Autor original: Viviane Gomes
Seção original: Artigos de opinião
Lúcia Xavier*
“Na ausência de democracia, respeito pelos direitos humanos e um bom governo, a violência prospera”. Nelson Mandela1
Segundo dados da OMS – Organização Mundial de Saúde – a violência é a terceira principal causa de mortalidade e sofrimento humano, atingindo especialmente pessoas entre 15 a 44 anos. Em 2000 cerca de 1,6 milhões de pessoas em todo o mundo morreram em função da violência. Atualmente 120 mil pessoas morrem por causas externas no Brasil, dentre estas a violência vem assumindo papel de destaque. Homicídios já são a primeira causa de mortalidade entre adolescentes e jovens negros.
Para a OMS violência é o “uso intencional de força física ou de poder, real ou uma ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”, portanto um problema de saúde pública.2
A violência de modo geral está espalhada na sociedade, mas existem grupos que vivem e sofrem mais constantemente seus efeitos. Alguns pesquisadores no campo da segurança pública já admitem que existem grupos particularmente vulneráveis à violência, provocada por sua condição racial/étnica, de gênero, geracional ou por causa de sua orientação sexual, diante do crime ou da polícia. Segundo Silvia Ramos (2002), “alguns setores da população são particularmente vulneráveis a violências, ou porque as agressões criminais podem assumir configurações específicas quando dirigidas a eles, ou porque são vítimas de criminalidades com dinâmicas próprias.3
O racismo é um fator de vulnerabilidade porque ele destitui o indivíduo de dignidade, de poder e das condições de cidadania que lhe garantiria acesso aos bens e serviços da sociedade em pé de igualdade. Coloca-o em situação de inferioridade e de exclusão, impede que este rompa o isolamento político para fazer frente as suas necessidade diante dos processos sociais excludentes.
Alguns dados nos ajudam a entender os efeitos do racismo entre nós:
• A população negra compreende 45,3% do total da população brasileira, ou seja 76.560.000 habitantes. Em 1995, 47% das vítimas de assassinatos e mortes decorrentes de lesões dolosas eram jovens do sexo masculino, entre 15-24 anos, perfazendo um total de 18,4 óbitos por 100 mil habitantes.
• Os estudos realizados por Wânia Sant’Anna e Marcelo Paixão (1997 e 2000) demonstram que, ao analisar- se o Índice de Desenvolvimento Humano/IDH – instrumento de análise das condições de vida da população dos países desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/ PNUD – o Brasil é um país de desenvolvimento humano mediano, ocupando a 74ª posição. No entanto, ao se desagregar estes dados a partir de uma perspectiva racial/étnica, temos dois países radicalmente diferentes, onde o desenvolvimento humano, ou seja, a qualidade de acesso aos benefícios sociais, da população branca leva o Brasil para a 49ª posição. Enquanto que, o Brasil dos afro-descendentes ocupa a 108ª posição.
• Segundo o pesquisador Gláucio Soares em sua apresentação no Seminário Violência e Racismo promovido pelo CESeC/UCAM, setembro de 20024, “com base nas taxas por 100 mil habitantes, em 2001, para cada 100 brancos morreram assassinados (vítimas de homicídios) 170 negros (soma de “pretos” e “pardos”).Se negros e brancos tivessem a mesma taxa de homicídios, 5647 negros não teriam sido assassinados no Brasil, em um único ano.
• As taxas homicídios de “pretos” e “pardos” são estatisticamente diferentes. Os “pretos” em 2000 tiveram taxa de vitimização por homicídios 24% mais alta do que “pardos”, indicando que a cor da pele/raça influenciou o risco de ser assassinado e que quanto mais negro, maiores as chances.
• Segundo matéria publicada no Jornal Folha de São Paulo, “Hospitais e maternidades, públicos e particulares, da cidade do Rio de Janeiro tratam melhor as gestantes brancas do que as negras. O tipo de atendimento é diferenciado pela cor durante a gravidez e até na hora do parto. Conclusão da pesquisa feita pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), em parceria com a Prefeitura do Rio, com 10 mil mulheres, imediatamente após o parto, entre os meses de julho de 1999 e março de 2001.” 5
• Um dos dados do estudo que mais impressionaram os pesquisadores foi o de anestesia no parto normal. O estudo apontou que até nesse aspecto as mulheres negras sofreram preconceito: 11,1% delas não receberam anestésico, pouco mais do que o dobro do percentual das brancas que não foram anestesiadas (5,1%).
No campo da saúde ocorre o mesmo, o racismo está impregnado nas relações entre profissionais e usuários, formuladores e gestores de políticas públicas e a população negra excluída, facilitando assim a vulnerabilização para a violência neste campo.
Para Jurema Werneck, “nascer, crescer, engravidar, envelhecer são condições fisiológicas acompanhadas pelos serviços de saúde. Em condições livres de preconceitos, tais processos serão vividos com o grau de complexidade que lhes são próprios, sem, no entanto traduzir-se em condições patológicas. Na vigência do racismo, a vivência de tais momentos é atravessada por diferentes formas de violência, ensejando perigos resultantes da recusa à alteridade (a pessoa negra, a criança negra, a mulher negra) que se apresenta. A dor daí resultante poderá ter repercussões em diversos aspectos da vida de pessoas e grupos. Altos índices de mortalidade infantil e materna, menor expectativa de vida, são os extremos de um quadro representativo da recusa da sociedade racista em incorporar os negros –e as mulheres negras – ao conjunto da humanidade.” 6
Como superar os efeitos da violência e do racismo? Em primeiro lugar admitindo a sua presença entre nós e tomando medidas em todos os níveis para a sua superação. Promovendo ações que busquem superar as desigualdades raciais e diminuir os efeitos deletérios da violência junto a população negra.
É preciso promover o acesso com qualidade aos bens e serviços, bem como construir políticas especiais que possam reparar os danos causados por um longo processo de exclusão e isolamento.
Na área da saúde, além da melhoria da formação dos profissionais, ampliar o acesso aos serviços de prevenção e tratamento com qualidade, promover políticas adequadas aos agravos à saúde mais comuns a população negra. Bem como envolver a população, especialmente as vulneráveis á violência, na formulação de políticas preventivas e de controle social do sistema de saúde.
* Lucia Xavier é assistente social, coordenadora geral de Criola – organização de mulheres negras do Rio de Janeiro. Voluntária das Nações Unidas, assessora da Relatoria do Direito à Saúde do Projeto Dhesc Brasil. Este artigo foi publicado na revista Saúde e Direitos Humanos, editada pelo Núcleo de Estudos em Direitos Humanos e Saúde (NEDH) - Fundação Oswaldo Cruz - Ministério da Saúde.
Notas
1 Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul . Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, OMS: Genebra, 2002. Editado por Etienne G. Krug, Linda L Dahlberg, James A. Mercy, Anthony B.Zwi e Rafael Lozano.Tradução Ministério da Justiça.
2 Relatório Mundial sobre Violência e Saúde/editado por Etienne G. Kruge outros. OMS: Genebra, 2002, página 5.
3 Ramos, Silvia. Minorias e Prevenção da violência. CESEC, RJ, 2002, página 1.
Ao pensar a idéia de vulnerabilidade á violência Silvia Ramos nos informa que: “A especificidade dessas modalidades de violência consiste na combinação de dinâmicas criminais tradicionais com dinâmicas particulares de violência. A homofobia, o racismo, a misoginia e outras variantes de discriminações e preconceitos são produtores de vulnerabilidade. Abaixo indico seis grandes áreas de preocupação e de temas que devem ser objeto de atenção na identificação de prioridades em programas participativos de redução da violência.” ( Minorias e Prevenção da violência. CESEC, RJ, 2002 página 1).
4 Soares, Gláucio Ary Dillon, exposição A cor da morte, apresentada no seminário Violência e Racismo,Candido Mendes, setembro de 2000
5 Petry, Sabrina. Até na hora do parto negra é discriminada da Folha de S. Paulo, no Rio. http://www.uol.com.br/folha/cotidiano/ 26/05/2002 - 03h55 (on line)
6 Cadernos CRIOLA Saúde da Mulher Negra. CRIOLA: RJ, 2002, página 18.
Referências bibliográficas
Camargo, Marcia. “Violência e Saúde: ampliando políticas públicas”. In Jornal da Rede Feminista de Saúde - nº 22 - Novembro 2000.
Musumeci, Leonarda. As Múltiplas faces da violência no Brasil. CESEC/UCAM
Ramos, Silvia. Minoriais e Prevenção da Violência. CESeC/UCAM, RJ: 2002.
Relatório Mundial sobre Violência e Saúde – Prevenção. OMS:Genebra, 2002
Portella, Ana Paula. “Abordagem Social sobre Violência e Saúde das Mulheres”. In Jornal da Rede Feminista de Saúde - nº 22 - Novembro 2000.
Werneck, Jurema “Saúde da Mulher Negra. Cardemos CRIOLA. CRIOLA, RJ: 2002.
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966). Adotada pela Resolução n.2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966 e ratificada pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992.
Informativo OPAS sobre Violência e Saúde Pública, 09/12/2003.
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