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Juventude e Polícia

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor





Juventude e Polícia
AfroReggae

Desde agosto, dois batalhões de Polícia Militar de Belo Horizonte (MG) fazem parte de um projeto que oferece a policiais oficinas distantes da rotina dos quartéis e mesmo de cursos de capacitação em direitos humanos. No lugar de aulas teóricas, oficiais e praças estão aprendendo teatro, vídeo, percussão e até mesmo técnicas circenses com jovens de comunidades cariocas. Mais dois batalhões serão integrados até novembro. As atividades fazem parte do projeto Juventude e Polícia, desenvolvido pelo Grupo Cultural AfroReggae e pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes (Cesec), com apoio da secretaria estadual de Defesa Social e da Fundação Ford.

Durante um mês, policiais dos dois batalhões participam diariamente de duas horas de aulas que quebram a rotina dos quartéis. No 22o, 95 se tornaram alunos em agosto e continuam com as atividades. No 34o, 55 aprendem durante o mês de setembro. Somando as duas unidades, há 85 alunos de percussão aprendendo a tocar instrumentos tradicionais e improvisados, como as latas de lixo utilizadas pelo AfroReggae em suas apresentações. No teatro, 30 fazem exercícios de expressão corporal e ensaiam peças.

A oficina de circo foi uma surpresa para os organizadores. Quando foi divulgada, não recebeu nenhuma inscrição. “Literalmente, ninguém queria fazer papel de palhaço”, brinca José Júnior, coordenador geral do AfroReggae. Porém, quando houve um show do grupo cultural para demonstrar o que poderia ser feito, todos se encantaram e 20 pessoas hoje participam de uma turma que deveria ter apenas 12 alunos. Entre as atividades circenses estão malabarismo e acrobacia. Apesar do sucesso de todas, a oficina que mais promete é a de vídeo, já encerrada. Ela foi ministrada por profissionais de uma produtora e das filmagens sairá um documentário dirigido por Estevão Ciavatta, diretor do documentário “Nelson Sargento”. Já há produtoras interessadas em comprar o resultado final.

“Nossa idéia é valorizar o lado humano e social dos policiais e acabar com preconceitos tanto de alunos quanto de professores”, explica José Júnior. Os professores, no caso, são 40 monitores da ONG, todos moradores da comunidade carioca de Vigário Geral. A mistura, em um primeiro momento, causou estranhamento nos dois grupos. De um lado estavam meninos e meninas moradores de uma comunidade sempre lembrada pela chacina cometida por PMs em 1993. De roupas largas e vocabulário próprio, o conceito deles com relação a forças de segurança nunca foi dos melhores. No outro extremo, homens fardados, ressabiados com aqueles jovens cariocas querendo lhes dar lição. “Reações normais que logo foram dissipadas”, diz Silvia Ramos, coordenadora do Cesec.

A ponto de surpreender os participantes. “Nunca pensamos em entrar em um batalhão e sermos bem recebidos. Os policiais estão empolgados com as aulas”, afirma Júnior, que valoriza o fato de sua equipe estar ensinando oficiais e praças, pois grande parte dela já foi vítima de violência policial.

Se no 22o houve demora no contato entre as partes, a recepção no 34o batalhão já foi melhor. Lá, a apresentação inicial, feita pelo AfroReggae contou com a participação de policiais do 22o, o que facilitou o diálogo. Todas as oficinas começam com um show do grupo carioca logo na primeira semana de aula. Também se apresentam os meninos da ONG mineira Tambolelê, cujo trabalho se assemelha ao do AfroReggae. Dessas apresentações já participaram os vocalistas do grupo Jota Quest, Rogério Flausino, e do grupo fluminense Cidade Negra, Toni Garrido.

Crescimento pessoal

O projeto não está voltado para a melhoria direta do patrulhamento das ruas, mas sim da pessoa responsável por essa ação, o policial. “A grande diferença será percebida em casa”, diz Júnior, que lembra o alto grau de estresse a que ficam submetidos os PMs. “Eles precisam se divertir, esquecer um pouco a tensão das ruas”. “Mas também será ótimo para melhorar o relacionamento dos policiais com a população”, ressalta o tenente-coronel Josué Soares, comandante do 22o Batalhão, localizado na zona sul de Belo Horizonte. Para Silvia Ramos, o projeto ajuda a estimular o diálogo entre juventude e polícia. “Em todos os casos de violência, os dois grupos estão envolvidos”, afirma.

Com a valorização dos policiais e a troca de informações entre as partes, o comando da polícia mineira espera ver policiais mais satisfeitos com o trabalho e mais integração com a população de baixa renda de Belo Horizonte. “Ser policial é muito estressante. Esse trabalho é bom para mudar a mentalidade de nossos policiais e dar prosseguimento ao nosso esforço de aproximar a polícia das comunidades”, diz o tenente-coronel Soares.

A aproximação a que se refere o oficial será a próxima etapa do projeto. A partir de dezembro, os PMs que participaram das oficinas serão transformados em professores nas comunidades localizadas nas áreas de responsabilidade de cada batalhão. Nelas estão concentradas as maiores taxas de homicídio da cidade.

De acordo com pesquisa do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (Crisp-UFMG), de 1998 a 2002, Belo Horizonte viu a taxa de homicídios crescer 67%. No período foram registrados 3.256 assassinatos, sendo que 20% aconteceram em seis favelas: Cafezal, Morro das Pedras, Morro do Papagaio, Taquaril e Cabana do Pai Tomás. Juntas, reúnem 312 mil pessoas, 14% da população de Belo Horizonte. Além disso, 9,2% dos belorizontinos foram vítimas de roubo em 2002 e 22,7% dizem já terem sido roubados alguma vez na vida. Nos cinco anos que precederam o estudo, 84% da população foi furtada.

Em agosto de 2002 foi implementado em Morro das Pedras, que está área coberta pelo 22o Batalhão, o programa Fica Vivo, da secretaria de Defesa Social. “Aquela região é a Vigário Geral de Belo Horizonte”, compara Silvia Ramos, fazendo referência á violência do local. “Nossa área tem gente muito pobre de um lado e muito rica de outro”, afirma o comandante Soares.

O Fica Vivo procura aproximar a polícia da comunidade com atividades e melhor treinamento, além de ações sociais no local. O resultado foi positivo, ainda de acordo com o Crisp. De agosto a dezembro de 2001, houve 12 homicídios em Morro das Pedras. Nos mesmos meses de 2002, foram registradas sete ocorrências. As tentativas de assassinato caíram de 23 para 15.

O tenente-coronel Soares credita a melhoria aos programas de reciclagem a que os policiais foram submetidos, que contam com disciplinas de ciências humanas como antropologia. Além disso, a presença da força de segurança nas comunidades passou a ser mais sentida, pois foram implementados cursos de tae-kwon-do, capoeira, escolinhas de futebol e de teatro. “Percebemos que aumentando as atividades de lazer reduzimos a probabilidade de envolvimento de jovens com o crime”, analisa o comandante.

Daí sua empolgação com o projeto Juventude e Polícia, que servirá de piloto para expandir as atividades. O prazo é curto, um mês para cada batalhão, mas a idéia é tornar as atividades permanentes e levá-las para outros batalhões mineiros e para os demais estados brasileiros.


Marcelo Medeiros

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