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Convenção-Quadro para Controle do Tabaco: quem perde o quê?

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

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Convenção Quadro para Controle do Tabaco: quem perde o quê?



Assinada pelo Brasil em 2003, a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco já trouxe mudanças no dia-a-dia dos tabagistas brasileiros facilmente percebidas: as fotos contundentes nos maços de cigarros mostrando bebês prematuros e pacientes terminais de câncer são um exemplo. Primeiro tratado internacional de saúde de toda a história, a CQCT propõe medidas ainda mais incisivas, como o aumento dos impostos incidentes sobre os cigarros, as restrições ao fumo em locais públicos e ambientes de trabalho e proibição de propaganda e promoção. A indústria do tabaco não engole fácil o documento. Um forte lobby  quer protelar a votação da ratificação do tratado no Senado, alegando restrições ao plantio do fumo e ao uso do tabaco que jamais existiram no texto da CQCT. A Rets conversa com Paula Johns, 

Coordenadora da Rede Tabaco Zero, para saber detalhes do processo de ratificação da CQCT.


 

Rets - O que é a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco? O que ela prevê?

 

Paula Johns - A CQCT é o primeiro tratado internacional de saúde da história da humanidade. Foi negociada durante quatro anos pelos países membros da OMS (Organização Mundial de Saúde) e assinada pelo Brasil em 2003, logo após sua aprovação na Assembléia Mundial de Saúde. A CQCT foi assinada por 168 países e ratificada por 31 países, entrará em vigor assim que for assinada por 40 países.

 

O objetivo da CQCT é proteger as gerações presentes e futuras das devastadoras consequências sanitárias, sociais, ambientais e econômicas geradas pelo consumo e pela exposição à fumaça do tabaco.

 

As principais medidas da CQCT são:aumento dos impostos incidentes sobre os cigarros; restrições ao fumo em locais públicos e ambientes de trabalho; proibição de propaganda e promoção; substituição e diversificação de culturas; eliminação do contrabando; programas de educação e restrição do acesso de jovens ao tabaco e tratamento do fumante.

 

Rets

Como o Brasil tem se posicionado em relação às iniciativas antitabagistas?



Paula Johns - O Brasil foi uma grande liderança durante todo o processo de negociação da CQCT e presidiu as negociações, primeiro representado pelo atual Ministro Celso Amorim e depois pelo Embaixador Luiz Felipe de Seixas. O Brasil já adotou boa parte das medidas previstas na CQCT, como por exemplo as advertências nos maços e a proibição de descritores light ou baixos teores. Ou seja, a ratificação da CQCT não vai exigir mudanças na legislação nacional e sim permitir que o Brasil faça parte das Conferências das Partes que definirão protocolos, financiamento entre outros aspectos referentes a implementação da Convenção.

 

Rets

Aconteceu, no último dia 15, uma audiência pública no Senado sobre a Convenção-Quadro. O que aconteceu na audiência e quais foram os seus resultados?



Paula Johns - A audiência foi convocada pelo Senador Sérgio Zambiasi a pedido de "representantes" dos produtores de fumo da região sul que concentra praticamente 90% da produção do país. O resultado foi que a indústria do tabaco conseguiu protelar a votação do texto da Convenção no Senado, que era o que pretendia desde o início ao requerer a audiência no senado.

 

O Brasil é um país estratégico no contexto global da produção e consumo de tabaco e tanto a BAT (cuja subsidiária no Brasil é a Souza Cruz), quanto a Philip Morris estão muito interessadas no que acontece por aqui. Ao fazer com que a grande liderança durante as negociações atrase a ratificação da Convenção-Quadro a indústria consegue passar uma imagem de enfraquecimento do alcance do tratado que pode ter um efeito dominó negativo na região.

 

As evidências a favor da ratificação foram bem embasadas e contundentes, porém, a impressão que ficou é que as cartas estavam marcadas e que o resultado seria o adiamento da votação e que o texto voltaria para relatoria, que já havia emitido um parecer favorável, independentemente da força e clareza dos argumentos apresentados.

 

Rets

A indústria tabagista está alarmada com este tratado, apesar de não haver nenhum item no documento referente à proibição de plantio do fumo
ou ao cigarro. Como a indústria está se articulando em torno do lobby contra a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco?


Paula Johns - A Afubra (Associação dos fumicultores do Brasil), uma das principais articuladoras do lobby no Congresso, foi criada pela própria indústria do tabaco em 1984 com o objetivo de se contrapor a medidas e ações de controle do tabaco. Em resumo, a Afubra se utiliza da legitimidade e apelo do fumicultor, o elo mais frágil da cadeia produtiva do fumo, para defender os interesses de uma indústria predatória que comprovadamente mentiu por mais de 50 anos sobre os efeitos do consumo do tabaco.


 

Segundo informações de agricultores da região fumageira, no Rio Grande do Sul os produtores de fumo são abordados da seguinte forma: a Convenção-Quadro quer proibir o plantio de fumo, você deve assinar esse abaixo assinado senão perderá sua fonte de renda.

 

Está sendo instaurado um pânico totalmente descabido entre os fumicultores na região, e o tratado - que inclusive prevê subsídios para o fomento a alternativas à fumicultura para os agricultores que desejem deixar de plantar fumo - está sendo completamente distorcido. Além disso, até que a Convenção-Quadro comece a impactar o mercado de folhas de fumo mundial mais de uma década se passará.

 

Rets

E como o governo brasileiro está reagindo a esta pressão?



Paula Johns - É importante parabenizar o posicionamento do Ministro da Saúde, Humberto Costa que, apesar de estar sendo pressionado por vários setores do governo (inclusive pelo Chefe da Casa Civil José Dirceu), se mantém firme na missão de esclarecer o que a Convenção-Quadro realmente pretende. Em seu pronunciamento durante a audiência pública o Ministro esclareceu os objetivos do tratado e deixou claro para quem "pôde" ou "quis" ouvir que apresentar a Convenção-Quadro como algo contra o fumicultor ou prejudicial a economia é absolutamente falacioso.

 

Por outro lado é importante denunciar que outros setores do governo continuam se rendendo ao lobby da indústria do tabaco assim como fizeram ao editar a MP 118, que liberou a publicidade de cigarro na Formula I em 2003.

 

Rets

Quais as consequências do tabagismo para o país, em termos de saúde pública?

Paula Johns - Duzentas mil mortes anuais e gastos que ultrapassam de longe o que é arrecadado em impostos. O Banco Mundial estima que as perdas econômicas causadas pelo tabagismo atingem 200 bilhões de dólares/ano. Hoje, controle do tabaco é parte da agenda de desenvolvimento preconizada pela ONU.

 

Rets

Como as entidades da sociedade civil estão participando da discussão da Convenção-Quadro? Havia uma presença significativa de organizações na audiência do dia 15?



Paula Johns - Havia um presença significativa de pessoas do Rio Grande do Sul contra a Convenção-Quadro, inclusive prefeitos de municípios fumicultores e representantes de entidades de classe com pouca legitimidade entre os agricultores.

 

Dentre os defensores da CQCT havia alguns representantes da área da saúde, alguns ex-fumicultores, entidades que trabalham em defesa dos direitos humanos e que estão trabalhando no sentido de denunciar os contratos de trabalho feitos entre a indústria do tabaco e os fumicultores.

 

Em diversidade e qualidade de argumentos, os defensores da CQCT tiveram uma participação de maior impacto, em quantidade de pessoas e poder de influência é o lobby da indústria que está na frente.

 

 

Rets - Que iniciativas devem ser tomadas para lutar contra o lobby da indústria de tabaco e pressionar o governo a agilizar a assinatura do tratado? Há alguma forma de as pessoas participarem deste processo, mesmo à dsitância? Há alguma campanha em andamento?


Paula Johns - É importante que o tema não fique demarcado como um debate entre a saúde e os produtores de fumo, como vem sendo feito, principalmente pela mídia no Rio Grande do Sul, onde o lobby é mais forte. Para que isso aconteça é fundamental o envolvimento de outras organizações da sociedade civil organizada, com destaque para as organizações ambientalistas. A briga não é entre saúde e economia, e sim entre o interesse público e o poderoso lobby das transnacionais do tabaco.

 

Todas as pessoas e organizações interessadas em apoiar essa causa, seja assinando nossas petições online ou se cadastrando enquanto entidade ou ativista, podem acessar o site www.tabacozero.net ou enviar uma mensagem para tabacozero@redeh.org.br .

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