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Organizações e movimentos sociais denunciam inércia do governo contra violência na Amazônia

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original:

Ananindeua, 20 de agosto de 2004

Carta aberta

Na floresta tem direitos
Justiça ambiental na Amazônia já!

As redes e entidades participantes da Oficina de Justiça Ambiental e Desmatamento na Amazônia, realizada no Centro Educacional Sagrada Família, em Ananindeua (PA), entre os dias 17 e 20 de agosto de 2004, dos estados do Amapá, Pará, Maranhão, Tocantins, Amazonas, Rondônia e Acre, vêm manifestar sua grande preocupação quanto à falta de ações efetivas dos poderes públicos municipais, estaduais e federal, frente à violação constante e sistemática dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais e, que se dissemina por todos os estados da Amazônia Legal Brasileira.

As/Os brasileiras/os que vivem na Amazônia sofrem, no dia a dia, as conseqüências da ausência e da fragilidade do poder público e, muitas vezes, com sua conivência com as injustiças. Isto se reflete na falta de garantia mínima de direitos a saúde, educação, moradia, acesso a terra, segurança, entre outros, requisitos básicos para lhes conferir a condição de cidadãs/ãos. Estas/es brasileiras/os ficam expostos à violência expressa em suas mais diferentes facetas.

Nos dois últimos anos, foram desmatadas na Amazônia áreas superiores 4,7 milhões de hectares de florestas e áreas de cerrado entre 1,2 e 3,0 milhões de hectares são destruídas anualmente. Projeções recentes indicam que a taxa de desmatamento na Amazônia para o período 2003/2004 seja igual ou até mesmo superior ao identificado nos dois períodos anteriores.

A dinâmica do desmatamento na região hoje se deve à expansão desordenada da pecuária e do monocultivo da soja, à grilagem de terras públicas, à exploração ilegal e predatória de madeira, à mineração, aos grandes projetos de infra-estrutura, à política de incentivos à exportação, à biopirataria e ao desrespeito das decisões judiciais e pela ausência do poder público. Neste processo, milhares de comunidades, principalmente, as tradicionais (ribeirinhos, extrativistas, pescadores artesanais etc.), assim como povos indígenas, quilombolas e agricultores familiares sofrem com a destruição dos recursos naturais e acabam forçados a sair ou são expulsos de suas terras, florestas e rios. Sem condições de fazerem frente a este processo, são violentadas em seus direitos, e ficam sujeitas a ameaças e violência contra a sua integridade física. São obrigadas a deixar suas áreas de origem, onde seu potencial econômico é e foi historicamente marginalizado pela ausência de políticas públicas, e vão engrossar as fileiras de miséria nas áreas urbanas da Amazônia.

Uma parte dos poderes judiciários e do Ministério Público estadual e federal é um dos grandes responsáveis por este processo, pois freqüentemente não julgam e nem punem os culpados pelas mais terríveis atrocidades contra o ser humano e o meio ambiente, caracterizando a total falta de justiça social e ambiental em diversas localidades da Amazônia brasileira. Em muitos casos, o poder judiciário se coloca à disposição servil dos agentes que destroem a natureza e o futuro das populações amazônicas, assim como esbulham e dilapidam o patrimônio público natural e financeiro. Inúmeros processos já estabelecidos de reconhecimento do direito à terra para estas populações, são vetados por autoridades do poder judiciário, favorecendo o agravamento desta realidade.

Em março de 2003, a sociedade civil organizada (Organizações Não-Governamentais, Movimentos Sociais, Comunidades Locais etc.), através da publicação do Relatório Brasileiro sobre Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais, Capítulo I – Direitos Humanos ao Meio Ambiente – Relatório da Missão ao Pará, do Projeto Relatores de Direitos Humanos da Plataforma Brasileira DHESC (Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais), denunciou diversas violações graves de direitos humanos relacionados à destruição do patrimônio natural na Amazônia, fazendo recomendações aos seguintes órgãos: Ministério do Meio Ambiente, Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Ministérios Públicos Estadual e Federal, IBAMA, INCRA, ITERPA, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do Estado do Pará, Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará, e Polícias Civil, Militar e Federal e Tribunal de Justiça do Estado.

Além das instituições brasileiras, o relatório foi também encaminhado a entidades internacionais, como a Organização das Nações Unidas e à Organização dos Estados Americanos.

A partir das recomendações, foi possível monitorar o processo de implementações de medidas e ações. Em junho de 2004, foram encaminhados ofícios aos mesmos órgãos públicos, a fim de solicitar informações sobre as ações implementadas. Apenas o Ministério do Meio Ambiente, os Ministérios Públicos Estadual e Federal e a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará responderam ao ofício. Diante do silêncio da maioria das instituições, efetuou-se convite para uma Audiência Pública, que seria realizada na Assembléia Legislativa do Estado do Pará, abrindo a possibilidade para que prestassem contas à sociedade civil.

No dia 18 de agosto de 2004, realizou-se, então, a Audiência Pública “Justiça Ambiental na Amazônia”, na Assembléia Legislativa do Estado do Pará, em Belém, a fim de informar à sociedade civil sobre as ações implementadas para resolução dos problemas e os resultados obtidos. Foram encaminhados convites aos seguintes órgãos: Ministérios Públicos Estadual e Federal, Tribunal de Justiça do Estado, IBAMA, INCRA, ADA, ITERPA, SECTAM, Delegacia de Meio Ambiente/SEGUP, Assembléia Legislativa do Estado do Pará. Compareceram à audiência apenas representantes do IBAMA, INCRA, ITERPA e Assembléia Legislativa do Estado do Pará. Representantes de 43 redes e entidades da sociedade civil, dos estados do Amapá, Pará, Maranhão, Tocantins, Amazonas, Rondônia e Acre, estiveram presentes à Audiência Pública.

As ações dos órgãos governamentais às recomendações do relatório da Plataforma DHESC, expressas nas respostas aos ofícios e nas apresentações de seus poucos representantes presentes ao evento citado, demonstraram a inoperância do poder público no encaminhamento de ações efetivas para a solução dos sérios conflitos narrados no Relatório da Plataforma DHESC, o desrespeito a brasileiras/os atinge pelo avanço da destruição do meio ambiente na Amazônia e a falta de vontade política para atender às demandas da sociedade civil que busca defender os interesses coletivos e difusos.

As entidades reunidas na Oficina de Justiça Ambiental e Desmatamento na Amazônia vêm, pois, reafirmar mais uma vez as recomendações contidas no Relatório da Plataforma DHESC e na Carta aberta do GTA – Desenvolvimento Local na Amazônia (anexas a esta) e solicitar às autoridades federais e estaduais a efetivação de:

1) Investigação, apuração e efetiva punição imediata sobre a ação de agentes públicos dos poderes executivo, legislativo e judiciário vinculadas à violação de direitos humanos, sociais, ambientais, econômicos e culturais, que facilitam a grilagem de terras e a destruição do patrimônio natural, que possibilitam o recrudescimento da violência contra os povos da Amazônia, que impedem o avanço da reforma agrária e do estabelecimento de áreas protegidas, terras indígenas e áreas quilombolas.

2) Imediata conclusão dos inquéritos e julgamento dos processos sobre grilagem de terras públicas e violência no campo, que se arrastam nas justiças federal e estaduais.

3) Implantação de Varas Agrárias e Ambientais e Ouvidorias autônomas nas regiões de conflito, com a nomeação de Juizes Titulares, Promotores e Delegados, além de garantir a estrutura física, administrativa e financeira necessária para o funcionamento eficiente das mesmas.

4) Fortalecimento do Ministério Público, com recursos humanos, materiais e financeiros, e garantia de sua independência e autonomia para investigação das irregularidades identificadas em órgãos públicos federais, estaduais e municipais, com o indeferimento do recurso pede anulação processual nos casos em que o Ministério Público atue como órgão investigador, que tramita no Supremo Tribunal Federal.

5) Aprovação por parte do congresso nacional da proposta de emenda constitucional que expropria as propriedades onde são identificados trabalhadores sob regime escravo, para fins de reforma agrária, antes do processo transitar em julgado.

6) Elaboração de Proposta de Emenda Constitucional, e encaminhamento ao Congresso Nacional, para a incorporação ao patrimônio público das áreas acima de 2500 hectares onde o desmatamento ilegal supere 50 % do autorizado pelos órgãos ambientais.

7) Reestruturação do sistema de autuações de infrações e de penalidades aos crimes sociais e ambientais, possibilitando o rito sumário na aplicação das multas e demais penalidades.

8) Destinação imediata de toda da madeira e equipamentos apreendidos em operações de fiscalização dos órgãos ambientais aos projetos de desenvolvimento sócio-ambientais das entidades do movimento social e às comunidades atingidas pelos crimes cometidos pelos infratores.

9) Definição de um modelo de desenvolvimento para a Amazônia baseado nas práticas tradicionais dos povos da região, no desenvolvimento sustentável, com participação e controle social na definição de projetos de desenvolvimento prioritários que privilegiem estes povos e salvaguardem seus direitos e conhecimentos.

10) Identificação e mapeamento das localidades onde habitam populações tradicionais, quilombolas, povos indígenas e agricultores familiares e suas áreas de uso, para imediata identificação, demarcação e homologação de suas terras e territórios.

11) Imediato reconhecimento e deferimento dos processos (Reservas Extrativistas, Reservas de Desenvolvimento Sustentável, Projetos Agro-extrativistas, Projetos de Assentamento Florestal etc.) demandados pelas comunidades tradicionais e de agricultores familiares da Amazônia para sua regularização fundiária, para a gestão do território e o manejo dos recursos naturais de forma sustentável e sob certificação sócio-ambiental participativa, com publicidades das metas e participação e controle social.

12) Priorizar as populações tradicionais, quilombolas povos indígenas e agricultores familiares nas políticas públicas, nos projetos de desenvolvimento e na oferta de créditos, financiamentos e assistência técnica e extensão rural.

13) Identificar os principais produtos tradicionais da Amazônia e adotar medidas imediatas que impeçam que grupos empresariais registrem seus nomes, através de patente.

14) Implementação de um Zoneamento Social, Ecológico, Econômico e Cultural efetivamente participativo, dando à sociedade civil um papel não apenas de observador, mas deliberativo.

15) Fim dos incentivos, subsídios, isenções fiscais e financiamentos a atividades que resultem em conversão da floresta, destruição do meio ambiente e prejuízo aos povos da Amazônia.

16) Revisão do Plano Pluri-Anual 2004-2007, com incorporação das propostas elaboradas nos fóruns estaduais de participação, e discussão ampla do Plano Amazônia Sustentável pela sociedade civil, bem como monitoramento do Plano de Ação para o Combate ao Desmatamento na Amazônia Legal.

Esta carta será encaminhada às autoridades governamentais brasileiras, e a falta de ações dos governos federal e estadual será denunciada à Organização das Nações Unidas, à Organização dos Estados Americanos e à Comissão Pan-Americana de Defesa dos Direitos Humanos.

Mais uma vez, a sociedade civil requer que os poderes públicos estadual e federal atentem aos conflitos que se agravam dia após dia no interior da Amazônia e tomem providências urgentes, imediatas, que contemplem os interesses de suas populações tradicionais, de seus povos indígenas e de seus agricultores familiares.

Chega de impunidade, chega de violência, chega de injustiça! Pela justiça social, ambiental, econômica e cultural na Amazônia, assinamos este documento.

Assinaturas

Associação Brasileira de ONGs – ABONG
Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
Fórum da Produção Familiar da Amazônia – FPFA
Grupo de Trabalho Amazônico – GTA
Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH
Rede Brasileira de Justiça Ambiental – RBJA
Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Erepecuru – ACORQE (Pará)
Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná – ARQMO (Pará)
Associação Regional das Casas Famílias Rurais – Norte e Nordeste – ARCAFAR
Central Única dos Trabalhadores – CUT (Rondônia)
Centro de Educação e Assessoria Popular – CEAP (Rondônia)
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – CEDENPA (Pará)
Centro de Estudos e Práticas de Educação Popular – CEPEPO (Pará)
Centro de Estudos, Pesquisa e Formação dos Trabalhadores do Baixo Amazonas – CEFTBAM (Pará) Centro dos Direitos Humanos de Palmas – CDHP (Tocantins)
Comissão Pastoral da Terra – CPT (Pará, Tocantins, Maranhão)
Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz – CDS (Pará)
Conselho Indígena Missionário – CIMI (Tocantins, Pará)
Conselho Municipal da Condição Feminina – CMCF (Pará)
Cooperativa de Serviço e Apoio ao Desenvolvimento Humano e Sustentável – ATIORÔ (Pará)
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB
Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN (Amazonas)
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educação – FASE
Federação dos Trabalhadores na Agricultura – FETAGRI/PA
Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense – FMAP (Pará)
Fundação Viver Produzir e Preservar – FVPP (Pará)
Greenpeace
Instituto de Estudos Sócio-Ambientais – IESA (Amapá)
Movimento de Mulheres do Campo e Cidade – MMCC (Pará)
Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira do Campo e Cidade – MMTACC (Pará)
Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense – MMNEPA (Pará)
Movimento Nacional de Luta pela Moradia – MNLM (Tocantins)
Movimento Nacional de Pescadoras Artesanais – MONAPE
Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu – MDTX (Pará)
Plataforma DHESC
Processo de Articulação e Diálogo – PAD
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Gurupá – STR/Gurupá (Pará)
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porto de Moz – STR/Porto de Moz (Pará)
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém – STR/Santarém (Pará)
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH (Maranhão)
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH (Belém/Marabá)
Universidade Popular – UNIPOP (Pará)


Esta carta está disponível para download no alto desta página, à direita, incluindo anexo com as propostas do relatório da Plataforma DHESC.






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