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Direito à educação nos tribunais

Autor original: Viviane Gomes

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor

Atuar junto ao Ministério Público e ao Sistema Judiciário para exigir a efetivação de direitos sociais, especialmente o direito à educação, é a proposta do Ação na Justiça. A iniciativa é da organização não -governamental Ação Educativa e foi inspirada na experiência da entidade à frente da Relatoria Nacional pelo Direito à Educação. A meta é disseminar informações sobre os mecanismos de acesso à Justiça para exigir o direito à educação; analisar e divulgar o comportamento do sistema jurídico frente a essas demandas e, por fim, incentivar a exigência do direito à educação por meio da formação de jovens operadores de direito, de parcerias com o Ministério Público e da apresentação de ações exemplares que visem superar situações de violação ao direito educacional. "O fato de termos acolhido a Relatoria Nacional pelo Direito à Educação pelo período de dois anos influenciou a elaboração do projeto, pois esta experiência trouxe para a instituição a noção da educação como um direito humano, lugar tradicionalmente reservado aos direitos individuais - civis e políticos", diz Sérgio Haddad, relator nacional para o direito à educação e secretário-executivo da Ação Educativa.


O Ação na Justiça foi implementado para aliar à luta pelo direito à educação - empreendida historicamente pelas organizações da sociedade civil por meio de pressão aos poderes executivo e legislativo - as possibilidades asseguradas pelo ordenamento jurídico. Com isso, espera-se considerar o Poder Judiciário e o Ministério Público responsáveis por assegurar o direito universal à educação. E para tal, o projeto pretende somar esforços e contribuir com outras organizações da sociedade civil comprometidas com o direito à educação e com a defesa e  promoção dos direitos humanos.


São três linhas de ação. A primeira delas, Democratização da Informação, disponibiliza no endereço do projeto na Internet [ver ao lado] textos da legislação nacional e internacional, informações sobre mecanismos de acesso à Justiça, análises do comportamento do poder judiciário sobre o tema, e ainda, pesquisas e reflexões teóricas. Estimular e capacitar atores sociais para utilização de mecanismos legais para a efetivação do direito à educação é outra frente de trabalho do projeto, que prevê orientação jurídica, realização de seminários, oficinas e distribuição de material informativo qualificado e tecnicamente acessível. O esforço da terceira linha de ação será a aproximação com o Poder Judiciário por meio do mapeamento e da divulgação das possibilidades encontradas nos mecanismos de exigibilidade jurídica. Semanalmente, a equipe do Ação na Justiça vai produzir o OPA, um boletim informativo que tem como proposta "apresentar análises das possibilidades e obstáculos contidos em ações judiciais e acordos extra-judiciais – como os Termos de Ajustamento de Conduta – elaborados para garantir direitos educativos", diz Haddad.


Sérgio explica que o reconhecimento dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais se dá em dois níveis. "Um o formal, oficial, que no Brasil se traduziu pelo ordenamento jurídico; neste quesito, em relação ao direito à educação, estamos bem - o país ratificou todos os documentos internacionais que asseguram os direitos humanos e incorporou na legislação nacional os princípios neles contidos. No entanto, o modelo de desenvolvimento adotado até o momento não permite a concretização das leis, que prevêem a ação positiva do Estado, por meio de políticas públicas, como forma de realização dos DESCA. Do ponto de vista da "cultura" do direito, o país é fortemente influenciado pelo pensamento liberal, que considera como verdadeiros direitos humanos apenas os individuais", explica. Ele diz ainda que a exclusão social da maioria da população resulta não só no alijamento de bens materiais, mas também de bens culturais, entre eles, a informação. Por isso, as pessoas desconhecem seus direitos e também os mecanismos e instâncias existentes para assegurá-los.


O Ação na Justiça quer o reconhecimento dos DESCA como direitos humanos por meio de um movimento conjunto entre governo e sociedade. O governo precisa assumir suas responsabilidades de criar condições para a concretização de políticas públicas que garantam a universalidade dos direitos. Por outro lado, é necessário que a sociedade assimile a noção da educação como direito e passe a exigir do Estado sua garantia. Para Haddad, o ideal é que as pessoas se sintam tão indignadas com uma escola pública de má qualidade, quanto se sentiriam se houvesse a suspensão de eleições, ou o confisco de seus bens materiais. Essa é a chave: os DESCA - direitos coletivos - são tão importantes quanto os direitos de propriedade, civis ou políticos, mais conhecidos como individuais. Para ele, a "escandalosa concentração de renda nas mãos de pouquíssimas pessoas e a manutenção de um modelo de desenvolvimento que não prevê distribuição de renda, alternativas ambientalmente sustentáveis e democratização aos bens culturais produzidos pela nação" são impedimentos para implementação desse conjunto de direitos.


Universalidade


Apontar possibilidades jurídicas que possam ser utilizadas para exigir a formulação de políticas públicas e para concretizar aquelas que ainda não atingiram seus objetivos de universalização também é atribuição do Ação na Justiça. "Apesar da crescente oferta de vagas para o ensino fundamental, há ainda um número significativo de crianças e adolescentes fora da escola: 3,95% da população de 7 a 9 anos, ou cerca de 386 mil pessoas, em 2000. Este número sobe para 14% na região Nordeste e 15,6% para a região Norte. Se considerarmos a idade de 10 a 14 anos, o número de crianças fora da escola é de 6,39% para o Brasil e de 14% para o Norte e Nordeste. Isto demonstra que a universalização do atendimento escolar não ocorreu nem mesmo no ensino fundamental, para as crianças de 7 a 14 anos, consideradas prioridade durante a década de 1990. Quanto ao ensino pré-escolar na faixa etária de 5 a 6 anos, 26,15% das crianças não freqüentam este nível de ensino", explica Haddad. Sobre o analfabetismo, o secretário executivo da Ação Educativa diz que entre as pessoas consideradas analfabetas funcionais (de 1 a 3 anos de estudo) e aquelas consideradas analfabetas absolutas, são 42.844.220 pessoas acima de 10 anos - 31,4% da população dessa faixa etária.


Desigualdades regionais e étnico-raciais agravam a situação educacional brasileira. Os índices mais desfavoráveis são encontrados nas regiões Norte e Nordeste. "Com relação às desigualdades étnico-raciais, a taxa de analfabetismo, por exemplo, caiu para todos os grupos, mas em 1999 ainda era muito mais elevada para os negros (20%) do que para os brancos (8,3%). Naquele mesmo ano, enquanto os brancos tinham, em média, 6,7 anos de estudos, a escolaridade média dos negros era de 4,5 anos. Isto, sem falar na insuficiência da educação ofertada às populações indígenas, pessoas com deficiência, pessoas que estão sob a tutela do sistema penitenciário e outros grupos", comenta Haddad.


No tribunal


Por razões metodológicas, a equipe do Ação na Justiça vai concentrar esforços na identificação das violações educacionais ocorridas em São Paulo. A intenção é fazer com que essas ações sejam exemplos, possibilitando a aplicação da metodologia em outros estados do Brasil. Haddad afirma que vai dedicar atenção especial às modalidades tradicionalmente excluídas do debate público, tais como a educação de jovens e adultos, educação penitenciária, educação inclusiva, educação no campo e temas étnico-raciais relacionados à garantia do direito à educação.


Como não são socialmente assimilados como direitos humanos, dificilmente as violações contra o sistema educacional são interpretadas como desobediência às leis. No entanto - embora pouco utilizado - é possível fundamentar ações judiciais em normas internacionais, afinal, são documentos ratificados pelo Brasil e, por isso, possuem força de lei. Além disso, o direito à educação é assegurado pela Constituição Federal, leis, pareceres e outras instruções normativas que contemplam modalidades e níveis específicos de ensino. O sistema global de proteção aos direitos humanos (ONU - Organização das Nações Unidas) e o sistema americano (OEA - Organização dos Estados Americanos) fazem recomendações aos países que precisam superar casos de violação. No caso do sistema global, o monitoramento do cumprimento do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - PIDESC, que estabelece o direito à educação, juntamente com os outros DESC, se dá por meio da análise de relatórios gerais apresentados periodicamente pelos países-membro. Já no sistema americano, pessoas ou organizações não-governamentais podem apresentar petições individuais, relatando violações. Neste caso, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos também faz recomendações para o estabelecimento do direito em questão. Porém, os sistemas só aceitam casos quando todas as possibilidades judiciais internas para sua superação se esgotaram.


Haddad afirma que, além de serem importantes instrumentos de monitoramento de direitos, as relatorias difundem internacionalmente a noção contemporânea de direitos humanos, que torna indivisíveis os direitos individuais e coletivos. "Sem dúvida, a Relatoria Especial sobre o Direito à Educação pode ser um importante instrumento na luta pelo direito à educação, desde que a sociedade civil se aproprie e procure estabelecer vínculos para o monitoramento deste direito em âmbito nacional. Nesse sentido, é preciso ressaltar o quanto são importantes iniciativas como a da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais - Dhesc/Brasil ao instituir o projeto Relatores Nacionais em Dhesc, no qual se insere a Relatoria Nacional para o Direito à Educação.


Apoio e mobilização


O Ação na Justiça tem o apoio da Fundação Ford, conta com a assessoria técnica do Centro de Direitos Humanos - CDH e já recebeu importantes contribuições do Ministério Público Estadual de São Paulo, Ministério Público Federal, Movimento MP Democrático e Comissão Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo. "É importante ressaltar que o projeto está apenas começando, e que há instituições que consideramos parceiras fundamentais para o alcance pleno dos objetivos do Ação na Justiça. Entre elas destacam-se a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a Associação Juizes pela Democracia; o Projeto Promotoras Legais Populares e a ANCED - Associação Nacional dos Cedeca’s, entre outras", diz Sérgio Haddad. Atividades de formação voltadas, especialmente, para lideranças comunitárias e organizações que atuam como defensoras dos direitos humanos, serão realizadas com outras instituições. "Isto significa a necessidade de mobilizar diferentes grupos e atores sociais. A outra forma está relacionada às ações exemplares que pretendemos propor ao Sistema Judiciário, tarefa para a qual vamos buscar somar esforços com diferentes instituições e também pessoas", conclui.


Viviane Gomes

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