Autor original: Marcelo Medeiros
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Poucos sabem, mas em 28 de agosto será comemorado o Dia da Liberdade de Software. Esta será a primeira vez em que se celebra a possibilidade de qualquer um alterar o código-fonte de um programa. Se a mobilização que grupos de diversos paises estão organizando der certo, a data dará muito o que falar. Estão sendo programados eventos e apresentações musicais na Europa e também no Brasil.
A idéia surgiu informalmente, da troca de mensagens entre programadores e o dia foi escolhido aleatoriamente. Quem explica é Henrik Omma, um norueguês doutorando em astrofísica teórica de Oxford, Inglaterra. Omma passou a utilizar softwares livres de código aberto para fazer simulações das teorias que estuda em computador. Gostou da filosofia e passou a ser grande defensor dela, a ponto de atrapalhar sua leitura. “Já teria terminado meu doutorado se não estivesse tão envolvido com software livre”, brinca. Para ele, a discussão é importante, sobretudo neste momento em que muito se fala que os programas de código aberto estariam infringindo patentes. Recentemente a prefeitura de Munique, terceira maior cidade da Alemanha, suspendeu o que seria a maior migração de sistemas operacionais da história. Mais 14 mil máquinas, entre computadores pessoais e servidores, trocariam o Windows por uma versão de Linux. A decisão foi tomada por precaução frente aos alertas dados sobre a possibilidade de processos.
“Percebi a necessidade de um marketing melhor”, diz Omma. Desconhecedor da atuação brasileira no que diz respeito ao tema software livre, ele preferiu não responder perguntas relativas ao Brasil. “Infelizmente não conheço a realidade daí para comentar”, lamentou. Por outro lado, comenta aspectos importantes da briga que os códigos abertos representam hoje.
Rets - Qual a importância de celebrar a liberdade dos softwares?
Henrik Omma - Vem ocorrendo um intenso desenvolvimento no mundo do software livre e de código-fonte aberto, com projetos como Linux, Mozilla e OpenOffice começando a brilhar, mas também tem havido um foco negativo em função do caso SCO, que agora parece estar próximo de uma solução, e a eterna sensação de dúvida, incerteza e medo em relação à Microsoft. Sentimos que era tempo de marcar posição, celebrar tudo que conquistamos até aqui e estimular o ingresso de novos membros na comunidade.
De certa forma, estamos prestando um serviço ao informar as pessoas sobre as alternativas que existem, mesmo que seja apenas para que elas troquem o Internet Explorer e o Outlook pelo Firefox e pelo Thunderbird. Isso, pelo menos, servirá para reduzir a possibilidade de seus computadores serem infectados por vírus. Também podemos ajudar escolas e governos a reduzirem seus custos.
Rets – Como está sendo organizada a comemoração?
Henrik Omma - De maneira bastante informal, uma vez que as equipes podem agir de forma autônoma. Mas estamos tentando oferecer materiais de apoio. Há uma variedade e tanto de atividades pelo mundo afora que vão desde seminários e InstallFests [nome dado a eventos que promovem a instalação de softwares livres] até festas e shows de música. Estou ansioso para ver os relatórios e as fotos de tudo que vai acontecer. No aspecto técnico, nos organizamos online com um wiki [ferramenta colaborativa cujo conteúdo pode ser editado por qualquer pessoa], um fórum, listas de discussão e correio eletrônico.
Estamos satisfeitos com o interesse crescente já manifestado por mais de 40 cidades em 25 países.
Rets – Por que foi escolhido o dia 28 de agosto?
Henrik Omma - A idéia era escolher um único dia em que a gente pudesse concentrar as atenções de todo o mundo sobre os softwares livres e de código aberto, de maneira que fosse possível ter um impacto maior. A escolha do dia não tem tanta importância. Começamos a pensar nisso em fevereiro e escolhemos uma data que nos desse tempo suficiente para preparar tudo, uma data em que o clima pudesse estar agradável na maior parte do mundo e que caísse em um dia em que as pessoas estivessem mais disponíveis – 28 de agosto cai num sábado. Por isso talvez a gente não faça as comemorações do próximo ano em 28 de agosto, mas provavelmente será no último sábado do mês. Algumas equipes estarão desenvolvendo atividades nos dias 26 e 27 ou ao longo da semana seguinte, o que também não é problema.
Rets – Empresas de grande porte como a Sun e a IBM, que antes adotavam o software proprietário, passaram a usar software livre em suas máquinas. A que você atribui isso?
Henrik Omma - Custo, qualidade e estratégia de longo prazo. Uma empresa como a IBM já percebeu que com um investimento relativamente pequeno em programas de código-fonte aberto ela terá softwares que tornarão os seus produtos ainda mais atraentes aos consumidores. Eles compreenderam que não teriam tanta força dentro do campo de software proprietário e que o lucro seria insuficiente. A curto prazo, para eles, talvez seja mais fácil adquirir soluções proprietárias, mas agindo assim só estariam fortalecendo a posição dos produtores de software e perpetuando monopólios. Isso somente os prejudicaria mais tarde e os levaria a aumentar os preços e perder o controle da qualidade ou da disponibilidade dos seus produtos. Claro que apoiar o desenvolvimento de softwares de código-fonte aberto também significa apoiar diretamente a concorrência, que pode usar esse mesmo software em seus equipamentos, mas creio que eles consideram esse o menor dos males. Já que decidiram usar programas abertos, não é difícil entender por que também investem em desenvolvimento. Há muitas e boas razões pra isso. Primeiramente, eles de fato precisam ter desenvolvedores competentes e com bom conhecimento do software, para resolver problemas rapidamente e alterar o código conforme suas próprias necessidades. Também é útil em termos de marketing, pois são empresas conhecidas por sua excelência no setor de tecnologia e seus consumidores tendem a crer que elas podem atuar em vários campos com a mesma eficiência.
Rets – Recentemente, a prefeitura de Munique, terceira maior cidade da Alemanha, suspendeu o que seria uma das maiores migrações de todos os tempos do sistema operacional Windows para o Linux. A razão alegada foi o possível desrespeito do Linux a algumas patentes, o que poderia acarretar problemas legais à municipalidade por conta de direitos autorais. Como vê esse caso? Linux e outros softwares livres violariam patentes?
Henrik Omma - Essa história tem sido muito mal contada pela imprensa. Esse caso foi levantado por membros do Partido Verde que na verdade são advogados do movimento pelo software livre, num esforço para chamar a atenção das pessoas para os perigos das patentes de software. Não foi realmente uma tentativa de interromper o processo de migração – agora, é claro que se pode questionar a inteligência dessa estratégia. As últimas notícias dão conta de que o processo está seguindo adiante, embora tenha sofrido um atraso de duas semanas. As patentes podem criar grandes obstáculos para o software livre no futuro e é dever dos cidadãos dizer aos seus governos que não precisamos desse tipo de legislação. Principalmente na Europa e na América Latina – e na maioria dos países, à exceção dos Estados Unidos e do Japão -, onde poucas empresas detêm a maior parte das patentes.
Rets - Por falar em patentes, a disputa entre a SCO e a IBM pode ser o início de uma “guerra de patentes”? Quais seriam as conseqüências para as iniciativas de software livre caso a SCO vença?
Henrik Omma - Conheço bem o assunto e vou comentá-lo, mas o que estou falando não é necessariamente a opinião de todos os envolvidos com o Dia da Liberdade de Software. Nós focamos nas mensagens positivas do software livre e de código-fonte aberto e não entramos em problemas mais profundos da política.
O caso SCO sempre foi incômodo. Há muito barulho, mas não representa tanto perigo para os softwares livres e de código aberto. Se a SCO já produziu algum código passível de ser infringido, seria algo pequeno e fácil de ser substituído. Faria o desenvolvimento de Linux regredir no máximo seis meses. Empresas que ficaram preocupadas durante esse tempo poderiam ter mudado a qualquer momento para BSD [Berkeley System Distribution – denominação de um tipo de sistema operacional livre, como OpenBSD, NetBSD e FreeBSD], onde o desenvolvimento poderia continuar sempre. Muitos dos grandes projetos, como OpenOffice e Mozilla ou KDE [ambiente gráfico] e Gnome [outro ambiente gráfico], são plataformas independentes e não seriam muito afetadas.
Se a SCO perde, eles desaparecem na hora. Agora, se conseguem uma vitória parcial, pegarão dinheiro da IBM, o que os permitiria seguir por mais alguns anos, mas o uso de Unix em PCs não existe mais. Eles simplesmente não têm os recursos de desenvolvimento para se igualar ao Linux e ao BSD. É um assunto marginal e, agora, também um velho assunto.
Por outro lado, as patentes são um assunto à parte e muito mais sério. Empresas de software proprietário estão perdendo constantemente a batalha técnica – e a dos preços também. As empresas geralmente não gostam de perder mercado e, portanto, podemos esperar que elas usem quaisquer meios a seu dispor para frear a competição.
Elas ainda possuem melhor marketing e marcas mais conhecidas, mas não parecem satisfeitas com isso. Ferramentas legais sempre foram usadas e devemos esperar que sejam aplicadas com toda a força.
Outras pessoas escreveram colunas gigantescas sobre o perigo que as patentes representam para os softwares de código aberto, por isso vou resumir dizendo que até mesmo uma simples ameaça de processo de uma grande corporação seria suficiente para acabar com a maioria dos projetos.
A ameaça mais imediata é a interoperabilidade. A Microsoft já patenteou seu novo formato de arquivo para o MS-Office, mas o formato, em si, não é muito importante. A questão é que eles podem usar essa patente combinada com o seu predomínio no mercado para fechar concorrentes. Podem oferecer filtros para outros construtores de software em troca de uma pequena taxa ou licenciá-la sob uma licença sem custo incompatível com código aberto. Isso significaria que OpenOffice, Koffice e Abiword não seriam mais capazes de ler ou abrir arquivos do MS-Office. E quando eles não puderem trocar arquivos com o produto dominante, esses programas não terão mais uso para a maioria das pessoas.
A Microsoft costuma dizer que apóia as patentes para proteger sua “propriedade intelectual”, o que soa razoável para a maior parte das pessoas (é propriedade deles, logo devem poder protegê-la, certo?). Fazendo isso, estão juntando diversos conceitos, como direito autoral, marca registrada e patentes, sendo que só a última é afetada pela lei de patentes. Direito autoral é algo que todo autor ou programador automaticamente possui por todo trabalho que criou, incluindo software livre. Uma patente, por outro lado, abrange não um trabalho específico, mas uma idéia geral, e ela deve se ajustar a isso. Essas empresas perceberam agora que não conseguirão dominar o mercado global com leis de patente apenas nos EUA e por isso estão fazendo o possível para introduzi-las em todos os lugares.
Rets – Como é possível disseminar ainda mais o software livre?
Henrik Omma - Ultimamente, tem sido disseminado de forma bastante eficaz, pela Internet, mas apenas para um público restrito: gente com conexão em banda larga e algum conhecimento sobre software livre. Com este projeto, estamos tentando ampliar essa disseminação. O custo de um CD, hoje, é baixo e existem muitos voluntários, em todo o mundo, dispostos a distribuí-los e explicar às pessoas as vantagens do software livre. Neste primeiro ano, estamos plantando uma semente. Estamos usando nosso próprio dinheiro para comprar materiais, pedindo às equipes locais que comprem CDs regraváveis, gravem e distribuam os programas. Queremos apenas provar que isso pode ser feito e que existe lá fora uma grande necessidade, mas também um grande entusiasmo.
Se tivermos sucesso, começaremos a procurar patrocínio para o próximo ano. A quantia necessária para produzir algumas centenas de milhares de CDs para distribuição mundial está perfeitamente ao alcance dos departamentos de marketing das principais empresas adeptas do software livre, principalmente se a distribuição for feita por voluntários. Estamos bastante satisfeitos com o material reunido neste ano, mas ainda é possível melhorar.
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