Autor original: Luísa Gockel
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Entre os direitos adquiridos legalmente pelas crianças na Constituição de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente está o de serem criadas no seio de uma família, seja esta original ou substituta. A realidade, no entanto, é bem diferente. Estima-se que existam hoje cerca de 1 milhão de crianças e adolescentes vivendo em instituições públicas, esperando pela reintegração familiar. A adoção, que seria a melhor saída para garantir uma infância digna aos pequenos, também impõe suas limitações: são elegíveis, na maioria dos casos, apenas bebês brancos de até um ano de idade. Foi tentando amenizar este quadro que o Juizado da Infância e da Juventude de Recife com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência (Unicef) lançou, no início de outubro, a Campanha Estrela Guia. O objetivo é atrair padrinhos e madrinhas que possam proporcionar as condições necessárias para o desenvolvimento dessas crianças sob a tutela do estado, provendo apoio material e afetivo.
Os abrigos públicos atendem crianças e jovens até 18 anos em situação de risco, estado de abandono familiar ou orfandade. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, o abrigo deveria ser uma medida transitória até que a criança fosse reintegrada à família original ou colocada numa família substituta, não implicando privação de liberdade. Entretanto o juiz titular da 2ª Vara da Infância e da Juventude do Recife, Luiz Carlos de Barros Figueiredo, conta que a situação desses menores é de total isolamento. "Uma criança que foi abandonada pela família provavelmente vai ficar até a maioridade no abrigo. Setenta e oito das crianças abrigadas não são redirecionadas para nenhum lugar. Como ficam isoladas do mundo e sem qualificação profissional, muitas acabam na prostituição ou no crime quando completam 18 anos. O abrigo não é lugar ideal para ninguém", alerta.
As crianças que participam do programa não têm quase nenhuma chance de serem adotadas. O juiz, que idealizou a campanha, explica que a solução encontrada para essa grande maioria desamparada – formada por crianças com deficiência, grupos de irmãos e meninos mais velhos – foi o programa de apadrinhamento. "A idéia é que a criança e o padrinho ou a madrinha passem pelo menos um fim de semana juntos de 15 em 15 dias. Mas se o padrinho não tiver disponibilidade de tempo ou só quiser ajudar materialmente, pagando um curso, por exemplo, também pode", diz Figueiredo. Algumas pessoas que vieram se candidatar para serem padrinhos se ofereceram para dar aulas de música ou de reforço. "Tudo o que vier é lucro", ressalta o juiz. Pessoas jurídicas também podem participar. "Existe um filhote da Campanha Estrela Guia que é o Criança Saudável, realizado em parceria com uma firma de seguros, que proporciona assistência médica e odontológica para as crianças, além de seguros de vida".
Para participar, os interessados devem ligar para uma central de atendimento (0800-281-2111) da campanha e agendar uma entrevista com psicólogos e assistentes sociais do juizado. Caso o padrinho seja aprovado, a equipe promove a aproximação entre o padrinho e o afilhado. "Ambos recebem instruções sobre como proceder e tentamos fazer com que a criança não crie expectativas em relação à família com a qual vai conviver, pois o objetivo da campanha não é a adoção", explica. O juiz conta, no entanto, que tem registrados mais de dez casos de adoção depois do apadrinhamento. "Apesar de não ser o foco principal, é muito bom quando acontece", reconhece. Existem hoje, segundo o juiz, entre 580 e 600 crianças abrigadas em Recife. A meta é que, até o fim do ano, metade dessas crianças seja apadrinhada.
A primeira edição da campanha foi realizada em 2002 com uma divulgação bem mais modesta. Os resultados, no entanto, surpreenderam. Por esse motivo, as expectativas são grandes para esse ano. "Várias empresas e ONGs estão participando da divulgação. Somos fracos isolados, só vamos para frente se reunirmos todas as forças. E já tem havido um retorno grande da população", diz Figueiredo. A promoção está sendo comandada pelas ONGs Centro das Mulheres do Cabo e Auçuba. "O Centro fez spots no rádio para divulgar a campanha através de um convênio com a Associação das Empresas de Radiodifusão de Pernambuco e com as rádios comunitárias. A Auçuba ficou responsável pelo vídeo, que vai ser veiculado nos canais de televisão. Fizemos uma divulgação intensa no lançamento e a imprensa compareceu em peso", conta a coordenadora de Projetos em Comunicação do Centro das Mulheres do Cabo, Fábia Lopes.
Outras iniciativas semelhantes estão sendo realizadas em várias regiões do país, como Porto Alegre, Macapá e Brasília. "Em cada cidade, o projeto é tocado por alguma entidade diferente, como ONGs, juizados ou o Ministério Público", afirma o juiz. A campanha, que recebeu a ajuda de várias organizações da sociedade civil, da iniciativa privada e do governo, é resultado, segundo o juiz, de um esforço coletivo e precisa de uma ajuda do governo federal para que seja divulgada em todo o país. "Cabem várias formas de gestão e pode ser realizada em qualquer região. Não há desculpa para não fazer", sentencia.
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