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Construção com cidadania

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Novidades do Terceiro Setor





Detalhe do contraste de cores nos degraus e a iluminação do corrimão


Ruas sem rampas, que dificultam a locomoção de pessoas em cadeiras de rodas; vasos sanitários altos demais para crianças usarem; escadas sem corrimão, que aumentam a probabilidade de idosos se acidentarem; iluminação ruim, cujo resultado é a dificuldade de localização, entre outros problemas. Há barreiras arquitetônicas para todo tipo de gente e faixa etária em qualquer cidade do mundo. Por aqui, algumas iniciativas começam a buscar soluções. Entre elas o recém-inaugurado Instituto Brasil Acessível, que visa “incentivar políticas de acesso e uso, pelas pessoas, de áreas residenciais, comerciais, públicas e privadas”. Formado por profissionais voluntários de diversas áreas como arquitetura, engenharia, medicina e psicologia, a ONG quer ver novas construções permitirem liberdade de locomoção e independência de seja lá quem for. Tudo de acordo com a teoria do design universal.

O Instituto Brasil Acessível foi criado em São Paulo e é presidido pela arquiteta Sandra Perito, uma das maiores especialistas em “arquitetura inclusiva” do país. Doutoranda da Faculdade de Arquiterura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, ela define os objetivos da entidade de forma simples: “queremos colaborar para a mudança da arquitetura brasileira, tanto pelo lado técnico quanto pelo do público, que precisa saber que essas modificações são um direito. Daí nossa composição multidisciplinar”.

Como foi fundado há pouco tempo, em fevereiro deste ano, o instituto ainda não desenvolveu muitos projetos. Apenas dois já estão prontos para serem executados e as ações, por enquanto, ficarão concentradas em São Paulo. O primeiro, chamado Projeto Brinca Criança, é um convênio com o Mosteiro São Geraldo, instituição religiosa do Morumbi, na zona sul paulistana, que terá as creches adaptadas para atender melhor as crianças e resolver problemas de espaço. Outro é a reforma de um asilo em José Bonifácio, zona leste. Ambos já possuem recursos para as obras.

Há outros projetos em fase de captação de recursos, como o Programa de Volta para Casa, o Moradia Segura e o Nova Geração. O primeiro vai conscientizar pacientes com alta hospitalar da importância de sua recuperação e a influência que o ambiente doméstico pode ter em sua melhora desde que ele seja seguro. Está sendo negociada uma parceria com o Hospital Santa Paula, em Vila Olímpia. Já o Moradia Segura pretende alertar as pessoas a fazerem uso seguro de seus lares. A Sociedade Brasileira de Reumatologia colaborou na redação de uma cartilha que será distribuídas em instituições de ensino, hospitais e imobiliárias e cujo tema central são recomendações para o uso do ambiente doméstico, principalmente pelos idosos.

O Nova Geração vai ser responsável pela oferta de cursos a estudantes e profissionais interessados em conhecer mais o “design universal”. Uma oficina já está agendada para a primeira semana de outubro, mas as inscrições ainda não foram abertas. A formação e reciclagem de arquitetos e engenheiros é uma das maiores preocupações de Perito. “A universidade ainda pensa pouco nesse conceito”, lamenta.

Segundo ela, o problema do Brasil é cultural, pois ao menos no aspecto jurídico, estamos bem. Recentemente o Brasil foi considerado pelo Centro para Reabilitação Internacional, ONG norte-americana dedicada a pesquisas na área, o mais inclusivo entre 24 países americanos em relação a pessoas com deficiência. Foram analisados aspectos ligados a proteção legal, oportunidades de educação e emprego, mobilidade, serviços de saúde e moradia, facilidade de comunicação e apoio a tratados internacionais. O que mais destacou o país foi sua legislação. A conclusão veio de um relatório entregue na Quarta Sessão do Comitê Ad Hoc da Nações Unidas sobre uma Convenção Internacional Compreensiva e Integral de Proteção e Promoção de Direitos e Dignidade de Pessoas com Deficiência. De acordo com o Censo 2000, 14,5% da população brasileira apresenta algum tipo de deficiência e 8,5% é idosa. Somados, os dois grupos representam 41 milhões de pessoas.

O problema é o não cumprimento da lei. “Antes ninguém pensava no aspecto de inclusão social pelo desenho de prédios e ruas e hoje continuamos assim, apesar de algumas melhoras. As leis obrigaram algumas reformas, mas isso não basta, pois são incompletas, muito voltadas para os cadeirantes. É preciso mudar a mentalidade”, afirma Perito. Como exemplo ela cita o desenho de salas de cinema. De acordo com a arquiteta, a grande maioria possui espaço reservado para pessoas com deficiência, mas eles ficam muito próximos à tela, não oferecendo conforto. “A lei foi cumprida, mas o direito a escolher o lugar mais confortável, não. Isso não pode ficar assim”.

Design Universal

Todo o embasamento do Instituto Brasil Sustentável vem da teoria de Design Universal, surgida durante os anos 90 nos EUA. Ela prega que toda construção possibilite ao usuário do ambiente ter independência e fácil acesso aos destinos. A residência também deve ser segura para pessoas de todas idades e com qualquer tipo de deficiência. Além disso, como acidentes são inevitáveis, a construção precisa ser pensada para evitar conseqüências graves. Para tanto, é necessário que o imóvel seja adaptável e freqüentável por visitantes, bem como seu uso seja simples e intuitivo. Por fim, a área precisa demandar pouco esforço físico. O último item é o baixo custo.

Aplicar esses princípios a novas construções não traz grandes acréscimos nos custos. É o que mostra um estudo feito pelo escritório de arquitetura Marcondes Perito, do qual Sandra é sócia. De acordo com o levantamento, de 15 itens de uma obra, apenas cinco apresentam variação de custo para adaptar o produto final ao design universal. A diferença varia de acordo com o custo total da obra. Em casas populares, por exemplo, os valores são maiores, pois a construção é mais barata. A instalação hidráulica, por exemplo, apresenta um acréscimo de 0,16% no total da obra, mas em moradias populares, o aumento é de 1,8%. Já na elétrica, a diferença é de 0,2% e de 0,5% respectivamente.

Há também mudança de preço no uso de esquadrias de alumínio ou PVC ao invés de madeira ou ferro, que demandam mais manutenção apesar de serem mais baratas, pinturas e nos “serviços complementares” (corrimões em dois níveis de altura, instalação de porta-copos em diferentes cômodos, por exemplo). A pintura se refere ao uso de cores além da branca, para facilitar contrastes entre degraus e entre cômodos, por exemplo. O baixo preço se deve às pequenas adaptações necessárias, como elevação da altura das tomadas. No total, diz o estudo, o acréscimo chegaria a 3%, se levados em conta o custo do terreno e infra-estrutura. Retirados esses custos, o impacto é um pouco maior: 2,5%, nos padrões mais altos e de 5% a 7% em casas populares.

Sandra Perito é contra a construção de ambientes específicos para uma determinada faixa etária ou grupo social, mas apóia adaptações. “Uma creche, por exemplo, não é freqüentada somente por crianças. Há também funcionários e professores. Então ela deve ser aberta a todos eles”. Ela afirma que a construção ideal possibilita adaptações futuras. Ou seja, não é necessário todo banheiro ter corrimão para facilitar o uso por idosos, mas haver espaço para barras, sim.”São medidas simples, mas que fazem diferença. Temos milhões de sonhos, mas vamos devagar. A médio prazo estaremos atuando em todo o Brasil”, afirma.

Marcelo Medeiros

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