Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Artigos de opinião
Pronunciamento do conselheiro José Antonio Moroni na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), em 4 de agosto de 2004.
José Antônio Moroni*
Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; Ministro Jaques Wagner; Ministra Dilma Rousseff; demais ministros, conselheiros, conselheiras e demais participantes.
Inicialmente, gostaria de deixar claro o lugar do qual estou falando. Como é do conhecimento de todos e todas, sou um conselheiro ligado diretamente às ONGs e aos movimentos sociais, que atuam no sentido de fortalecer os processos democráticos, portanto, da luta pela eliminação de todas as formas de desigualdades, discriminações, preconceitos e pela distribuição das riquezas. Falo do lugar das pessoas que acreditam que um outro Brasil ainda é possível. É deste lugar que falo, logo, é deste mesmo lugar que vou fazer uma pequena análise do chamado "novo modelo do setor elétrico brasileiro", apresentado pela Ministra Dilma.
Em primeiro lugar, gostaria de destacar o aspecto positivo do "novo modelo" que é o fato de o Estado voltar a ser o agente do planejamento energético, tanto na definição dos objetivos como das diretrizes para a expansão do sistema no médio e longo prazos, horizontes não considerados pelo mercado. Outro aspecto positivo na proposta do "novo modelo" diz respeito à transparência do processo do planejamento, tornando públicos os critérios, os procedimentos e os documentos que embasam os estudos de viabilidade técnica, energética, econômica e ambiental dos empreendimentos. Ao mesmo tempo em que reconhecemos o avanço que é o Estado retornar ao seu papel no planejamento, chamamos a atenção para a baixa execução orçamentária, até o momento, das ações voltadas para o planejamento do sistema – como mostram os dados da Câmara dos Deputados, divulgados em 9de julho. Vale ressaltar, aqui, a dificuldade em se obter informações do processo de execução orçamentária, fornecidas pelo Poder Executivo. As informações que se obtém, quando se obtém, são genéricas, não dando condições para o controle social.
Mas a participação da sociedade civil brasileira no planejamento do setor elétrico não pode se restringir às audiências públicas, onde os estudos são apenas apresentados e discutidos, sem nenhum mecanismo que garanta que as discussões serão processadas nas tomadas de decisões governamentais. A efetiva participação cidadã deve encontrar espaços públicos institucionais que possibilitem condições adequadas de interlocução no desenho, na gestão e na avaliação das políticas energéticas, assim como nas demais.
Outro aspecto diz respeito ao equilíbrio que deve ter a participação entre os diferentes atores sociais que atuam no tema energia. A interlocução do governo deve ser equilibrada, não podendo privilegiar os chamados agentes do setor, que são as empresas de geração, transmissão, distribuição, comercialização e os(as) grandes consumidores(as). Até o presente momento, a ação governamental tem privilegiado a interlocução com esses atores, deixando um espaço subalterno para os sindicatos, movimentos sociais e organizações que trabalham com o tema ou que são diretamente atingidos(as) pelas políticas, como, por exemplo, na construção das grandes obras. É necessário ouvir e realmente levar em conta o que diz a população que é diretamente atingida por estas obras.
Um estudo que poderia ser feito é sobre a transformação do atual Conselho Nacional de Política Energética neste espaço público institucional, com equilíbrio na participação entre os diferentes atores – governamentais, agentes do setor, movimentos, organizações, consumidores domésticos e populações atingidas pelas obras.
Outro aspecto que gostaria de comentar diz respeito à universalização do acesso de todos os domicílios rurais e urbanos à eletrificação, em condições adequadas de segurança e confiabilidade. Embora o programa "Luz para Todos", lançado em 2003, identifique 12 milhões de brasileiros(as) excluídos(as) dos benefícios da energia elétrica, dados do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Fboms) informam que este número chega a 17,6 milhões de habitantes, pois a fonte usada pelo governo é a PNAD/IBGE que não computa algumas áreas, como, por exemplo, a área rural da Amazônia. Portanto, ainda temos o desafio de universalizar o acesso, mas com qualidade e segurança, o que não será resolvido apenas pela extensão da rede de distribuição. Para alcançarmos a universalização é necessário pensar o atendimento em localidades isoladas, não servidas pela rede elétrica convencional. É necessário também pensar fontes alternativas e sustentáveis socioambientalmente.
Outro aspecto é a questão da matriz energética. A avaliação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) é que o chamado "novo modelo" não aponta para a mudança da matriz energética, que continua baseada na construção de grandes barragens. Dados do MAB apontam a existência de 2.000 barragens no Brasil, alagando uma área de 34 mil km2 e desalojando mais de 300 mil famílias. Dados do mesmo movimento apontam que a cada cem famílias deslocadas, 70 não recebem nenhum tipo de indenização. Atualmente, 50 grandes barragens se encontram em construção e, para os próximos três anos, estão projetadas mais 70 grandes barragens. Não há informações oficiais de estudos para quantificar os números de famílias que serão desalojadas. Isto nos preocupa e muito. Conforme o MAB, serão mais de cem mil famílias.
Apesar de definir como diretriz “proporcionar tarifas módicas aos consumidores de energia”, a política abusiva e injusta de reajustes não é alterada pelo "novo modelo", que diz: "fica mantida a atual metodologia de cálculo tarifário dos distribuidores, utilizada pela Aneel". Um dos mecanismos usados é a indexação das tarifas ao IGP-M/ FGV (Índice Geral de Preços do Mercado), que tem forte correlação com o dólar. Seria mais justo seguir o índice de reajuste salarial ou de ganho real dos trabalhadores.
Gostaria de apresentar algumas propostas que foram estudadas e formuladas pelos movimentos sociais e organizações que atuam com o tema energia e defesa do consumidor:
- A atenção ao gerenciamento pelo lado da demanda não pode se limitar a ações pontuais, restritas à substituição de equipamentos eletrodomésticos mais eficientes e à mudança dos hábitos de consumo. É preciso atingir os(as) chamados(as) grandes consumidores(as).
- Sobre a redução das perdas no sistema elétrico: no Brasil a média é de 15% de perdas, sendo que o padrão internacional é de 6%. Poderíamos ter um acréscimo de mais de 6.500 MW.
- Sobre a construção de pequenas centrais hidrelétricas: segundo dados de 2000 da Eletrobrás, temos um potencial de gerar 9.800 MW com a construção de 942 pequenas usinas.
- Sobre a geração de energia com base na biomassa: estima-se a produção de 18.000 MW.
- Sobre a geração de energia Eólica: o potencial é de 143.000 MW.
- Sobre a geração de energia solar: O potencial de geração é praticamente incalculável, conforme diversos estudiosos.Sobre a repotenciação de usinas com mais de 20 anos: gostaria de dar um destaque a esta proposta. A repotenciação considera todas as obras que visem a gerar ganho de potência e de rendimento por meio da eficiência da geração energética e o estado de seus componentes mais importantes. De acordo com um estudo da WWF-Brasil (a ser publicado até o final deste ano), a perspectiva de repotenciação no Brasil, de usinas hidrelétricas com mais de 20 anos, compreende um total de 34.374,70 MW. Fabricantes de equipamentos estimam que o custo do KW gerado por meio da repotenciação varia entre R$ 200 e R$ 600,00, o que significa um potencial de negócio, nesta área, que pode atingir a R$ 4,6 bilhões, considerando a repotenciação de 7.600 MW. Barato, se for levado em conta que o planejamento indicativo do Ministério de Minas e Energia estima serem necessários perto de R$ 8 bilhões por ano para expandir a capacidade brasileira em 4.600 MW. O custo é menor se comparado à construção de novas usinas, que absorvem 60% dos investimentos somente em obras civis, e a repotenciação tem ainda a vantagem de ser obra de curto prazo de execução e baixo ou nenhum impacto ambiental. Além das vantagens descritas, a repotenciação representa uma oportunidade de negócios para o Brasil, já que poderíamos criar uma “vantagem comparativa” na prestação de serviços e passar a exportá-la para países com usinas hidrelétricas. Isso geraria divisas para o país, além de incentivar a qualificação técnica da força de trabalho.
Para nós, a questão do respeito ao meio ambiente e às populações atingidas pelas obras deve ser a base do que chamamos de um "novo modelo" do setor elétrico. Na verdade, o que está no centro da discussão do "novo modelo" do setor energético é a concepção de modelo de desenvolvimento, ou seja, de uma sociedade sustentável. Não entendemos o desenvolvimento como o mero crescimento do Produto Interno Bruto ou como o sonho de chegarmos ao patamar de consumo do Primeiro Mundo. Crescimento no Brasil não gera maior igualdade, pelo contrário, gera mais desigualdades. Crescer no Brasil, sem mexer nos mecanismos de concentração de riquezas, significa aprofundar as desigualdades. Queremos uma sociedade sustentável em todos os aspectos não só para nós, mas para as futuras gerações.
Entendemos que o "novo modelo" do setor elétrico não pode servir apenas às metas de crescimento econômico e à inserção do nosso país na globalização econômica, mas, sobretudo, à promoção da segurança energética, à universalização do acesso e do uso racional dos recursos energéticos com sustentabilidade social e ambiental. Neste sentido, a promoção das tarifas módicas, os planos de repotenciação e a redução das perdas na transmissão deveriam ser prioritários, assim como o gerenciamento pelo lado da demanda do "novo modelo", com mecanismos públicos institucionais de controle social. Só assim acreditamos que realmente estaremos construindo um novo Brasil.
Obrigado.
* José Antônio Moroni é diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), membro do Colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
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