Você está aqui

Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original:

Com esta Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade declaramos nosso amor à vida e nossa admiração pela beleza do mundo.

Há muito tempo marchamos para denunciar a opressão a que somos submetidas por sermos mulheres, para dizer a todas as pessoas que detenham o poder, que a dominação, a exploração, o egoísmo e a busca desenfreada pelo lucro que trazem injustiças, guerras, conquistas e violências terão um fim.

De nossas lutas feministas e a de nossas antepassadas que lutaram em todos os continentes, nasceram novos espaços de liberdade, para nós, nossas filhas e para todas as meninas que, depois de nós, caminharão sobre a terra.

Construímos um mundo no qual se considera a diversidade como um valor, a individualidade, assim como a coletividade um enriquecimento, em que possa fluir um intercâmbio sem barreiras, onde a palavra, os cantos e os sonhos florescem. Será este um mundo livre de tabús e de temores, um mundo no qual se imporão a solidariedade, a igualdade, a liberdade e a paz. Um mundo que, com nossa força, somos capazes de criar.

Este guia acompanha o primeiro esboço da Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade, texto que apresenta o mundo que queremos construir. Com ele desejamos responder à necessidade urgente de propor alternativas econômicas, políticas, sociais e culturais para que seja possível esse outro mundo. A Carta nos permitirá confrontar nossas visões desse outro mundo, entre nós e com as organizações aliadas, e servirá de base para as ações, tanto nacionais como internacionais, da Marcha Mundial das Mulheres em 2005.

Consideramos que mesmo com o respeito dos direitos humanos da mulher proclamado em vários textos internacionais, nos faz falta uma ferramenta que emane do movimento de mulheres e que proponha nossa visão do mundo, clara e sem diluição. Com esta Carta, inspirada em nossas 17 reivindicações mundiais, pretendemos levar mais longe e afirmar os valores que inspiram nossa ação.

Com esta Carta interpelaremos também outras mulheres, e nossos aliados e aliadas dos outros movimentos sociais para convidá-los a defender nossos valores feministas e a atuar frente a nossos respectivos governos de maneira a pressioná-los para que não só assinem os instrumentos internacionais em vigor, mas os cumpram.

Nossa Carta tem suas raízes nos valores universais fundamentais defendidos pelas feministas: a igualdade entre as pessoas e entre os povos; as solidariedades, cimento da humanidade; as liberdades, garantia da diversidade enriquecedora, a justiça e a paz. Estes valores são independentes e não se pode optar por um ou outro, de maneira parcial ou optativa.

Participação e comentários
A redação desta Carta necessita de sua participação.

O texto que estamos enviando é um primeiro esboço – redigido a partir de reflexões, sugestões, textos inspiradores sobre mulheres que deixaram sua contribuição – preparado pelas Coordenações Nacionais, e com a supervisão de um comitê da Marcha Mundial.

Agora, os grupos participantes devem realizar ação de educação popular para validar ou modificar o conteúdo. Convidamos vocês a lerem o texto a seguir e fomentar com as mulheres de seus grupos uma reflexão de ordem geral e outras mais específicas sobre temas que podem gerar debates.

SOMOS… mulheres do mundo, ativas em nossas comunidades locais e somos parte do movimento das mulheres.

No início da Marcha Mundial das Mulheres, em 2000, demos um passo a mais e articulamos nossos esforços para combater a pobreza e a violência contra as mulheres. Com esta ação fortalecemos um amplo movimento de solidariedade entre os grupos de mulheres das bases, uma ação que reuniu grupos de mulheres de 163 países e territórios do mundo inteiro. Juntas, aprofundamos nossa crítica ao sistema capitalista e patriarcal causadores de desigualdades entre mulheres e homens, entre povos e, no centro de tudo, desigualdades que agravam a pobreza e acarretam todo tipo de violências, em particular contra as mulheres.

Juntas, propomos alternativas políticas com a intenção de eliminar a pobreza e a violência contra as mulheres. Atuamos para mudar o mundo em que vivemos.

Assim mesmo, em 2000, no marco da Marcha Mundial das Mulheres, transmitimos nossas propostas aos responsáveis do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e interpelamos as Nações Unidas. Desde então também participamos dos grandes fóruns internacionais, como o Fórum Social Mundial, onde se constroem alternativas a partir dos movimentos sociais. Hoje propomos esta Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade. Este movimento, assim criado, que consideramos irreversível, tão irreversível como a maré, segue seu curso, com plena determinação e com nosso desejo de ver realizarem-se nossas utopias.

Não aceitamos mais que:

- em um mundo cada vez mais rico, dois terços da população vivam em condições de pobreza – 70% dos pobres são mulheres, meninos e meninas. A cada 12 segundos uma criança morre de fome... Uma catástrofe mundial que não provoca nem revolta nem indignação! Um de cada 6 meninos e meninas trabalha em vez de ir a escola ou brincar. As milícias recrutam um grande número de crianças e as obrigam a participar de guerras atrozes ou as levam para o mercado internacional do sexo que está em constante crescimento.

- em quase todo o mundo, grande número de mulheres são privadas do direito de ir e vir, de estudar, de ter uma profissão, de escolher seu companheiro ou companheira de vida, de votar, de escolher sua nacionalidade, seu domicílio, possuir documento próprios, herdar, solicitar crédito, cultivar, ter diversão, vestir-se ao seu gosto, etc.

- os países do Sul desmoronam, agoniados pelo peso da dívida imposta pelos países ricos. Se esgotam as riquezas naturais, produto da superexploração, e se destrói o meio ambiente.

- o neoliberalismo impõem, a todos e todas, maneiras únicas de pensar, produzir, comercializar, comer e divertir- se.

Denunciamos:


- o patriarcado e a mundialização capitalista triunfante como responsáveis pelas desastrosas condições de vida de milhões e milhões de pessoas, pelas violações dos direitos humanos, em particular das mulheres, e da devastação ambiental.

- a lógica capitalista que coloca toda ação, serviço, relação e até mesmo os seres humanos na categoria de mercadorias. Uma lógica construída sobre o crescimento ilimitado e o consumismo que descansa principalmente sobre a presença de uma mão-de-obra feminina, maleável, mal paga, e que com freqüência trabalha em condições de quase escravidão. Conta também com o fato de que as mulheres fazem gratuitamente o trabalho essencial para a reprodução social: limpeza, cozinha, cuidado com a roupa, educação dos filhos e filhas, cuidado dos familiares, a agricultura de subsistência.

- a dominação patriarcal como responsável, há milênios, pelas desigualdades entre as mulheres e os homens, como uma dominação política, cultural, social e economicamente institucionalizada que atravessa todas as instituições e que gera violências e exclusões. Seja no âmbito político, jurídico, legislativo, como no acesso às riquezas, à educação, à saúde, ao emprego, à tecnologia, aos salários, seguridade, à informação; no reconhecimento de seu trabalho de reprodução social não existe ainda a igualdade entre mulheres e homens.

- o perigoso avanço dos integrismos religiosos, do sexismo, do racismo, da homofobia, e o ódio contra tudo o que é estrangeiro.

- a multiplicação das guerras e dos conflitos armados que dizimam a população civil, que acarretam numerosas formas de violência contra as mulheres, que desfalcam os orçamentos estatais para beneficiar as empresas transnacionais envolvidas na indústria armamentista.

- todas as formas de corrupção.

- a competitividade, como motor do desenvolvimento, que leva à dominação de algumas pessoas sobre imensas maiorias.

Acusamos!

- as instituições internacionais, financeiras, econômicas e comerciais: o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial do Comércio, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Tais instituições impõem por toda parte as regras da mundialização econômica atual e, indiretamente, do sistema patriarcal, defendendo os interesses das multinacionais e a mercantilização do mundo. Mentem quando afirmam que a abertura dos mercados vai melhorar a vida dos mais pobres, haverá prosperidade e distribuição dos recursos financeiros e materiais.

- os complexos industriais militares que prosperam criando e fomentando conflitos e guerras, fontes de violência, pobreza, prostituição.

- a Organização das Nações Unidas por sua incapacidade de manter a paz e a estabilidade coletiva e instaurar uma sociedade justa e duradoura.

- As empresas transnacionais, as únicas que se beneficiam verdadeiramente do capitalismo, que operam por cima da lei sem regulação social, sem prestar contas a ninguém, fora do alcance do controle democrático.

- os governos, na medida em que renunciam a suas responsabilidades com suas cidadãs e cidadãos. Vivemos em democracias doentes, sem legitimidade nem representatividade.

- a todos os integrismos religiosos que privam a mulher de sua liberdade e a impedem de dispor livremente de seu corpo e de sua sexualidade.

- os homens que se negam a renunciar aos privilégios outorgados pelo patriarcado, e exercem, na esfera privada, a dominação das mulheres controlando suas vidas.

ESCREVEMOS ESTA CARTA para manifestar nossa raiva, denunciar tudo o que pensamos constituir um grave ataque à vida e à beleza do mundo e para propor outro mundo.

Os direitos humanos, em particular os da mulher, se encontram inscritos em vários textos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Convênio sobre a eliminação de toda forma de discriminação contra a mulher, o Convênio sobre a proteção da maternidade, o Convênio sobre os direitos políticos da mulher, etc.

Reconhecemos que tais instrumentos internacionais são conquistas e reivindicamos sua implementação, mas nos cabe assinalar que nenhum deles coloca em xeque os sistemas políticos e econômicos atuais, sistemas que levam à opressão da maioria dos seres humanos e que manifestam particular violência contra as mulheres. Tão pouco concebem um novo projeto de sociedade que aponte a proteção e sobrevivência do planeta, tanto no âmbito ecológico como econômico, político, social e cultural e o respeito a diversidade e a integridade do ser humano.

Esta Carta engloba a visão feminista de como o mundo deveria ser e o que propõe como alternativas para hoje e para o futuro. Esta Carta, dirigida a todas as pessoas da terra, tem como ponto de partida a vida diária de milhões de mulheres e homens e se inspira nas iniciativas que estão sendo postas em prática no mundo inteiro para transformar as relações sociais predominantes na atualidade. Sem dúvida ela não contém nenhuma receita de uso. Cabe a cada uma e cada um, apropriar-se dela e adaptá-la à sua situação.

FUNDAMOS NOSSA CARTA NOS VALORES DE IGUALDADE, DE LIBERDADE, DE SOLIDARIEDADE, DE JUSTIÇA E DE PAZ

Adotamos estes valores universais fundamentais como valores feministas para construir um mundo no qual as mulheres gozarão de plena cidadania, e no qual mulheres e homens ocuparão igual lugar e poderão satisfazer suas necessidades fundamentais, viver com segurança, no qual se reconhecerá a diversidade de pensamento, de maneira a viver e agir. São valores diametralmente opostos aos que sustentam o patriarcado, o capitalismo e o racismo (dominação, exploração, competitividade, lucro).

Os valores expressados nesta Carta estão onipresentes em todas as nossas reivindicações e em todas nossas lutas, sejam elas locais, nacionais ou mundiais, e constituem um todo e que não pode ser tomados em separado. Damos, para cada um deles, nossa própria definição e apresentando as afirmações que defendemos.


 


*Este é um trecho do texto completo da carta. Sua versão completa, inclusive com instruções sobre como enviar sugestões, pode ser obtida na área de Downloads desta página.






A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados.

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer