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Previsão do tempo: incerto

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets





Previsão do tempo: incerto


"Os impactos do aquecimento global são tais que eu não hesito em descrevê-lo como uma arma de destruição em massa". A frase é do cientista britânico especializado em questões climáticas John Houghton, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) - instância das Nações Unidas que é referência para o mundo todo quando o assunto é o clima e suas alterações. Porém, mesmo com toda a autoridade que o cientista demonstra ter no tema, sua afirmação - ao mesmo tempo vaticínio e alerta - parece não ser ouvida por uma parcela decisiva de quem tem o dever de fazer algo para deter o crescimento dessa "arma": governantes, em especial os de países desenvolvidos. E, a julgar por fatos recentes, chuvas e tempestades ainda estão por vir.

No início de setembro, foi divulgada a prévia de um estudo sobre o Ártico, que aponta que a temperatura na região está crescendo mais rápido do que no resto do planeta. A conseqüência mais direta é o derretimento de geleiras árticas e, por conseguinte, a elevação dos níveis dos mares. As conseqüências indiretas, no entanto, são imprevisíveis e podem se manifestar em todo o planeta. (A íntegra do levantamento, de cuja elaboração participaram 600 especialistas, será divulgada em novembro, mesmo mês em que os países árticos - Estados Unidos, Rússia, Canadá e países nórdicos - se reunirão na Islândia e discutirão o assunto.)

Também no início deste mês, no dia 9, o Ministério da Indústria e da Energia da Rússia solicitou mais estudos sobre a proposta para a ratificação do Protocolo de Quioto, argumentando que a adesão ao documento poderá prejudicar a economia do país. O Protocolo de Quioto é o mais importante acordo internacional voltado para reduzir as emissões globais de dióxido de carbono (CO2), o principal gás causador do efeito estufa, e toda vez que o governo russo toca no assunto - seja ameaçando retroceder ou ratificar o Protocolo - ambientalistas e governantes do mundo inteiro ficam a postos.

A apreensão tem motivo: a ratificação da Rússia tem um peso mais que simbólico: é decisivo. Se o país ratificar, estarão satisfeitas todas as condições e o Protocolo de Quioto poderá entrar em vigor. (Para entender melhor o processo, leia o box ao lado.) Se refutar o documento, dificilmente o acordo será implementado, uma vez que os EUA, atualmente o principal poluidor mundial, já adiantaram - em 2001, quando o atual presidente norte-americano, George W. Bush já estava no poder - que não vão aderir. Segundo Bush, a redução das emissões de gases causadores do efeito estufa comprometeria o desenvolvimento econômico do país.

Paralelamente, o que se tem visto é uma cada vez mais imprevisível ocorrência de fenômenos como enchentes, furacões, ressacas e secas com freqüência e incidência pouco usuais. Um dos exemplos mais significativos é o fenômeno que atingiu a região sul do Brasil em 28 de março deste ano. Não só porque cientistas tinham diferentes opiniões sobre como classificá-lo - furacão, ciclone extratropical, furacão extratropical, tempestade tropical -, mas também porque esta foi a primeira vez que um fenômeno deste tipo atingiu o Brasil.

Ou seja, enquanto alguns países dão as costas para o esforço de diminuir os efeitos da ação humana sobre o aquecimento global e enquanto ganha-se tempo solicitando novos estudos que comprovem (mais e mais vezes) essa causalidade, o planeta sofre, os riscos crescem e o clima e os ânimos esquentam.

A alegação de que não é comprovada a relação da ação humana com o aquecimento do globo é a justificativa de alguns países para a não adesão ao Protocolo de Quioto. Fábio Feldmann, secretário-executivo do Fórum de Mudanças Climáticas, explica por quê: "O problema da ciência que estuda as mudanças climáticas é o fato de a humanidade conhecer tão pouco sobre o assunto. As variáveis são muitas, não existe uma linearidade de causa e efeito. Assim, qualquer tentativa de previsão é quase especulação", explica o advogado ambientalista. No entanto Feldmann afirma que o que se observa é um desequilíbrio nos padrões de ocorrência de fenômenos naturais. "Uma das coisas que temos visto, por exemplo, é que não chove onde chovia, nem com a mesma freqüência", diz.

A coordenadora da área de Mudanças Climáticas do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (IVIG, ancorado na Coppe/UFRJ, com o apoio da Faperj), professora Suzana Ribeiro, concorda que estudar as alterações repentinas nos fenômenos climáticos é uma atividade difícil e pouco desempenhada. "Porém algumas coisas são fatos: houve aumento do dióxido de carbono (CO2) na atmosfera e quanto a isso não é necessário mais estudo", aponta. "O que há é uma discussão em relação ao balanço. Quanto de CO2 a Terra consegue absorver e que medidas são necessárias para que consiga absorver mais ainda. Outra coisa que se discute é que tipo de influências essa maior concentração de CO2 vai causar e em que regiões", explica.

Justamente essa dificuldade de se encontrarem certezas no estudo das mudanças climáticas é que dá margem ao questionamento da eficácia da redução de emissões de gases que causam o efeito estufa. Ou seja, é o que permite que alguns governantes digam não ao Protocolo de Quioto.

No entanto a alegação não encontra eco em diversas pesquisas que vêm sendo publicadas. O já citado estudo sobre o aquecimento do Ártico é apenas mais um a demonstrar que as mudanças climáticas tendem a se intensificar. Porém, desde que foi criado, em 1988, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, vem realizando estudos e relatórios que analisam o quanto as atividades humanas influenciam as condições da natureza e a ocorrência de fenômenos naturais. A previsão do órgão da ONU é que até 2100 a temperatura média da Terra cresça de 1,4 a 5,8 graus. Além disso, a instituição já demonstra claramente que a humanidade tem responsabilidade nisso. "O IPCC já fez três grandes relatórios sobre o assunto, em 1990, em 1995 e em 2001. E, enquanto em 1990 o documento produzido falava em 'possibilidades' de o planeta vir a ter alterações climáticas por causas antropogênicas, o último grande relatório, o de 2001, diz que é certo que as atividades humanas têm implicações nas alterações climáticas", assinala Rachel Biderman Furriela, uma das coordenadoras do Observatório do Clima - Rede Brasileira de Organizações Não-Governamentais e Movimentos Sociais em Mudanças Climáticas.

De fato, o relatório de 2001 do IPCC está recheado de frases como: "Os crescentes custos socioeconômicos relacionados a estragos causados pelo clima e suas variações sugerem uma cada vez maior vulnerabilidade às mudanças climáticas"; e "Alterações observadas em climas regionais afetaram muitos sistemas físicos e biológicos, e já há indicações preliminares de que sistemas sociais e econômicos foram afetados". (O resumo do relatório está disponível na área de Downloads desta página.)

Porém o seguinte trecho é um dos mais ilustrativos: "As atividades humanas aumentaram a concentração atmosférica de gases que causam o efeito estufa e os aerossóis desde a era pré-industrial. Os gases causadores do efeito estufa atingiram seus níveis mais altos já registrados nos anos 90, basicamente devido à queima de combustíveis fósseis, agricultura e mudanças no uso da terra". Além de indicar concretamente atividades que proporcionam o efeito estufa (e, conseqüentemente, a elevação da temperatura), todas as atividades citadas são de origem humana. Ou seja, o relatório do IPCC deixa claro que as alterações no clima testemunhadas nos últimos anos têm, sim, causas antropogênicas.

Mais do que a ocorrência incomum de fenômenos naturais que desmantelam casas, devastam cidades inteiras ou tornam submersas regiões costeiras, as alterações nos padrões do clima têm também impactos na agricultura. Na semana passada, o Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), da Unicamp, publicou um estudo em que prevê que, se continuar o aumento da temperatura do planeta do modo como vem acontecendo, o estado de São Paulo, sozinho, corre o riso de perder 52% de sua produção cafeeira. "Já levantamos os dados em relação a soja e milho, e podemos dizer que as condições e os riscos dessas culturas são muito semelhantes aos da produção cafeeira", afirmou à Rets o professor Hilton Silva Pinto, um dos responsáveis pelo levantamento.

Se está cada vez mais provado que a interferência humana tem conseqüências literalmente catastróficas no clima, por que as nações relutam em se juntar ao esforço mundial de redução na emissão de CO2? Os custos para as economias dos países desenvolvidos são a resposta. O Protocolo de Quioto é o principal acordo mundial sobre o assunto e o mais passível de se tornar realidade. Mas se e quando o documento entrar em vigor e os países desenvolvidos tiverem que efetivamente diminuir suas emissões de gases nocivos à camada de ozônio, isso implicará não só a taxação de indústrias, mas de matrizes energéticas inteiras, que são em sua maioria baseadas em combustíveis fósseis. Do contrário, os países teriam que implementar energias limpas que, até ganharem escala, deverão ter seus custos de implementação absorvidos. Ou seja, qualquer mudança no atual sistema de produção industrial e de geração de energia dos países significa encarecer esses processos.

Assim, enquanto os países tentam resolver o dilema altos custos X desenvolvimento sustentável, o alerta é que algo precisa ser feito, o mais cedo possível. "Já há estudos que apontam até a possibilidade de savanização da Amazônia", exemplifica Fábio Feldmann. "Para se ter uma idéia, nem o Protocolo de Quioto é suficiente. Ele é simplesmente o que foi possível acordar com os países naquele momento, em 1997. As mudanças têm que ser maiores e mais abrangentes", diz Rachel Biderman. "A redução na emissão de gases nocivos é extremamente necessária. Por mais que sejam incertos os impactos do aquecimento global, se acontecerem, serão tão grandes que não justifica não fazer nada e deixar acontecer", finaliza a professora Suzana.

Aos cidadãos, além de cobrar de governantes a adoção de tecnologias limpas, resta esperar que os ventos soprem a favor.

Maria Eduarda Mattar

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