Sem as fronteiras da indiferença

Autor original: Fausto Rêgo

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Falar em fronteiras em uma mídia que, por natureza, as desconhece pode soar como um paradoxo. A idéia dos Internautas sem Fronteiras, no entanto, não é ultrapassar limites geográficos, mas romper as barreiras das relações humanas – principalmente a da indiferença. A organização, presidida pelo argentino Jorge Godoy, que é radicado na França e atende por Georges François Godoy, procura incentivar e articular relações de solidariedade através da Internet. Sempre que houver uma necessidade urgente – sejam remédios ou órgãos para transplante, por exemplo –, membros da rede Internautas sem Fronteiras podem enviar alertas em canais de IRC – um dos mais comuns protocolos de bate-papo virtual (chat) e obter ajuda de gente conectada em diferentes países.

Inspirada no espírito dos rádio-amadores, que costumavam desempenhar esse mesmo papel, a organização optou por utilizar o potencial da Internet, por sua agilidade e seu caráter universal. A ferramenta, o IRC, foi escolhida por ser um sistema aberto a todos, simples, que permite guardar um registro das conversas e moderar a participação dos usuários, de modo a evitar uso indevido. Quem se interessar em fazer parte da rede pode se cadastrar no site da entidade, desde que tenha pelo menos 18 anos de idade. Uma vez conectado, bastará entrar na rede IRC e acessar o canal de urgências da organização para participar.

Nada é cobrado aos participantes e o objetivo é conseguir patrocínio ou doações para sustentá-lo. Entusiasmado com o projeto e ansioso para obter um apoio que permita viabilizá-lo a longo prazo, Godoy conversou conosco sobre a iniciativa, a qual classifica, romanticamente, como um "velho sonho de unir todos os homens e todas as mulheres de boa vontade no mundo, sem depender de governos, religiões, políticas, raças ou bandeiras".

Rets - A idéia dos Internautas sem Fronteiras é inspirada na experiência dos rádio-amadores. Como você compararia essas duas frentes de ação: rádio-amadorismo e Internet?

Georges François Godoy – É evidente que têm em comum o fato de serem dois meios de comunicação. Mas a Internet nos garante muitíssimas possibilidades técnicas que o radioamadorismo não nos concedia. Eu mesmo já fui um radioaficionado e, ao mesmo tempo, obtive o registro profissional de radiotelegrafista. É preciso lembrar, como aspecto positivo, que a Internet vem conquistando um espaço cada vez maior na sociedade e que mais e mais lugares oferecem conexão à rede. Isto permite que a Internet se apresente como um excelente instrumento para que todos os seres humanos de boa vontade do planeta construam alguma coisa duradoura juntos, compartilhando o desejo de ajudar quem precisa.

Rets - Como o grupo que criou o projeto se conheceu?

Georges François Godoy – O grupo original se formou por meio dos canais de IRC [sigla para Internet Relay Chat, um modelo de bate-papo (ou chat) na Internet]. Era realmente um insulto a tanta e tão maravilhosa tecnologia que, considerando o seu potencial para unir nações, continentes e pessoas, não houvesse uma força capaz de transformar esses sonhos em realidade. Teríamos todas as ferramentas tecnológicas para isso. Era apenas uma questão de montar o quebra-cabeça.

O velho sonho de unir todos os homens e todas as mulheres de boa vontade no mundo, sem depender de governos, religiões, políticas, raças ou bandeiras já estava em marcha.

Rets - E de que forma vocês imaginam obter recursos para manter o projeto?

Georges François Godoy – No aspecto financeiro, enfrentamos muitos problemas, mas seguimos adiante porque confiamos plenamente na idéia. Todas as associações aqui na França têm direito a solicitar uma taxa de inscrição e uma taxa mensal. Nós, porém, por sermos uma organização internacional e de caráter absolutamente humanitário, não quisemos fixar taxas de qualquer tipo, já que existem membros dos mais diversos países que não podem pagar, e geralmente são aqueles que mais têm necessidade de acesso à rede.

Por essa razão, decidimos nos sustentar pura e exclusivamente por doações, mecenato ou patrocínio, muito embora não tenhamos conseguido nenhum, até porque somos uma organização ainda muito nova. Daí a urgente necessidade que temos de divulgar nosso trabalho o máximo possível, para que empresas, pessoas e outras organizações se solidarizem conosco.

Rets - A Internet tem sido, desde sempre, um veículo de mobilização em nome de causas e idéias diversas, mobilizações nascidas quase sempre de forma espontânea. Internautas sem Fronteiras é uma tentativa de fazer isso de forma organizada?

Georges François Godoy – Muitas causas têm sido desenvolvidas por intermédio da Internet, sem dúvida. Mas jamais houve uma tentativa de obter uma união que apresentasse as mesmas características da própria rede mundial de computadores. Trata-se de uma "bolsa de problemas e soluções" de caráter real, em tempo real e de forma permanente ao longo das 24 horas do dia. Ao contrário das mobilizações ou dos sites que se aliam por uma causa pré-definida, Internautas sem Fronteiras têm um espírito de cooperação extremamente amplo e efetivo. E invariavelmente tratamos de fazê-lo de forma mais organizada, pois recusamos o anonimato. Quando um internauta faz sua inscrição em nosso site, recebe uma senha que permite sua identificação como um membro ativo da rede. Isto nos permite conceder a ele responsabilidades maiores e, por outro lado, lhe dá a segurança de saber que, ao enviar ou receber um alerta, existe toda uma organização perfeitamente visível, mundial e capacitada que vai ajudá-lo e protegê-lo.

Rets - Como uma pessoa deve proceder para iniciar uma mobilização ou participar de algum movimento lançado por um membro de Internautas sem Fronteiras?

Georges François Godoy – Deve simplesmente inscrever-se em nosso site. Na página de contatos se encontra uma lista de nomes a quem podem ser encaminhadas possíveis dúvidas.

Rets - O que motivou a escolha do IRC como canal para essas manifestações?

Georges François Godoy – O sistema IRC nos permite conversar de forma privada, a fim de preservar o sigilo das comunicações, bem como a transmissão e recepção de arquivos contendo imagens, receitas, prescrições médicas e todo tipo de informação. Além disso, permite um número ilimitado de participantes, a possibilidade de guardar as transcrições dos diálogos, ter um registro automático, e moderar os canais de forma que as mensagens de urgência possam ser transmitidas perfeitamente.

Rets - Há algum tipo de controle sobre o que é veiculado? O que pode assegurar a não disseminação de conteúdos ofensivos ou discriminatórios, por exemplo?

Georges François Godoy – ISF manterá operadores durante as 24 horas em todos os canais de alertas. Esses operadores têm o poder de retirar dos canais as pessoas que infringirem os regulamentos, ainda que esse não seja a verdadeira função deles.

Como estão identificados, os membros ficam expostos a serem definitivamente excluídos da rede caso façam comentários ou tenham atitudes ofensivas. Por outro lado, os sites do projeto são mantidos por membros da organização fortemente comprometidos com o trabalho que desenvolvemos, e neles depositamos inteira confiança.

Havendo tantos lugares na Internet propícios à agressão e ao confronto, dada a liberdade garantida pela própria Internet, exigimos o direito a manter nossos canais da forma mais neutra possível.

Rets - Apesar do pouco tempo de atuação, é possível destacar resultados de campanhas ou mobilizações já em curso em Internautas sem Fronteiras? E quanto à receptividade das pessoas: tem sido positiva?

Georges François Godoy – Estamos impressionados com a resposta mundial a nossas campanhas de imprensa. Temos recebido uma média diária de 10 a 15 solicitações de inscrição de gente dos mais diversos países. Sentimos um grande prazer ao percebermos que as pessoas apóiam nossa idéia. É saudável entender que o mundo inteiro está se dando conta de que haveria menos problemas se todos fizéssemos um esforço conjunto em prol de ideais comuns a toda a humanidade.

Já temos tido alguns casos de urgências e podemos lembrar, de imediato, de dois casos de busca de medicamentos e doadores para transplantes. Não posso, infelizmente, dar mais dados, pois a organização zela profundamente pelo sigilo das comunicações e pela identidade das pessoas.

Rets - Vocês consideram a possibilidade de levar adiante outros tipos de iniciativas que aproveitem o potencial mobilizador da Internet?

Georges François Godoy – Internautas sem Fronteiras trabalha com diversos objetivos, todos tendo como denominador comum a Internet. Nossas ações abarcam programas de luta contra a pedofilia – atividade que tem sido muito comum na rede -, formação médica continuada, auxílio em informática etc.

Temos consciência de que a Internet é uma fonte de cultura e informação da mais absoluta importância e não deve ser propriedade de uns poucos privilegiados. Por isso nossa organização mantém programas voltados para apoiar os países em desenvolvimento em sua luta para terem acesso a essa fonte de conhecimento.

Fausto Rêgo