio do ano e não sei como vamos fazer para chegarmos até o final”, desabafa Dona Maria.


Enquanto a população das comunidades aguarda uma solução para que o projeto da creche-escola Reciclando Esperanças continue e seja ampliado, o Conselho prossegue com criatividade. “O dinheiro que recebemos é pouco, mas aqui a gente dá um jeito de fazer as coisas. A gente compra a farinha de trigo e faz o pão”, diz otimista. Foi com essa mentalidade que o Conselho passou a adotar a culinária alternativa. Na cozinha da instituição, casca da banana vira alimento e o bagaço do caju, que dá o suco, se transforma em sobremesa. Com um pacote de carne de soja, a entidade alimenta mais de trinta alunos. “A gente mistura, faz bolinhos, faz almôndegas. É assim que a gente consegue fazer a merenda da creche”, revela Dona Maria.


“Aqui só vai para o lixo o que não tem mais jeito de ser aproveitado”


Esse é o lema de uma instituição que montou uma oficina com máquinas doadas e emprestadas para confeccionar almofadas e alguns dos brinquedos das crianças da creche-escola. Na sala de costura, roupas e sapatos doados são reformados e depois vendidos em bazares, gerando renda para que a organização continue suas atividades. Materiais como garrafas PET e lacres de latas de cereais ou achocolatados são reciclados; são recortados, colados e recebem pintura para se transformarem nos brinquedos que fazem a alegria das crianças do local. Dona Maria diz que, apesar das dificuldades, gosta muito de trabalhar com materiais reutilizáveis. Ela diz que dessa forma tem a oportunidade de reciclar também o estado de espírito da comunidade atendida, transformando desânimo em esperança.


Viviane Gomes

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