Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
![]() Arturo Silva | ![]() |
O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) formalizou no dia 4 de novembro um convênio com o Ministério Público para criar uma rede nacional de fiscalização do programa Bolsa Família. "Não vamos admitir nenhum desvio", adiantou o ministro Patrus Ananias durante a cerimônia que oficializou o acordo. Ele afirmou ainda que espera o apoio da Controladoria Geral da República, dos comitês gestores do Fome Zero, dos conselhos tutelares e de assistência social. "E estamos, cada vez mais, pedindo a participação da sociedade para que todos se sintam responsáveis, acompanhando e controlando o pagamento do Bolsa Família".
A iniciativa pretende aumentar o rigor no cadastramento das famílias beneficiadas, e vem no rastro das denúncias sobre irregularidades nos municípios de Pedreiras, no Maranhão; Cáceres, no Mato Grosso, e Piraquara, no Paraná, onde pessoas foram cadastradas indevidamente, geralmente com a conivência de autoridades municipais. Essa cumplicidade é relatada também em boa parte das denúncias recebidas pelo ministério sobre a inclusão irregular de pessoas nos programas que fazem parte do Bolsa Família – que surgiu para unificar o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação, o Cartão Alimentação e o Auxílio-Gás. Em pronunciamento realizado logo após as eleições municipais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a fazer um pedido de cooperação aos futuros prefeitos e anunciou a intenção de criar um conselho gestor do programa, que ficaria responsável por fiscalizar os cadastros feitos pelas prefeituras.
Auto-intitulado o maior e mais ambicioso programa de transferência de renda da história do país, o Bolsa Família é voltado para famílias com renda per capita de até R$ 100 mensais. Os beneficiados podem receber do governo federal um máximo de R$ 95, valor que pode ser complementado por estados e municípios, conforme os acordos estabelecidos em cada região. A contrapartida exigida é a permanência de crianças e adolescentes de até 16 anos na escola e a manutenção em dia do cartão de vacinação dos filhos. De cada dez famílias atendidas, seis estão nas regiões Norte e Nordeste. Esta última, aliás, concentra 46,9% da população pobre brasileira.
Atualmente, 5.521 municípios são atendidos pelo programa, beneficiando aproximadamente 5,3 milhões de famílias. A intenção do governo é chegar a 8,7 milhões ao final do próximo ano e 11,2 milhões em 2006, totalizando cerca de 44 milhões de pessoas que hoje vivem abaixo da linha de pobreza.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, em apenas um ano, 200 mil benefícios foram cancelados por duplicidade de cadastro e outros 26 mil foram bloqueados a pedido das prefeituras. Nesses casos, foi verificada alteração da condição social das famílias, que deixaram de atender aos critérios do programa. Apesar das denúncias, porém, os bloqueios não ultrapassam 4% do número de famílias atendidas.
Em três municípios onde se verificou o envolvimento de autoridades locais – Ubaporanga (MG), Ribeirópolis (SE) e Santo Antônio dos Milagres (PI) – o ministério determinou o recadastramento de todas as famílias atendidas. A medida, informa o MDS, será adotada em todos os casos em que houver indícios de envolvimento de autoridades com fraudes no programa.
"Como pode?"
Governo e membros da sociedade civil concordam que não é o caso de punir a população mais pobre com a interrupção do programa, mas sim de ampliar os mecanismos de controle da destinação desses recursos. Há controvérsias, no entanto, em relação à eficácia do convênio com os ministérios públicos estaduais e federal. Claudio Weber Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil, considera a medida um equívoco. "O caminho não será transferir a responsabilidade para o Ministério Público, que não tem condição de fazer um trabalho desses. E me espanta que o MP aceite isso. Como pode assinar algo que o obrigaria a checar se milhões de pessoas estão recebendo os benefícios?", questiona.
De acordo com o convênio, informações fornecidas pelo Ministério do Desenvolvimento Social serão a base da atuação dos MPs, que também deverão realizar diligências para investigar possíveis irregularidades e propor as ações legais necessárias. Nesse trabalho, o Ministério Público terá a colaboração de conselhos gestores de composição paritária, com representantes dos governos municipais e da sociedade civil. Juntos, serão responsáveis por fiscalizar as condições e informações do cadastramento das famílias beneficiadas, além das contrapartidas exigidas pelo programa.
Abramo também condena a idéia dos comitês, que classifica como "coisa de 'ongueiro'". E afirma: "É uma maneira de atomizar responsabilidades, não vai resolver o problema".
"Generalizações são perigosas"
Para Zilda Arns, coordenadora nacional da Pastoral da Criança, o conselho gestor deveria contar com participação majoritária da sociedade civil. Ela elogia a iniciativa da parceria com o Ministério Público, mas considera fundamental um envolvimento mais efetivo dos cidadãos. "O Bolsa Família é um bom programa, que foi idealizado para atender os pobres, mas ocorreram desvios no meio do caminho. As comunidades precisam participar mais ativamente, identificando os seus líderes e formando os comitês gestores", sugere.
O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) já discute a possibilidade de apoiar representações da sociedade civil em cada município interessadas em fazer o acompanhamento do programa – se nos Conseas estaduais ou nos próprios comitês gestores. O presidente do Consea nacional, porém, prefere amenizar o impacto das denúncias. Para Chico Menezes, as irregularidades apontadas não são tão significativas em relação ao número de famílias atendidas. "Acredito até que há mais casos", admite, "só que as generalizações são perigosas. Se por um lado a grande imprensa cumpriu um papel positivo ao chamar atenção para o problema, por outro ela fica devendo uma reportagem que mostre o que está acontecendo com essas pessoas atendidas pelo programa, o impacto ocorrido na vida delas. Também é preciso que a sociedade civil esteja atenta para prevenir o que possa haver por trás da desqualificação de um programa como esse". Menezes teme que o descrédito de iniciativas como o Bolsa Família resulte, por exemplo, em uma realocação de recursos da área social para o cumprimento de metas de superávit primário.
"O Bolsa Família foi um passo à frente muito significativo nos programas de transferência de renda e está ainda em processo de construção para que se possa trabalhar em um cadastro mais confiável e que reflita o público-alvo a que se destina. Ele deve chegar a mais de seis milhões de famílias atendidas até o final do ano e, naturalmente, não se poderia ter a expectativa de controle pleno do cadastro", pondera.
Menezes ressalta ainda que pela primeira vez existe um cadastro acessível a todos os cidadãos – a consulta pode ser feita pela Internet. "O acesso livre à informação é a melhor forma de controle social que se pode ter. Os próprios jornalistas que fizeram as matérias denunciando as irregularidades buscaram os nomes das pessoas beneficiadas nesse cadastro aberto", argumenta. Segundo ele, é necessário apenas aprimorar essas formas de controle social para evitar desvios.
Abramo, da Transparência Brasil, concorda que o programa não pode ser punido de forma afoita com base apenas nas denúncias divulgadas, mas percebe problemas em ambos os lados. "O que se verifica é o efeito deletério de quando não existem dados sobre os processos. A matéria que demonstrou que determinadas pessoas recebiam os benefícios indevidamente não atesta que o programa inteiro não funciona. Mas o governo, por outro lado, não tem números para dizer que isso não ocorre. Fica uma irresponsabilidade de parte a parte: da imprensa e dos governos – e não apenas deste, pois é um processo histórico". Abramo lamenta que o Estado não tenha a visão gerencial necessária para controlar um programa desse porte. "É impossível evitar fraudes, mas é preciso minimizar as perdas. Faz-se a descentralização, mas o Estado não se aparelha para gerenciar essa descentralização", critica.
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