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Abertura a vaias e aplausos

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets





Abertura a vaias e aplausos


Accountability. A palavra é estranha, mas aos poucos começa a ser conhecida no terceiro setor brasileiro. Segundo o dicionário Oxford, significa “responsabilidade da qual se deve prestar contas”. O uso feito dela, contudo, vai um pouco além da simples contabilidade. Passa pelos números, como também pela divulgação de resultados e pela análise de aspectos sociais de uma organização, como a diferença de salários, o número de mulheres e pessoas negras em cargos de chefia, entre outros aspectos. Enfim, tudo o que as organizações da sociedade civil cobram do setor privado, mas agora em relação a si próprias. Em português, o termo utilizado tem sido “balanço social”. Apesar de cada vez mais comum entre grandes empresas, ele ainda é pouco utilizado por ONGs. Para especialistas, o problema é cultural.

Accountability é dar transparência às ações, algo como ‘dar satisfação’ ao público em geral sobre o que se está fazendo”, explica a consultora Anna Cynthia Oliveira. “A idéia não é medir o sucesso do trabalho de uma organização, mas reportar, abrir as portas para que todos saibam como ela está funcionando”.

As entidades do terceiro setor já são obrigadas por lei a prestar contas a seus financiadores e até a passar por auditorias, caso sejam Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips) com orçamento superior a R$ 600 mil anuais. Outras precisam publicar relatório de atividades. Em geral, isso só acontece com as que possuem títulos ou certificados concedidos pelo governo.

Se uma instituição for de Utilidade Pública federal, por exemplo, a Secretaria Nacional de Justiça precisa ser informada de suas contas. Já as filantrópicas devem prestar contas anuais ao Conselho Nacional de Assistência Social, enquanto as Oscips necessitam deixar disponíveis a qualquer cidadão suas demonstrações financeiras e seus relatórios de atividades, bem como seus registros, livros e recibos.

Isso, no entanto, é insuficiente, pois não mostra o lado social das organizações, como elas funcionam por dentro. O Ibase lançou, no ano passado, um modelo voltado para entidades do terceiro setor do balanço social que empresas publicam desde 1997. Porém somente o próprio Ibase o publicou. “É um modelo bem simples e mesmo assim não tem sido adotado”, constata Oliveira.

O formulário pode ser usado por qualquer entidade do terceiro setor – de instituições de ensino a fundações, passando por ONGs. Ele foi inspirado na versão direcionada às empresas, existente desde 1997. As informações pedidas são: origem de recursos, como eles foram aplicados (projetos, salários, impostos) e indicadores sociais internos, ou seja, os benefícios dados aos funcionários, como creche, segurança etc. Além disso, lista projetos e indicadores de igualdade de oportunidades, como a proporção entre mulheres e homens, quantidade de pessoas com deficiência, idade média dos ocupantes de cargos de chefia, entre outras informações. Há ainda itens a serem preenchidos informando a qualificação dos funcionários e seu processo de admissão.

Baixa adesão

A baixa adesão ao balanço é creditada por Cláudia Mansur, pesquisadora de Responsabilidade Social e Ética do Ibase, à cultura das ONGs brasileiras. “Elas já trabalham com o social, por isso muitas questionam a necessidade de fazer um ‘balanço social’. É preciso mudar esse comportamento e se abrir”. A opinião é compartilhada por Taciana Gouveia, diretora de desenvolvimento institucional da Associação Brasileira de ONGs (Abong). Ela concorda que falta abertura às organizações brasileiras, mas afirma que a Abong está discutindo orientações para estimular suas associadas a adotarem a divulgação de sua accountability. “As ONGs já atuam no campo social, mas precisam mostrar quem são. Ainda falta cultura política para dar conhecimento de suas atividades aos outros. Mas nada será obrigatório”, diz.

Para Cynthia Oliveira, um fator influente no pequeno número de entidades tornando públicas suas informações é o passado autoritário do Brasil. "Por causa dele, hoje temos medo de publicizar dados, pois eles podem ser utilizados para controle pelo Estado", opina. Contudo acredita não haver mais fundamento para esse temor. "Não podemos fugir da discussão, caso contrário haverá ainda mais burocracia e tentativas de controle".

Segundo Mansur, outro ponto que colabora para a ausência das organizações no balanço social é a pequena divulgação feita pelo Ibase junto às entidades. “Não temos autoridade para cobrar de ninguém como fazemos com as empresas. De qualquer forma, o processo é lento mesmo”, diz Mansur.

O balanço social empresarial começou com apenas quatro adesões. Hoje são 168. Há ainda um problema legal: ONGs, fundações e entidades filantrópicas estão inseridas na mesma legislação, o que gera confusão e falta de orientações específicas para cada uma delas. “Isso tudo forma uma trama ainda mais complexa de problemas que precisam ser resolvidos por um novo marco legal do terceiro setor”, afirma Taciana Gouveia.

Modelos

O modelo do Ibase, apesar de bem visto, não é considerado ideal. Nem mesmo pela própria organização. “O balanço não é fechado, é um assunto que nunca se esgota depois de muita discussão”, diz Mansur. Ela lembra que ao longo de sete anos o modelo empresarial já foi modificado quatro vezes, como resultado de críticas e debates com os empresários. Taciana afirma que é preciso detalhar um pouco mais a execução dos projetos, avaliando-os de acordo com seus objetivos.

O detalhamento de atividades é característico de modelos voltados para o setor empresarial. Há alguns no exterior, como o holandês GRI – que se propõe a ser mundial e pede até a mensuração de gases poluentes emitidos por companhias do setor químico, por exemplo. A diretora da Abong, contudo, não vê nisso um fator que afaste ainda mais as organizações da responsabilidade social. “O detalhamento dificulta, mas não afasta. Vai ser preciso ter alguém para se dedicar a isso”, diz. O GRI foi lançado no Brasil há pouco mais de um mês pelo Instituo Ethos.

Outros países estão desenvolvendo modelos que se propõem globais. A organização inglesa AccountAbility está desenvolvendo o Access, cujo objetivo é “aumentar significativamente a qualidade e a quantidade do investimento social”. O processo de construção é aberto e pode ser acompanhado na página da organização [veja link ao lado]. Nos EUA, a prestação de contas é obrigatória. Para facilitar o acesso a essas informações foi criada uma página na Internet, a GuideStar [veja link ao lado], contendo todos esses dados desde 1994. O acesso a alguns bancos de dados é restrito a assinantes.

A transparência das atividades não é a única vantagem de publicar um balanço social. A accountability de uma organização também é levada em consideração por financiadores. “È fundamental”, afirma Ana Toni, representante da Fundação Ford no Brasil, que apóia o Balanço Social do Ibase. Toni lembra a existência de desconfiança em relação ao terceiro setor para dizer que “quanto mais publicizarem os balanços, menos suspeitas recairão sobre as ONGs”.

Além disso, há o lado político, que pode ser melhor aproveitado. “O balanço social serve para as entidades se pensarem politicamente, pois cobram igualdade de gênero nas grandes empresas, mas às vezes não a aplicam internamente”, diz Gouveia. Esse risco de se mostrar existe, mas é necessário para conseguir mais confiança e transparência. “Quando alguém coloca o rosto à mostra, fica sujeito a vaia e aplauso”, lembra Mansur.

Marcelo Medeiros

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