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Intolerância intolerável

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Novidades do Terceiro Setor

O Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) pretende fazer uma denúncia à Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a intolerância religiosa no Brasil, em especial na mídia e no sistema educacional. O anúncio foi feito pelo coordenador do Ceert e da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo, Hédio Silva Jr., durante o lançamento da Campanha em Defesa da Liberdade de Crença e contra a Intolerância Religiosa. A denúncia será formalizada por meio de um documento a ser entregue ao relator da ONU para o Direito à Liberdade Religiosa, Abdelfattah Amor, com um relato de violações ocorridas no país. A entidade pretende ainda discutir um projeto de lei que regulamente um direito estabelecido pela Constituição Federal em seu artigo 5º: "ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa".

A campanha foi anunciada durante o seminário "Desafios das Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial", organizado pelo Ceert em São Paulo, de 21 a 23 de setembro. Como primeira iniciativa, foi apresentada uma cartilha que será um instrumento de apoio a sacerdotes religiosos e de sensibilização da sociedade – particularmente de educadores e formadores de opinião. A publicação é um ponto de partida para que o tema ganhe visibilidade. Outros materiais estão sendo elaborados, como folders, cartazes e vídeos, explicando os riscos da intolerância e o significado da liberdade de crença. "Nossa idéia é que essa discussão se amplie nacionalmente, por isso também vamos promover debates regionais em vários estados, chamando outros interlocutores", diz Bel Santos, coordenadora de Educação do Ceert.

O resultado disso poderá ser uma proposta de legislação a ser encaminhada ao Congresso Nacional, a exemplo do que já foi adotado em países como Portugal e Espanha, onde, segundo a organização, são garantidos às religiões ditas minoritárias os mesmos direitos das majoritárias. Uma das críticas feitas pelo Ceert é de que o poder público não deveria manifestar apoio a nenhum credo. "O Estado é laico. Portanto não deveria financiar colégios católicos, por exemplo. Não é certo favorecer uma escola de uma confissão religiosa. Somos contra isso, como também somos contra o ensino religioso nas escolas públicas", afirma Bel. "O menino que faz a crisma pode levar a vela da cerimônia para a escola, mas o menino iniciado no candomblé vai ser vítima de chacota", indigna-se.

A campanha também vai fornecer apoio à preparação de ações judiciais que busquem assegurar a liberdade de crença, questionar a exclusão das religiões afro-brasileiras da disciplina de ensino religioso e interpelar emissoras de rádio e televisão que veiculam conteúdo difamatório contra as religiões afro-brasileiras.

A despeito da ênfase em violações cometidas contra religiões afro-brasileiras, a campanha pretende ser bastante abrangente. "Queremos abordar todo tipo de intolerância religiosa. Os cultos afro-brasileiros têm sido os mais atingidos, mas esse trabalho abrange as crenças indígenas, o islamismo, o espiritismo, a religião judaica e todas aquelas que historicamente têm sido vítimas de intolerância", explica.

O Ceert alega que, embora o Brasil tenha ratificado a Convenção Internacional da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, o país tem permitido a propagação de um discurso preconceituoso de algumas religiões contra outras.

Criado há 14 anos, inicialmente para atuar no apoio aos sindicatos na defesa da igualdade de tratamento no mercado de trabalho, o Ceert transformou-se com o decorrer do tempo. "Percebemos que era preciso também educar para o combate ao racismo e passamos a atuar nas áreas de educação e saúde e contra a discriminação religiosa", esclarece Bel. "Esse é um processo que estamos desenvolvendo nos últimos dois anos".

Fausto Rêgo

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