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Remédios para a América Latina e o Caribe

Autor original: Marcelo Medeiros

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Remédios para a América Latina e o Caribe


Uma campanha pelo acesso a medicamentos essenciais está sendo preparada por organizações brasileiras e da América Latina e do Caribe. A iniciativa será lançada só no Fórum Social Mundial, que acontece em janeiro em Porto Alegre, mas o trabalho já começou. A idéia é mobilizar entidades caribenhas e de todo o continente latino-americano para pressionar os governos a quebrarem patentes de remédios utilizados no tratamento de doenças graves como a Aids e a malária. Atualmente o custo dos produtos é muito elevado, o que dificulta a democratização de seu uso.

“Nossa estratégia é chegar ao Fórum articulados”, afirma Solange Rocha, da ONG SOS Corpo, uma das entidades já comprometidas com a campanha. Além dela, participam no Brasil a Articulação Um Mundo, Uma Luta, composta pela Gestos (PE) e os Grupos de Apoio e Proteção a Aids (Gapa) do Rio Grande do Sul e São Paulo. Já há envolvimento de outras entidades no Peru, México, Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile. “As ações ainda serão programadas. Até o fim de setembro o calendário deve estar pronto”, prevê Solange Rocha.

A princípio a campanha seguirá dois caminhos. Um será a formalização de um pedido judicial de quebra de patentes no Brasil, país que tem chamado a atenção mundial para o alto custo dos remédios contra a Aids. Desde 1998 o governo brasileiro tem buscado reduzir o preço de medicamentos por meio de negociações com as farmacêuticas e em instâncias internacionais como a Organização Mundial do Comércio. O outro rumo será promover o acesso de outros países ao tratamento contra a Aids e outras doenças cujo tratamento também é caro.

Ambos pretendem mostrar como as regras de livre comércio estariam prejudicando os países em desenvolvimento. “Isto constitui uma ameaça ao direito à saúde na medida em que nações inteiras se encontram impedidas de ter acesso a produtos essenciais à preservação da saúde e da vida”, afirma o manifesto lançado pelas entidades no Fórum Social Américas, quando foi anunciada a campanha.

Tratamento

Segundo a Agência das Nações Unidas para a Aids (Unaids), seis milhões de pessoas que vivem em países em desenvolvimento precisam de tratamento para combater o HIV. Entretanto, apenas 430 mil conseguiram ser tratadas adequadamente. Isso é explicado pelo alto custo dos medicamentos, que, devido a negociações com governos, começam a baixar. De acordo com dados da Organização Pan-americana de Saúde os preços dos remédios comprados pelos Estados caíram até 54% de 2001 para 2002. “O percentual de diminuição varia de acordo com o peso político e industrial de cada país”, lembra José Carlos Veloso, diretor do Gapa-SP.

Foram analisadas duas combinações de medicamentos, as mais comuns no tratamento em 14 países, entre eles o Brasil. Uma, composta por doses de 3TC, AZT e NVP, teve uma redução de 25% no preço. Em valores reais, de US$ 3.701 para US$ 2.746. Outro coquetel, combinação de 3TC, AZT e NVP, registrou queda de 54%. Em média, os governos compravam o conjunto por US$ US$ 5.506 em 2001. No ano seguinte, custou US$ 2.499. Os valores são relativos ao tratamento anual. O Estado brasileiro sempre pagou o menor preço, na região. O primeiro coquetel custava US$ 1.401 em 2001. Em 2002, o valor passou para US$ 635, redução de 45%. O segundo caiu de US$ 1.416 para 1.306, ou 8%. A maior redução, contudo, foi registrada no Haiti. De uma média de gastos de US$ 12.568, conseguiu pagar US$ 1.484 em 2002.

O grande desconto obtido pelo Haiti é justificado por Veloso por programas que alguns laboratórios desenvolvem. “Algumas empresas farmacêuticas cobram menos de países em sérias dificuldades, mas ninguém conhece seus critérios. Há risco permanente de a ajuda acabar”. Por isso, insiste, “os esforços da campanha serão concentrados nos governos, que devem estimular a produção de genéricos”.

Os medicamentos de combate à Aids e outros utilizados no combate a doenças como malária, são registrados por grandes empresas multinacionais. O alto preço é justificado pela falta de compradores a um preço satisfatório e pela ausência de concorrência. Muitos países não possuem condições de pagar remédios que não são consumidos na Europa ou EUA, pois nesses locais não há doenças tropicais - ou outras, típicas da América Latina ou Caribe, já foram erradicadas. As empresas, contudo, não autorizam a produção local. E nos países onde não há concorrência de medicamentos genéricos, os preços são mantidos altos.

Em 2001, a OMC reconheceu o direito de países em desenvolvimento de quebrar patentes de remédios em casos de emergência. O acordo de propriedade intelectual conhecido como Trips, assinado na “rodada de Doha”, prevê a possibilidade de produção interna de medicamentos registrados por meio de autorização governamental (os genéricos - remédios de mesma fórmula, mas sem marca) ou sua importação de produtores de genéricos.

A Aids no mundo

A Unaids estima em dois milhões o número de pessoas infectadas no continente. Só em 2003, 250 mil foram contaminadas e outros 120 mil faleceram em decorrência dos problemas causados pelo vírus. Em números absolutos, apesar de ser o país mais populoso da região, o Brasil não registra o maior número de casos. Até hoje o Programa Nacional de Aids registrou 310 mil. O Haiti é o mais atingido. Não há números exatos, mas a Unaids calcula que 5,6% da população do país esteja infectada, o equivalente a aproximadamente 380 mil pessoas. Em algumas regiões, o percentual é ainda maior. O noroeste apresenta índices próximos a 13% da população contaminada. No país caribenho houve 35 mil mortos em decorrência da Aids em 2003 e 52 mil novos casos.


Dados da Organização Pan-Americana de Saúde indicam que a incidência de HIV em mulheres grávidas é de pelo menos 2% em seis países: Bahamas, Belize, Guiana, Haiti, República Dominicana e Trinidad e Tobago. Ainda de acordo com a Unaids, o problema é maior entre homens que fazem sexo com homens. Na Argentina, o percentual de infectados nesse grupo é de 24% e em Bogotá, na Colômbia, 18%.

No mundo existem 37,8 milhões de pessoas convivendo com o HIV. No ano passado foram registrados 4,8 milhões de casos e 2,9 milhões morreram. Esses números tornaram a Aids a causa mais comum de morte entre adultos com menos de 60 anos, segundo a Organização Mundial de Saúde.



Marcelo Medeiros

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