Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Artigos de opinião
Rodrigo Vieira de Ávila*
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A dívida pública é o centro dos problemas nacionais. A maioria dos recursos públicos tem sido destinada ao pagamento dos juros escorchantes dessa questionável dívida, impossibilitando a realização de investimentos promotores de crescimento econômico ou o desenvolvimento das políticas sociais. As conseqüências são graves para toda a sociedade. A evidência mais recente é a falta de recursos para um salário mínimo digno, mas encontram-se comprometidos todos os serviços essenciais de saúde, educação, segurança, moradia, saneamento, reforma agrária, infra-estrutura e demais serviços públicos.
Para termos idéia de como a dívida impede a resolução dos mais graves e urgentes problemas nacionais, mostramos na tabela abaixo que, de janeiro a julho de 2004, o governo federal gastou, com a soma de todas as áreas sociais selecionadas, uma quantia menor que a destinada ao superávit primário, que significa a parcela do orçamento destinada ao pagamento da dívida pública, cujo maior credor é o sistema financeiro nacional e internacional.
Governo Federal - Relatório Resumido da Execução Orçamentária – 2004 (R$ mil)
Itens Selecionados | Realizado até julho |
Segurança Pública | 1.034.317 |
Assitência Social | 7.348.103 |
Saúde | 16.490.612 |
Educação | 5.985.683 |
Cultura | 89.154 |
Urbanismo | 304.156 |
Habitação | 70.909 |
Saneamento | 973 |
Gestão Ambiental | 480.115 |
Ciência e Tecnologia | 1.013.315 |
Agricultura | 2.711.057 |
Organização Agrária | 397.451 |
Energia | 134.737 |
Transporte | 796.800 |
Total dos Gastos Sociais | 36.857.382 |
Superávit Primário Federal | 39.633.425 |
Fonte: Banco Central e Relatório Resumido da Execução Orçamentária do Governo Federal e Outros Demonstrativos (stn.fazenda.gov.br). |
No início do ano, o governo previa para 2004 um superávit primário de 4,25% do PIB (Produto Interno Bruto, que significa a soma de todas as riquezas produzidas no país durante um ano), incluindo-se aí o superávit dos estados e municípios. Esses 4,25% do PIB equivalem a aproximadamente R$ 70 bilhões de reais. Com esse dinheiro, é possível construir 14 milhões de casas populares (o que acabaria com o déficit habitacional brasileiro); ou assentar 2 milhões de famílias sem-terra (metade de todas as famílias sem terra do país); ou gerar 3,5 milhões de empregos na agricultura. Se estes R$ 70 bilhões fossem distribuídos a cada domicílio com renda de 1 a 3 salários mínimos no Brasil (22 milhões, segundo a PNAD/IBGE), seria possível aumentar o salário mínimo destes trabalhadores para R$ 425 (ou seja, um aumento de 63% frente aos R$ 260 atuais).
Mas o superávit primário não ocasiona apenas a redução dos gastos sociais. A falta de gastos públicos impede o crescimento econômico e aumenta o desemprego, pois se não são realizadas obras públicas altamente empregadoras, tais como escolas, hospitais, projetos de saneamento básico ou de habitação popular, não são gerados postos de trabalho e a economia não cresce. Ao contrário do que sugere o discurso governista, os atuais níveis de desemprego ainda se encontram maiores do que no último ano de FHC e, como reflexo desta opção de política econômica, a renda dos trabalhadores ainda está 15% inferior a 2002. Enquanto o governo brasileiro não se cansa de dizer que a política de superávits é a única possível, os países do Primeiro Mundo – que, curiosamente, nos receitam esta política de superávit primário – praticam contínuos déficits orçamentários, para induzir o crescimento econômico interno.
Mas o governo brasileiro ainda quer mais. No mês passado, anunciou que aumentará ainda mais este superávit, de 4,25% para 4,5% do PIB! Esse aumento reduzirá os gastos deste ano do governo federal em cerca de R$ 4,3 bilhões, o que representa quase duas vezes o orçamento federal da reforma agrária. Lembremos também que R$ 4 bilhões eram o dispêndio alegado pelo governo para a concessão de um salário mínimo de R$ 300. Por que há R$ 4 bilhões para o superávit, mas não há para o salário mínimo? Até quando seguiremos sem questionar uma dívida que nos massacra? Até quando iremos ignorar as grandes ilegalidades que marcaram nosso processo de endividamento, que deveriam ser alvo de auditoria, conforme prevê a Constituição Federal?
*Rodrigo Vieira de Ávila é economista da Campanha Auditoria Cidadã da Dívida e co-autor do Caderno para Discussão “Superávit Primário”, do Fórum Brasil do Orçamento.
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