Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
![]() Luis Felipe sobre ilustração de Ken Perkins | ![]() |
O Brasil está preso à lógica dos grandes investidores internacionais, cuja especulação financeira impede o pleno desenvolvimento do país. É o que pensam os idealizadores da campanha “Liberdade Brasil”, cujos objetivos são gerar discussões sobre o atual modelo econômico do país e levar ao Congresso Nacional, até setembro do ano que vem, um projeto de lei de iniciativa popular que crie mecanismos de controle para o fluxo de capitais. A campanha será lançada oficialmente no Dia da Independência, 7 de setembro, durante o Grito dos Excluídos 2004.
“Achamos que com o atual modelo econômico o Brasil não é independente. Precisamos de uma nação soberana, em que o povo escolha o que é melhor para si”, diz o Padre Luiz Bassegio, secretário do Grito dos Excluídos e assessor da Pastoral Social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Entre as entidades organizadoras da campanha estão, além da CNBB, a Ação pela Tributação das Transações Financeiras em Apoio ao Cidadão (Attac-Brasil), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal (Unafisco).
A campanha debaterá os rumos da economia em debates realizados em núcleos estaduais que serão formados ainda neste mês. A partir do dia 7 de setembro começam a funcionar cursos de “formação de formadores” para que informações sobre a importância dessa discussão sejam difundidas. Em seguida será redigido um projeto de lei consensual aos participantes das oficinas e dos debates. O lançamento do projeto está marcado para o próximo Fórum Social Mundial, que acontece em Porto Alegre (RS), em janeiro.
A partir daí começará um trabalho de mobilização popular em conjunto com outras campanhas, como a que se opõe à Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e a que defende o cancelamento da dívida externa. O objetivo é coletar 1,2 milhão de assinaturas espalhadas por pelos menos cinco estados – necessárias para apresentar um PL de iniciativa popular. “Utilizaremos toda a capilaridade das atividades do Grito dos Excluídos para atingir essa meta”, diz Bassegio.
A idéia é espalhar cartazes por várias cidades do país e transmitir informações por intermédio de meios de comunicação alternativos, como rádios comunitárias e jornais populares. “Nossa inspiração foram os plebiscitos que outras campanhas de sucesso já realizaram, como o que perguntou se deveríamos pagar a dívida externa. Mas dessa vez o esforço será maior”, lembra o jornalista Antônio Martins, um dos coordenadores da campanha e membro da Attac-Brasil. Isso porque para apresentar o PL é necessário anexar ao texto, além das assinaturas, os números do título de eleitor dos cidadãos. Até hoje, apenas três projetos de iniciativa popular foram apresentados ao Congresso. Dois foram transformados em lei. Outra dificuldade apontada pelo jornalista é tornar esse assunto menos complexo. “Vamos mostrar como a questão é muito mais prática do que teórica”, promete. O objetivo é colocar o PL na pauta do Congresso no Dia da Independência de 2005.
Martins acredita no sucesso da campanha por causa da agenda de mobilizações populares do próximo ano. Em abril, por exemplo, haverá o Tribunal do Modelo Econômico. “Esse tipo de evento vai trazer o tema da dependência do capital externo e volátil à tona”, espera.
Capital financeiro
O Brasil depende do capital financeiro para fechar suas contas, pois atualmente há mais despesas do que receitas. Só em 2003, o déficit foi de US$ 14,159 bilhões, algo em torno de 45 bilhões de reais, o equivalente a 2,87% do Produto Interno Bruto (PIB – soma de tudo o que foi produzido no país durante o ano). Isso apesar de o saldo da balança comercial ter atingido US$ 18,53 bilhões. Em 2004, só até junho, o déficit chega a US$ 8,46 bilhões, o que representa 3,54% do PIB. Esse prejuízo é diminuído em parte pelas exportações, mas também pelos investimentos em títulos remunerados pela taxa de juros, imposta pelo Banco Central. Quanto mais alta a taxa, maiores os ganhos dos investidores. Por outro lado, a dívida também cresce de acordo com os juros cobrados. A vantagem do capital financeiro é sua rapidez de obtenção e volume, as mesmas características que o tornam desvantajoso. Se algum investimento no exterior se tornar melhor ou a situação brasileira parecer instável, ele pode facilmente sair do país.
A campanha deseja impor limites a essa liberdade, pois ela pode ser usada para especular, ou seja, manipular o mercado para obter mais lucros. O modelo de controle, contudo, ainda não foi decidido. Mas todos concordam que a solução é criar um sistema próprio, em vez de copiar um modelo estrangeiro. “Precisamos estabelecer algum tipo de controle, pois o fluxo de capitais está cada vez mais desregulamentado. É uma política temerária, que já mostrou seu poder de gerar crises econômicas”, afirma Maria Lúcia Fatorelli, presidente do Unafisco e coordenadora da Campanha pela Auditoria da Dívida Externa.
“Não há um modelo ideal. Precisamos estudar os existentes e adaptá-los à nossa realidade”, diz o economista Marcos Arruda, da ONG Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs). Ambos afirmam ser necessário limitar a liberdade dos investimentos no mercado financeiro para aumentar os investimentos em produtividade e geração de empregos. Mas ressaltam que a intenção não é pôr fim aos investimentos na bolsa e em títulos. “As finanças são muito importantes para o desenvolvimento, são como se fossem vigas que sustentam um telhado. Não podem ser descartadas, mas precisam ser bem colocadas”, compara Arruda.
Formas de controle
Os controles de capital são mais comuns do que parecem. O sexto artigo do estatuto do Fundo Monetário Internacional afirma que os países “podem impor os controles necessários para regular os movimentos de capitais”. E, apesar das receitas geralmente contrárias a isso, é o que acontece com a maioria dos associados do FMI. Um levantamento da entidade relativo a 2002 mostra que dos 186 países que fazem parte da entidade apenas dez não possuem nenhum tipo de controle.
Há duas formas de regular o mercado de capitais. Um controla a entrada de investimentos e o outro, a saída. O primeiro é utilizado preventivamente, enquanto o segundo é aplicado em casos de crise financeira. Entre os países em desenvolvimento, o Chile e a China se destacaram pela seleção de investimentos na entrada, ao passo que a Malásia superou a crise financeira que atingiu vários países da Ásia em 1997 impondo limites à saída de capital no país. A Malásia sempre é citada como exemplo da utilidade dos controles, pois, apesar das críticas feitas às medidas tomadas pelo governo, entre elas a proibição à repatriação de aplicações estrangeiras por 12 meses, foi uma das nações que menos sofreram os efeitos da crise que contagiou boa parte dos países em desenvolvimento. Ela afetou o Brasil em 1999, quando houve uma súbita desvalorização do real em relação ao dólar e grande fuga de capitais. “O dinheiro foge porque não há controle”, opina Maria Lúcia Fatorelli.
Os instrumentos de controle são basicamente de dois tipos. O administrativo, também chamado de controle direto, impõe limites de prazo de permanência aos investimentos ou de valores. É o caso do Chile, que, ainda no governo Pinochet, obrigou parte das aplicações financeiras feitas no país a permanecerem por lá durante um tempo mínimo. E também da China. “Ela oferece condições de valorização, mas não escandalosas como acontece aqui”, argumenta Antônio Martins.
O controle precificado (ou indireto), por sua vez, não coloca obstáculos. Mas desencoraja a entrada de capitais que podem sair rapidamente do país ao impor taxas, aumentar o custo das transações ou obrigar parte do investimento a ficar em algum fundo cujo lucro demore mais para ser atingido.
Marcos Arruda lembra que a campanha já será bem sucedida se conseguir rediscutir o modelo econômico adotado no país. O economista acredita que a imposição de mecanismos de controle não deve afastar o capital financeiro do país, pois ainda há muito a ganhar. “A economia brasileira é gigantesca, tem muito a oferecer. Controles não vão afugentar, mas forçar uma adaptação. Num primeiro momento, apenas os capitais voláteis sairiam, mas, caso haja perspectiva de lucros, voltariam rapidamente, apenas sob regras”.
Quem quiser participar da campanha pode enviar mensagem para gritoexcluidos@uol.com.br. Em breve haverá mais divulgação de debates e grupos de discussão sobre o assunto que ajudarão a construir o projeto de lei. A página da campanha está sendo finalizada.
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