Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Para muita gente os Jogos Olímpicos de Atenas não acabam no dia 29 de agosto. Vinte dias depois, em 19 de setembro, quatro mil atletas entrarão no Estádio Olímpico da capital grega para a cerimônia de abertura da décima-terceira edição das Paraolimpíadas, o segundo maior evento esportivo do mundo. Entre eles, 99 brasileiros, que formam a maior delegação da história do país, cuja expectativa é ganhar muitas medalhas, pois alguns são campeões mundiais. Independentemente do resultado, porém, todos já podem ser considerados vencedores, pois mostram que ter uma deficiência não é empecilho para nada. A única reclamação que fazem é em relação à falta de apoio.
O Brasil competirá em 13 dos 19 esportes e em muitos deles a chance de subir ao pódio é grande. A maior delegação será a de natação, com 21 esportistas. As menores, de hipismo, ciclismo e esgrima, todas com apenas um competidor. Entre as prováveis bem-sucedidas estão as equipes de judô e de futebol de sete (para pessoas com paralisia cerebral). No campo, a seleção brasileira é a atual vice-campeã mundial e campeã pan-americana. No tatame, dos sete atletas, dois são medalhistas olímpicos - Tenório da Silva e Divino Dinato - e uma é campeã mundial - Karla Cardoso. Além deles, outros quatro atletas entrarão no tatame.
“Somos uma equipe forte e unida”, diz Tenório, a grande esperança brasileira no judô. Nas duas últimas paraolimpíadas, ele ganhou medalha de ouro, mas hoje prefere deixar o favoritismo de lado. “Não acho digno alguém se dizer favorito. Tenho que trabalhar”. Sua desconfiança se deve à mudança de categoria. Pela primeira vez ele lutará entre os meio-pesados, uma categoria acima da qual costumava competir.
Tenório diz não ser exemplo para ninguém, mas seu esforço precisa ser reconhecido. Começou a praticar judô aos sete anos e aos 13 perdeu parcialmente sua visão. Aos 19, ficou completamente cego. Pouco tempo depois, em 1993, aos 23 anos, conheceu a modalidade paraolìmpica do esporte e voltou a praticá-lo. Hoje, aos 33, afirma: “o esporte é a melhor forma de inserção social. Ele nos abre portas”.
Seu colega de tatame Divino Dinato, 30, diz que desde que começou a praticar judô, aos 20 anos, sua vida teve uma importante guinada. “Era muito estourado. Agora tenho mais respeito em relação aos outros, sou disciplinado e faço o que gosto”.
Outro que afirma ter melhorado de vida com a prática esportiva é Luciano Rocha, 25, goleiro da seleção de futebol de sete. “Hoje, depois de entrar na seleção, me sinto muito valorizado. Antes só me chamavam pra jogar se eu ficasse no gol, pois não tinha habilidade. Ou então quando era dono da bola”, brinca. Assim como Tenório, Luciano acredita que o esporte mudou sua vida, apesar de ainda precisar trabalhar para se manter. “Já falo que sou atleta profissional quando perguntam o que faço. Quando teria oportunidade de ir para o exterior?”. Quando não está treinando, ele presta serviços para a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro.
Seu colega de equipe Marcos Ferreira, 26, um dos mais experientes do time, por já ter participado de duas paraolimpíadas, concorda. “Todos os atletas já sofreram com o preconceito, mas hoje nem ligamos mais para isso, pois provamos do que somos capazes”, comemora.
Virada
O esporte oferece a oportunidade de viajar pelo mundo, conhecer novas culturas e se interessar pelo estudo. Quem diz é o preparador físico da seleção de futebol de sete, Marcel Maciel. “Tornar-se esportista é uma grande virada na vida de todos eles”, afirma. Maciel lembra que alguns ex-atletas atualmente possuem bons empregos devido às oportunidades dadas pelo esporte.
“Mas não são todos”, ressalta. Ele afirma que os problemas dos esportistas tradicionais são os mesmos dos que possuem algum tipo de deficiência. “Alguns voltam de um mundial ou de uma Olimpíada cheios de si, achando que aquele bom resultado é suficiente para se manter no topo pelo resto da vida”. A maior parte dos atletas é de origem pobre e não conta com muito apoio - nem financeiro, nem psicológico. Por isso em todas equipes há psicólogos para auxiliar na preparação para os Jogos.
Apoio
Quanto ao aspecto financeiro, a reclamação é geral, apesar dos esforços do governo para auxiliar os atletas. Todos os selecionados para Atenas recebem, desde que foram feitas as seletivas, uma bolsa-atleta no valor de R$ 750. O benefício será concedido até dezembro. “Para quem não ganhava nada, até ajuda, mas não dá para se manter”, afirma Jean Rodrigues, 22, também da seleção de futebol de sete. Como ele, seus companheiros têm atividades paralelas ou recebem outros tipos de ajuda. Como, por exemplo, o prêmio pela boa colocação em Sidney, quando ficaram em terceiro lugar. O dinheiro foi dividido entre os atletas. Como daquela vez, o CPB ofereceu bônus pela conquista de medalha.
A equipe de judô critica o tempo de concessão da bolsa. “Não dá pra fazer nenhum planejamento a longo prazo”, lamenta Divino, que cita o caso de Tenório: apesar das duas medalhas de ouro conquistadas até hoje, não conseguiu patrocínio estável. “Na verdade, minha situação piorou depois da primeira medalha”, revela o campeão. Ele conta que após a Olimpíada de Atlanta seu patrocinador cancelou o contrato. Só conseguiu outro dois anos depois. “Se com ele aconteceu isso, imagina conosco”, compara Karla Cardoso, campeã mundial da categoria até 48kg, que vai para sua primeira Paraolimpíada.
Os dirigentes concordam que há dificuldades, mas fazem ressalvas. O presidente da Associação Brasileira de Desporto em Cadeira de Rodas (Abradecar), Siraldo Reis, diz ser necessário reconhecer os esforços do Estado, que inseriu o Comitê Paraolímpico Brasileiro entre os beneficiários da Lei Pelé e da Lei Agnelo Piva, que destina recursos da loteria para federações paraolìmpicas. Por outro lado, acredita que, em comparação com outros países, a verba ainda é pequena.
Em 2003, CPB recebeu
R$ 10,1 milhões de repasse das loterias administradas pela Caixa Econômica Federal. O valor é 17% maior do que o do ano anterior, quando R$ 8,6 milhões foram repassados. Até junho deste ano o CPB recebeu R$ 5,9 milhões. “Na Espanha, há uma loteria voltada para o esporte paraolímpico que repassa US$ 300 milhões por ano para o comitê de lá. Quando há financiamento, vemos resultados”. O presidente do CPB, Vital Severino Neto, concorda: “Os custos são enormes e crescentes; os recursos, muito menores do que a necessidade para a realização dos nossos programas de consolidação do esporte paraolímpico no Brasil”.
A situação pode melhorar a partir das próximas competições. Em 9 de julho o presidente Lula sancionou a lei que cria a bolsa-atleta, cujo repasse mensal vai variar de R$ 300, para estudantes, a R$ 2,5 mil, para atletas olímpicos e paraolimpícos. Atletas de nível nacional receberão R$ 750 e os de nível internacional, R$ 1,5 mil.
Visibilidade
Reis lembra também que não basta apoio estatal. “As empresas precisam abrir o olho. O esporte para pessoas com deficiência é um ótimo instrumento de marketing. Ainda não somos vistos como alvo de investimentos, mas sim de ajuda”, reclama. De acordo com ele, são poucas as companhias que investem de forma permanente no esporte. “Posso contar nos dedos os patrocinadores”. A delegação brasileira é apoiada por sete empresas que, além de dinheiro, fornecem material e assistência médica para os atletas.
“Eu diria que falta, fundamentalmente, visibilidade. Ninguém ama aquilo que não conhece”, afirma Vital Severino Neto, presidente do CPB. A reclamação do dirigente é a mesma dos atletas, que dizem sentir falta da cobertura da mídia. “A população só vai saber que existe paraolimpíada se ganharmos uma medalha. Se isso acontecer, talvez haja algum flash na TV”, lamenta o judoca Divino.
Os dirigentes acreditam que um grande mercado está sendo deixado de lado. De acordo com o Censo de 2000, existem no Brasil 24,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência - a maioria, visual. Esse número representa aproximadamente 15% da população.
Preparação
Apesar das dificuldades, a preparação das equipes vai bem. Todas têm se reunido desde o começo do ano para treinos conjuntos entre atletas de diferente estados. A de judô inovou. Preparou-se junto com alguns atletas que foram para a Olimpíada, entre eles o medalha de bronze Flávio Canto. “Judô é treino, os atletas precisam pegar no quimono um do outro para melhorar. E treinar com alguém melhor que você só colabora para isso. Para os paraolìmpicos, é ótimo estar com alguém que um tempo depois ganhou uma medalha. Eles percebem que são atletas de alto nível como os demais. A integração é fantástica”, diz o coordenador técnico Walter Russo.
O treinamento dos atletas com deficiência é semelhante ao dos profissionais, sobretudo na véspera de uma Paraolimpíada. São pelo menos seis horas de fortes treinos físicos e técnicos por dia, além de muita conversa para diminuir a ansiedade causada pelos Jogos. De acordo com a modalidade, há adaptação. No futebol de sete, por exemplo, a carga de treinamento dada aos atletas equivale a 70% da dos profissionais e é feito um trabalho de fortalecimento muscular na perna atrofiada pela paralisia. “De resto, o treino é igual”, diz o coordenador técnico Ubiratan Fonseca.
A força e a seriedade da preparação fazem com que a expectativa do CPB em relação à conquista de medalhas seja boa. Na última Paraolimpíada, o Brasil levou 64 competidores, que ganharam 22 medalhas (seis de ouro, dez de prata e seis de bronze). “Não será surpresa nenhuma superarmos o sucesso de Sydney”, avisa Vital Neto.
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