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Encantando Minas

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor

Vem ouvir meu canto,
deixa eu te encantar,
deixa por enquanto
e vem se entregar
Sem quebrar o encanto
deixa eu te embalar (...)
Vamos reunir gente
para cantar (...)
Celebrar a vida,
ver nosso lugar,
como quem no mundo,
vem participar






Encantando Minas


Os versos acima são parte da música “Cantiga de Encantar”, de Cleusa Bernardes e Marco Aurélio Querubim. Já foram cantados mais de 200 vezes em apresentações feitas pelas crianças e pelos adolescentes que integram o Projeto EmCantar, que ministra oficinas para 450 alunos de escolas públicas de Uberlândia e Araguari, cidades do Triângulo Mineiro. O projeto busca dar lições de cidadania, respeito ao meio ambiente e valorização da cultura local não só a quem está sentado nos bancos escolares como também aos professores. Tudo isso de forma integrada.

Cinqüenta mestres de dez escolas participam de oficinas a cada 15 dias, durante um ano. Elas têm caráter de pós-graduação, apesar de não serem reconhecidas como tal, e compõem o Programa Educando. O programa é uma oportunidade de atualização na qual os professores aprendem a ministrar novos conteúdos de forma criativa, de modo a envolver e entusiasmar os alunos e a comunidade em torno das escolas.

Tudo o que é aprendido nessas aulas ministradas pela equipe do EmCantar é aplicado em três escolas, onde são desenvolvidas “oficinas de criatividade” semanalmente. O objetivo é ampliar logo o número de estabelecimentos de ensino atendidos.

Nas oficinas, lições de respeito ao meio ambiente e de valorização da cultura local são ensinadas por meio de brincadeiras de rodas. “Queremos disseminar as pequenas ações, a cultura do respeito ao próximo, a percepção musical”, explica Marcelo Mamede, um dos integrantes do projeto. Para atingir esse objetivo, o planejamento das atividades foi dividido em três núcleos inter-relacionados: ambiental, estudo e pesquisa popular e musical.

Música

Dos três, o mais visível é o musical. “Mas é bom lembrar que isso não quer dizer que seja o mais importante”, faz questão de ressaltar o coordenador do núcleo, Ênio Bernardes. Ele explica que o uso de canções é muito importante para a formação humana das crianças e jovens por causa da integração que proporciona. Por isso não há propriamente aulas de música, mas sim atividades nas quais é preciso cantar e tocar instrumentos. “Temos vivências, não aulas. Cantar está na dinâmica das oficinas”, diz Bernardes.

Dessas vivências saem alguns multiplicadores, alunos que se destacam e mostram interesse em dar continuidade ao trabalho desenvolvido pela equipe de músicos da organização. A formação dura, de acordo com Bernardes, ao menos dois anos. São eles que formam os corais, que se apresentam em hospitais, escolas e empresas com grande sucesso. No site do EmCantar, por exemplo, está registrado o depoimento da professora da faculdade de Educação da Universidade Federal da Rio de Janeiro (UFRJ) Elenir Moraes. “Não consigo encontrar palavras para descrever o que o show de vocês provoca em nós”, escreveu ela.

Os dois corais, um com os alunos mais experientes de Uberlândia e outro com os de Araguari, já fizeram 280 apresentações. “Esperamos chegar a 300 no começo de 2005”, diz Mamede. O trabalho não pára por aí. Os meninos e meninas já gravaram dois CDs e participaram das gravações de outros intérpretes, como o grupo Trem de Minas e Dércio Marques. O primeiro disco próprio, “Encantar”, foi gravado em 1999 e está esgotado. Nele está a música que abre esta matéria e outras 19. O seguinte, “Mutirão”, veio quatro anos depois e reúne apenas composições próprias. Músicas de ambos os discos estão disponíveis no site do EmCantar.

A gravação mostra a evolução do trabalho. Se em “Encantar” foram contratados músicos para compor a base instrumental da obra, “Mutirão” foi feito exclusivamente com pessoas envolvidas no projeto. As músicas passam mensagens ecológicas e retratam pequenos fatos da realidade local.

Cultura

A mesma temática é utilizada nos documentários e animações feitos pelo núcleo de cultura. Desde 2001 foram produzidos seis curtas-metragens, todos abordando personagens das cidades ou acontecimentos culturais. Um deles, “Vida de...Lixo de...”, que conta um pouco do cotidiano de Nair, uma catadora de lixo de Uberlândia, foi selecionado para exibição na quarta edição do Festival de Cinema Ambiental (Fica), realizado em Goiás, em 2002. O filme foi dirigido por Wantuir Alves, cineasta local que se baseou nas pesquisas feitas pelo núcleo para filmar e montar a história. São tantas pesquisas que Francieli Diniz, coordenadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa Popular, pretende publicá-las em breve.

Outro exemplo de retrato da realidade é “Reis de Contas”, mais um documentário produzido pelo EmCantar. Ele aborda o movimento de congada mineiro. A congada é um cortejo em homenagem a santos bastante comum em Minas Gerais e no Espírito Santo. Ela envolve dança e percussão. E há ainda os desenhos animados feitos pelas crianças, também disponíveis para download na página do projeto. “Temos muita riqueza cultural por aqui que fica abafada pela indústria cultural. Muitas vezes a criança conhece pouco o que acontece no próprio bairro. Toda história de vida vale a pena ser contada”, diz Diniz. Tanto que todos os conteúdos das pesquisas e dos filmes são trabalhados em sala de aula pelos professores.

Meio ambiente

A conservação ambiental figura como um dos temas mais importantes. A ponto de o EmCantar criar um núcleo específico para sistematizar algo que permeia suas atividades desde o começo. Além de orientar professores e alunos por meio das oficinas, o núcleo ambiental desenvolve atividades de coleta seletiva de lixo com os alunos. Eles têm a missão de levar para a escola todo o lixo reciclável que produzem em casa e que não costuma ser aproveitado pelos catadores locais. Ou seja, latas de alumínio e embalagens de refrigerantes ficam nas residências para serem coletadas por quem trabalha com isso. Já tubos de rolos de papel higiênico e papéis velhos, por exemplo, são deixados nas escolas, que firmaram acordos com catadores que atuam na área para fazer a doação.

“Assim não prejudicamos ninguém”, comemora Mamede. A coordenadora do núcleo, Ana Paula Rabelo, diz que esse sistema foi implementado depois de perceberem que se aumentassem a variedade de produtos recolhidos poderiam prejudicar as famílias de alguns alunos. “Cometemos alguns erros no começo e, quando nos demos conta, fizemos parcerias com catadores”. Hoje há até mesmo pais de alunos recebendo o material recolhido. Que, por sinal, não é pouco. A entidade calcula que, em uma escola e duas comunidades, no primeiro semestre de 2004, cerca de 300 pessoas coletaram duas toneladas de lixo. Com isso, os dois catadores beneficiados receberam R$ 40 por mês, cada, como incremento da renda.

Agora, os próximos passos do Projeto EmCantar são a ampliação do número de escolas atendidas e a divulgação do disco “Mutirão”. Em 2005, o projeto espera ministrar oficinas em pelo menos mais dois colégios.


Marcelo Medeiros

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