Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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A pornografia infantil, por si só, já é um crime difícil de identificar. Concorre para isso o silêncio de crianças, que não sabem do que estão sendo alvo, e dos próprios criminosos, que escolhem canais e formas confidenciais de espalhar fotos e conteúdo pornográfico envolvendo crianças. Na Internet, a dificuldade é multiplicada pelas diversas formas de "disfarce" proporcionadas pela tecnologia: confidencialidade de usuários de salas de bate-papo; hospedagem de sites nos mais variados países, dificultando a identificação e prisão dos responsáveis; pouca legislação específica para crimes de informática etc. É para combater com eficácia a violência sexual contra crianças e adolescentes neste ambiente que está sendo preparado o Plano de Enfrentamento à Pedofilia e à Pornografia Infantil na Internet no Brasil.
O processo foi iniciado pela Subcomissão Temática de Enfrentamento à Pedofilia e à Pornografia Infantil na Internet (PIIn), órgão vinculado à Comissão Intersetorial de Enfrentamento ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República. Mas a intenção é que todas as instituições que lidem com o assunto participem do processo, a fim de proporem mecanismos para incrementar o número de denúncias, aprimorar a legislação nacional, facilitar a identificação de pessoas que difundem conteúdos de cunho pornográfico envolvendo crianças, entre outras formas de enfrentamento da questão. Assim, a Subcomissão é formada por, além de funcionários técnicos do governo, representantes de ONGs, da Polícia Federal, de empresas e de organismos internacionais.
A equipe preparou a versão preliminar do Plano durante a primeira reunião ordinária da Subcomissão, ocorrida nos dias 26 e 27 de agosto deste ano. A próxima etapa é fazer o documento circular o máximo possível, para recolhimento de sugestões e contribuições da sociedade, especialmente de ONGs que lidam com o tema.
Dividido em seis eixos - Análise da Situação, Mobilização e Articulação, Defesa e Responsabilização, Atendimento, Prevenção e, finalmente, Protagonismo - o plano faz um detalhamento das ações práticas a serem realizadas, incluindo, entre outros: mapeamento das redes e atores nacionais e internacionais de enfrentamento à PIIn, adequação da legislação, guia sobre PIIn direcionado a profissionais de imprensa, aperfeiçoamento do sistema de notificação e até sensibilização de pedófilos e pessoas que apreciam a PIIn. "Precisamos, agora, fazer o documento ser conhecido pelo maior número de pessoas possível, principalmente as instituições que trabalham diretamente com o tema. O plano traz propostas que podem ser levadas adiante, alteradas ou podem ser adicionadas de outras", explica Alexandre Reis, coordenador da Rede Nacional de Identificação e Localização de Crianças e Adolescentes Desaparecidos e pessoa que está à frente da Subcomissão. Ele explica que a Subcomissão não está fechada e novas organizações podem ser convidadas para participar das reuniões.
O mestre em Criminologia Internacional, especificamente na área de Pronografia Infantil na Internet, Fábio Reis acredita que o enfrentamento da questão deve ser um esforço articulado, que contemple diferentes esferas ao mesmo tempo. "O processo deve ser feito dentro do modelo co-regulatório, em que vários atores se responsabilizam por esse assunto: polícia, provedores de acesso e conteúdo, legisladores e sociedade civil organizada, pois a Internet é um ambiente muito complexo", opina.
Mas complexas também são as condições com as quais se conta para enfrentar o problema. Uma das mais importantes é a legislação brasileira, ainda escassa ao tratar do assunto, com um ritmo de mudança e atualização muito pouco adequado à velocidade do mundo dos bits e bytes. A única lei, hoje em dia, que prevê o crime de pornografia infantil na Internet é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - mesmo assim porque foi alterado no final do ano passado, depois de o Congresso Nacional aprovar um projeto de lei da senadora licenciada Marina Silva, que dava nova redação ao artigo 241 do Estatuto (especificando ser crime a veiculação de imagens pornográficas com menores de 18 anos na Internet). Já existem alguns projetos de lei, porém nada aprovado.
No mais, não existem leis de crimes de informática que possam contemplar de maneira completa a diversificada gama de ações do mundo virtual. "O grande problema que temos é a falta de leis. O problema é internacional, mas se conseguíssemos fazer um controle nacional já seria uma ótima ajuda", diz a advogada Roseane Miranda, coordenadora do site Censura.com.br. Ela vem liderando uma campanha para que sejam aprovados os Projeto de Lei 84/99 (que versa sobre crimes cometidos na área da informática e, no art. 15, fala especificamente sobre pedofilia na Internet) e 3016/00 (dedicado exclusivamente à exploração sexual de crianças e adolescentes via Internet).
"Temos que começar de algum degrau. E a criação de leis brasileiras para crimes de informática - mesmo a gente sabendo que a questão intrínseca de muitos dos agentes que difundem fotos pornográficas de crianças é o comércio dessas fotos - é o nosso primeiro degrau", afirma Roseane, que lembra que a campanha do site Censura. com.br já entregou um abaixo-assinado com 70 mil assinaturas ao Senado e continua recolhendo mais. "É uma forma de demonstrar aos legisladores que a sociedade está mobilizada", diz.
Para Alexandre Reis, é preciso aprimorar as leis no sentido de estabelecer responsabilidades dos provedores de acesso e conteúdo. "Esses serviços têm como controlar o conteúdo dos sites que hospedam. Eles podem estabelecer códigos de conduta rígidos ou tirar do ar sites que exibam esse tipo de conteúdo pornográfico. Se não existirem provedores que permitam este tipo de conteúdo, não há como ele ser veiculado. Além disso, os provedores poderiam manter seus logs [registros] de acesso por mais tempo, para podermos chegar com mais facilidade a quem divulga conteúdos pornográficos de crianças", defende. O especialista Fábio Reis concorda e vai além: "A alteração no ECA diz respeito à produção, venda, divulgação ou publicação de fotos pornográficas de crianças. Mas é preciso avançar. Precisamos que a posse de fotos com este teor seja criminalizada, que o envio de emails com estes conteúdos também receba atenção dos legisladores", diz. Para ele, é muito importante também a interação entre autoridades policiais internacionais, o que pode ser melhorado "com a criação de protocolos internacionais para o andamento de denúncias com relação ao tema".
Esse, aliás, é outro fator significativo de dificuldade da apuração dos crimes de PIIn: a extraterritorialidade. "Uma pessoa pode acessar no Brasil uma foto produzida na França, em um site hospedado na Tailândia, por exemplo. A condução da denúncia e da punição, nesses casos que são comuns, é extremamente complicada. Se a denúncia é feita no Brasil, a polícia daqui não pode fazer nada com o site que é hospedado na Tailândia", explica Samantha Xavier, vice-coordenadora executiva do Cedeca-Bahia, única ONG até agora presente na Subcomissão Temática de Enfrentamento à Pedofilia e à Pornografia Infantil na Internet.
Ela acredita que uma forma eficiente de melhorar esse processo de comunicação de denúncias para os órgãos responsáveis de outros países é criar uma representação do Brasil na Inhope, uma associação internacional de denúncias sobre más práticas na Internet cuja missão é eliminar a pornografia infantil da rede mundial e proteger crianças e adolescentes do uso prejudicial e ilegal da Internet. A Inhope tem funcionado como uma instância internacional de recebimento de denúncias. Para Samantha, "se o Brasil tiver algum representante da associação, as denúncias que forem recebidas no país podem ser repassadas ao órgão, que acionaria o seu representante no país em que o site está hospedado, agilizando o processo. Assim, não teríamos que esbarrar em burocracias que acabam debilitando um pouco o trabalho das polícias", explica.
São sugestões como estas que a sociedade civil organizada tem a oferecer - porque tem experiência em tratar do assunto - que poderão ser aportadas à versão preliminar do plano. As sugestões - tanto dos membros da Subcomissão, quanto de outras ONGs e empresas - vão ser recolhidas até o início do ano que vem, quando se pretende realizar um grande seminário nacional sobre o tema e lançar a versão definitiva do documento. Depois disso, passa-se à implementação prática do Plano. "É muito importante essa articulação, essa participação de diversos setores na elaboração do plano. O problema é amplo, complexo e de todos. A resposta ao problema, portanto, não tem que ser do governo, mas do país", enfatiza Alexandre Reis.
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