Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
![]() | ![]() |
No centro da polêmica em torno do projeto das parcerias público-privadas, as chamadas PPPs, está uma disputa política na qual colocam-se em jogo as fichas da sucessão presidencial. O projeto, que tramita em regime de urgência no Congresso Nacional sob olhares atentos e ansiosos do Executivo, vem sendo alvo de manifestações contrárias e favoráveis de deputados e senadores, não raro contaminadas pelas cores partidárias. Das organizações da sociedade civil o projeto tem recebido críticas e preocupação. Se por um lado as PPPs, em si, nem sempre são questionadas, a redação do projeto, esta sim, invariavelmente acaba merecendo reparos.
O projeto de lei 2.546/2003 estabelece condições especiais para contratos firmados entre o Estado e empresas privadas. Dessa forma, empreendedores privados seriam responsáveis pela prestação de determinados serviços públicos (geração de energia, construção de estradas e hospitais ou administração de escolas e portos, por exemplo), ao passo que o Estado ofereceria a essas empresas algumas garantias.
A organização não-governamental Transparência Brasil talvez tenha sido a primeira a chamar atenção para os problemas do projeto e tem participado ativamente das discussões com o governo desde então. O diálogo, em particular com o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, pode resultar em avanços em breve. Claudio Werner Abramo, diretor executivo da entidade, revelou que as críticas da Transparência Brasil haviam sido acatadas em sua maioria e antecipou à Rets que o ministério encaminharia uma nova proposta ao Senado. Nesta sexta-feira, 10 de setembro, a notícia se confirmou. O ministro Guido Mantega esteve reunido com Abramo e outros representantes da Transparência Brasil para discutir o projeto das PPPs e mostrou-se disposto a rever alguns pontos, entre eles o prazo de concessão de 45 anos para as parcerias, que é considerado excessivo – a organização sugere 35. Outra modificação deve determinar que apenas serviços, e não obras, sejam contratados nos termos das PPPs. As obras continuarão a ser contratadas por licitação, como já acontece. Deve ser contemplada também a questão das excessivas garantias que poderiam ser fornecidas pelo administrador público à iniciativa privada e permitiriam um dirigismo dos processos licitatórios. Passarão a valer tão-somente as garantias já previstas atualmente na Lei de Licitações.
Riscos
A ONG adverte que o projeto, tal como está, oferece riscos ao equilíbrio fiscal e deixa brechas que abririam a possibilidade de dirigismo nas licitações. Tomando por base o relatório apresentado pelo senador Valdir Raupp (PMDB-RO) na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), Abramo relaciona os aspectos mais críticos. Há espaço para corrupção quando se estabelece um rito diferenciado dos mecanismos e das condições previstos na Lei de Licitações. O principal é permitir explicitamente que as propostas de PPPs sejam julgadas com base no critério de técnica e preço. Ele explica: "Normalmente, pela Lei de Licitações, se eu quero fazer uma estrada, vejo quem oferece o menor preço e decido. No caso das PPPs, um julgador atribui uma nota à qualidade da proposta. Isso é muito subjetivo. É assim, por exemplo, que o governo faz para contratar qualquer agência de publicidade – e vence quem o governante quer. Pois agora querem levar isso para projetos de milhões de reais, envolvendo milhões de pessoas", alerta.
Outro problema encontra-se no Capítulo III, Artigo 10, que prevê que "o licitante vencedor deva ficar encarregado da elaboração do projeto pertinente ao objeto da licitação ou admitir a apresentação de projeto alternativo no procedimento licitatório". Na prática, isso pode representar o seguinte: licita-se uma coisa e na hora de escolher quem vai executar o que está previsto no edital, contrata-se outra coisa. "O mais simples seria licitar o projeto", aconselha Abramo. "Como evitar que isso seja usado para superfaturar? A melhor maneira seria fazer essas discussões serem todas públicas e acompanhadas pela Internet, levando o governo a se justificar. Não resolve, mas ajuda. Outra maneira é que as comissões de licitação sejam obrigadas a incorporar como consultores personalidades de fora do Estado, mas não do setor privado, para que o processo decisório tenha mais visibilidade".
A mesma crítica quanto à falta de transparência é feita pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Os recursos destinados às PPPs são extra-orçamentários. Não passam, portanto, pelo Siafi (Sistema Integrado de Informação Financeira do Governo Federal, que permite o acompanhamento dos gastos públicos). Dessa forma, a sociedade teria muita dificuldade para mapear sua utilização.
Para a assessora de Política Fiscal e Orçamentária do Inesc, Selene Nunes, a intenção do governo é fazer um amplo "projeto guarda-chuva" que permitirá ao Estado agir de forma discricionária, sem discussão. "O governo concede e ainda garante, não há risco para a iniciativa privada. Agora, se está disponível e a fim de bancar, por que ele mesmo não faz?", ironiza.
O Inesc vem acompanhando a tramitação do projeto e elaborou uma nota técnica [disponível para download, ao lado, nesta página] assinada pela própria Selene, que comenta artigo por artigo. A entidade tem procurado sensibilizar os senadores e já apresentou 40 sugestões de emendas.
'Quebrado'
A Rede Brasil, que se propõe a analisar criticamente a atuação das instituições financeiras multilaterais no país, observa que o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) vêm demonstrando grande interesse nas PPPs. O assessor político da articulação, Marcus Faro, aponta o motivo: "Isso abre mercados muito lucrativos e seguros, quase cativos, para grandes empresas", afirma.
Em seu Informe nº 4, de 26 de fevereiro, a Rede Brasil diz que a PPP "é apenas uma alternativa à privatização de serviços públicos, que dá a empresas privadas oportunidades extraordinárias de auferirem enormes lucros com grande margem de segurança oferecida pelo Estado por um longo tempo (décadas) em todas as áreas de políticas públicas". Na mesma linha, Selene Nunes, do Inesc, arremata: "Isso representa, de um lado, o desmonte do Estado, pois abre condições para licitar em qualquer setor (educação, saúde, segurança pública...), abrindo chance, na prática, para uma privatização. O governo diz que age assim porque está 'quebrado', mas não se pode submeter toda a política de Estado a isso". Ela estranha, ainda, que o projeto de lei autorize a União a contrair dívidas de até 45 anos, com um limite mínimo de R$ 20 milhões, mas sem teto. "Isso fere o princípio da Lei de Responsabilidade Fiscal. A LRF previa um limite para o endividamento da União, mas o Senado não aprovou - somente para estados e municípios.
Abramo tem opinião diferente. Embora entenda que a PPP não deve restringir em excesso o que se pode fazer utilizando esse mecanismo, ele acha que é necessário haver um parâmetro. "Se não houver nenhuma qualificação, a turma vai fazer PPP para qualquer coisa. A forma de evitar isso é essa limitação de capital: não se pode fazer nada abaixo de 20 milhões. Eu, aliás, acho que é pouco. Aumentaria para 100 milhões", afirma.
Encaminhamento
De acordo com o ministro do Planejamento, Guido Mantega, na entrevista em que confirmou o diálogo com a Transparência Brasil para revisão do projeto das PPPs, o objetivo desse entendimento é evitar que a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Licitações sejam burladas. O novo projeto, incorporando as modificações, deve ser enviado para a Secretaria de Articulação Política e encaminhado ao Senado Federal nos próximos dias. Procurado pela Rets, o ministro Aldo Rebello, titular da Secretaria, não atendeu nossa solicitação de entrevista até o fechamento desta edição.
Fausto Rêgo. Colaborou Maria Eduarda Mattar.
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer