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Fundeb: discussão básica da educação

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets





Fundeb: discussão básica da educação


No dia 22 de setembro, 1.200 pessoas ligadas à área educacional compareceram a salas e auditórios anunciados dias antes pelo Ministério da Educação (MEC) para assistirem à Teleconferência Nacional sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Somam-se a isso todos os indivíduos que captaram a teleconferência via antena parabólica, TV por assinatura e Internet nas suas escolas, casas, instituições etc. Tratava-se de um dos pontos altos do processo de mobilização e debate com a sociedade sobre o novo fundo, que pretende aprimorar o criticado e restrito Fundef (Fundo do Ensino Fundamental), atendendo de forma homogênea a todos os níveis e modalidades da Educação Básica.

O processo de mobilização de organizações, redes, professores, cidadãos e cidadãs é encabeçado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que vem negociando constantemente com o MEC e foi quem propôs a realização de uma teleconferência - uma vez que audiências públicas estaduais sobre o Fundeb seriam inviáveis e demoradas. "O debate junto à sociedade está sendo híbrido. A teleconferência é parte de um processo de consulta que deve incluir também debates estaduais", explica a coordenadora da Campanha, Denise Carreira.

De qualquer maneira, a forma - presencial ou à distância - não é o centro da questão. O primordial nesse processo todo é que os espaços de debate estão sendo criados e que, ainda mais importante, a sociedade está participando. "A lista de auditórios do MEC onde seria exibida a teleconferência saiu no dia anterior. E, mesmo assim, 1.200 pessoas compareceram a estas salas. Fora as pessoas e entidades que captaram o sinal por conta própria", aponta Denise. Mais do que simplesmente acompanhar a criação de um novo Fundo, as pessoas ligadas à área de educação estão conseguindo apontar insuficiências, questionar assuntos pouco claros e propor tópicos. "A mobilização de indivíduos e entidades não está como pretendíamos. Poderia ser maior, sempre pode. Mas, com certeza, está maior do que quando foi criado o Fundef, quando quase não houve discussão com a sociedade", aponta Vivian Melcop, secretária executiva da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

Corrigir distorções...

O Fundeb - cujo texto final, segundo o MEC, deve estar pronto no final de outubro - será criado em substituição ao Fundef, fundo criado em 1998 e atualmente em vigor, que recebe duas grandes críticas. A primeira delas é a priorização do Ensino Fundamental que o Fundef provoca, causando uma distorção grande entre as verbas destinadas a este nível e as verbas destinadas aos níveis médio e infantil. A explicação é simples: o Fundef é um fundo estadual, dividido entre os municípios de acordo com o número de alunos matriculados em cada um deles. Anualmente, é feito um cálculo de custo por aluno. Cada município saca do Fundef (que recebe as receitas de determinados impostos recolhidos pelo estado) o valor equivalente à multiplicação deste custo por aluno pelo número total de alunos matriculados. Ou seja, quanto mais alunos matriculados no Ensino Fundamental (de 1ª a 8ª série), mais recursos podem ser sacados do fundo.

Por isso os municípios vêm dando prioridade ao Ensino Fundamental, estimulando as matrículas neste nível, direcionando os recursos municipais para estimular este nível de escolaridade etc. Isso se traduz em números: segundo dados da Secretaria de Educação Básica, na Educação Infantil apenas 18,5% da população até seis anos é atendida nas escolas públicas municipais e estaduais; no Ensino Fundamental, 97% das crianças de 7 a 14 anos estão matriculadas e, no Ensino Médio, cerca de 40% dos jovens de 15 a 17 anos são atendidos.

A segunda crítica comum é o não cumprimento da lei que criou o Fundef. E para entender isto é preciso retomar a explicação sobre o cálculo de custo por aluno: existe um parâmetro nacional, calculado anualmente, abaixo do qual não pode ficar o valor por aluno/ano nos estados. Quando isso acontece, a União complementa, seguindo uma fórmula presente na lei que criou o Fundef. O problema é que a própria União vem burlando a norma, realizando um outro cálculo. Assim, o valor-parâmetro, que hoje é de R$ 530, poderia, de acordo com a coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ser de R$ 800, se fosse seguida a fórmula presente na lei. "Várias classes de educação de jovens e adultos foram fechadas porque os recursos dos municípios iam para o ensino fundamental", relembra Denise Carreira.

...e ampliar o acesso à educação

Assim, o Fundeb já está sendo gestado com a responsabilidade de aprimorar estes pontos negativos do fundo anterior e, tão ou mais importante, garantir o acesso à Educação Básica nos seus três níveis (Infantil, Fundamental e Médio) e suas cinco modalidades transversais (educação indígena, educação especial [direcionada a pessoas com necessidades especiais], educação de jovens e adultos, educação profissional e educação do campo). No entanto, nesse processo de discussão e de formação do texto final de criação do Fundeb, algumas questões ainda precisam de consenso.

Por exemplo, a proposta de retirada das creches do conjunto que receberá os recursos do Fundeb - defendida pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), que congrega os secretários estaduais da área - e a tentativa de inclusão das universidades estaduais entre as instituições que poderão receber a verba do Fundo. Rita Coelho, do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (Mieib), acredita que o levantamento destas duas possibilidades é perigoso para a própria noção de Educação Básica. "A proposta do Fundeb é aprimorar os mecanismos de financiamento do Fundef. O espírito do Fundeb é reconhecer que a Educação Básica é o nível constitutivo da cidadania para todos, é um direito de todos. Quando, em nome de aprimorar, você exclui, existe uma questão mais séria do que financiamento. Volta a ser uma questão de direitos. É um problema maior para a própria concepção de direito à educação", esclarece. Segundo Vivian Melcop, a Undime também defende a permanência das creches entre as atendidas pelo Fundeb.

A retirada do atendimento de crianças até três anos (creche) do Fundeb foi uma das maiores preocupações durante a teleconferência do dia 22, recebendo comentários negativos por parte da grande maioria dos participantes. Destaque para o debate ocorrido em Mato Grosso do Sul (que teve recorde de público, recebendo 200 pessoas no auditório onde aconteceu a teleconferência), Ceará, Bahia, Goiás, Alagoas e Paraná, estados onde a atenção à inclusão das creches entre os contemplados pelo Fundeb foi bastante explícita e figura nos documentos gerados ao final dos respectivos debates (os documentos estão disponíveis no site da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, cujo endereço está na área de Links Relacionados desta página).

Financiamento: a prova final

Porém a maior discussão sobre o desenho do Fundeb se dá no quesito origem dos recursos. Todas as instituições que vêm participando do debate sobre o fundo destacam a importância de se criarem novas formas de aportar recursos, pois aqueles que hoje em dia são destinados à Educação Fundamental (e que já não são suficientes para atender a todos os estados e municípios) seriam ainda menos suficientes para atender às demandas geradas por toda a Educação Básica. Atualmente, são atendidos pelo Fundef 32 milhões de alunos. Com a criação do Fundeb, a previsão é de que sejam atendidos mais de 47 milhões de alunos, matriculados na educação infantil, no Ensino Fundamental e Médio das redes municipais e estaduais.

"Esse é o principal ponto de questionamento: de onde virão os novos recursos tão necessários? Até há de onde tirar recursos, com a devolução para a Educação da verba retirada em função da Desvinculação das Receitas da União. Mas, mesmo assim, faltará", explica Denise Carreira.

Segundo cálculos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o MEC precisaria garantir R$ 5 bilhões. "Porém o órgão sinaliza com apenas R$ 1,2 bilhão", diz Denise. Segundo Vivian, da Undime, a questão do financiamento vai depender também do estabelecimento dos valores por aluno/ano para cada nível e modalidade. A entidade já encomendou um estudo sobre o assunto, que será apresentado em reunião com o MEC e o Consed, a ser realizada, ao que tudo indica, neste mês de outubro, em Brasília.

Segundo Rita, do Mieib, "além do problema do comprometimento do próprio conceito de Educação Básica caso as creches sejam retiradas do Fundeb, o mais sério é a insuficiência dos recursos que a União vai colocar para complementar o orçamento dos estados e municípios. Não adianta mexer no divisor quando o problema é o dividendo". A Rets procurou a Secretaria de Educação Básica do MEC para comentar o assunto, mas o titular do cargo, secretário Francisco das Chagas Fernandes, estava de férias. Nenhum(a) assessor(a) respondeu em seu lugar.

Mobilização: a resposta certa

Ou seja, a questão do financiamento promete ser a de maior discussão e polêmica nesta reta final de ajustes sobre o Fundeb. Mas o que de principal se pode extrair de todo este processo é a participação positiva da sociedade civil organizada e dos trabalhadores da área na construção de um modelo o mais completo possível de financiamento e gestão da educação. "Esta proposta não pretende ser uma panacéia. Não responde, por exemplo, a questão do financiamento da educação, mas possibilita uma nova organização administrativa, institucional e sindical que seguramente fortalece o setor educacional ampliando as possibilidades de luta por uma educação melhor, na medida em que congrega, ao invés de dividir e isolar como faz a estrutura atual", informa a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), em nota de esclarecimento.

Vivian concorda: "Ainda há questões a serem acertadas. Muita coisa vai depender do aporte financeiro da União, e é preciso achar um meio-termo. E isso só vai ser possível com a participação e a pressão da sociedade". Para Rita, "os movimentos sociais têm feito um esforço muito grande para participar do debate. Deveria ser interesse também do governo debater mais a questão. É útil para a União", defende. E Denise resume: "Mais do que financiamento e da garantia da Educação a todos, a criação do Fundeb mexe com questões de dar um salto de qualidade. Por isso é importante que as organizações possam se apropriar do debate, para se encontrar uma solução adequada, com participação efetiva".

Maria Eduarda Mattar

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