Autor original: Marcelo Medeiros
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Em 8 de novembro, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) anunciou os resultados de uma pesquisa feita por uma equipe de 300 cientistas sobre mudanças climáticas no pólo Ártico. Depois de quatro anos de estudos, chegou-se à conclusão de que a emissão de gases causadores do efeito estufa, como o carbônico, provocará um aumento entre três e nove graus centígrados na temperatura média do mundo nos próximos cem anos. Os efeitos do calor poderão ser sentidos em todo o mundo. Prevê-se que o nível do mar aumentará devido ao degelo dos pólos.
Os cientistas afirmam que é necessário diminuir a quantidade de gases poluentes urgentemente. Outro estudo, feito pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês), afirma ser necessário diminuir em 60% a emissão em relação aos números de 1990. A porcentagem é muito maior do que os 5% estabelecidos pelo Protocolo de Quioto, acordo mundial sobre mudanças climáticas que acaba de entrar em vigor, pois a Rússia finalmente o ratificou. Faltam, porém, os EUA, responsáveis por aproximadamente um terço das emissões de gás carbônico do mundo. O protocolo estabelece mecanismos de “créditos” sobre a produção de carbono. Países desenvolvidos que não conseguirem atingir suas metas poderão compensar a diferença fazendo investimentos ambientais em países em desenvolvimento.
É uma boa oportunidade para o Brasil, mas é preciso ficar alerta. A opinião é de Délcio Rodrigues, técnico associado da Vitae Civilis – Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz. Nesta entrevista, Rodrigues comenta a tentativa de implantar uma Política Nacional de Mudanças Climáticas. Está tramitando no Congresso o projeto 3902 de 2004, do deputado Ronaldo Vasconcellos (PTB-MG), que dispõe sobre o assunto. O técnico, porém, afirma que o texto ainda é muito falho, apesar de servir como ponto de partida para as discussões sobre o assunto. “É um bom começo”, conclui.
Rets - Qual a urgência de estabelecer uma Política Nacional de Mudanças Climáticas?
Délcio Rodrigues - Depende do que você chama de urgência. Se o assunto se restringir a aspectos como biossegurança e desenvolvimento sustentável, acho que pode esperar um pouco, pois há outras demandas. Ainda mais em um país como o nosso, com graves problemas de violência, pobreza, desemprego.
Mas também não se pode adiar a discussão por décadas. Antigamente, esperava-se que as alterações climáticas e suas conseqüências só fossem vistas daqui a cem anos e agora está claro que algo deve ser feito logo. Daí ser muito importante começar a discussão sobre as mudanças climáticas rapidamente para começarmos a fazer algo em quatro ou cinco anos no máximo.
Rets - Uma ação não é urgente mesmo depois da divulgação do relatório que confirma o impacto das mudanças climáticas em todo o mundo?
Délcio Rodrigues - Claro que a ação é urgente, mas temos vários outros problemas também. O relatório da IPCC fala da necessidade de reduzir as emissões de carbono em 60% em relação à quantidade produzida em 1990. Não fiz os cálculos, mas isso deve representar uma diminuição de 70% das emissões atuais de carbono. Ou seja, temos que começar logo, pois o relatório ainda fixa 2030 como limite para alcançar essa meta.
Para o Brasil, a importância dessas reduções é grande, apesar de não termos obrigação de fazer o mesmo, pois não estamos na lista do Anexo 1 do Protocolo de Quioto [a lista diz quais países devem diminuir suas emissões. Só os chamados desenvolvidos estão nela]. Há dois fatores que nos empurram para a ação. Um são as relações internacionais. Afinal, o país ratificou o protocolo e por isso é obrigado a, pelo menos, alterar sua curva de crescimento de emissões de gases poluentes. O segundo é o desmatamento da Amazônia, responsável pela maior parte de nossa poluição. O governo ainda não publicou o relatório de emissão de gases, mas estima-se que o Brasil seja o sexto maior emissor de gases do mundo. O país queima pouco carvão e tem pouca emissão industrial, então a grande parte está mesmo na Amazônia. Isso prejudica não só em relação às mudanças climáticas como também na perda de espécies animais e vegetais.
Rets - Sendo assim, o que falta regulamentar para dar início a uma Política Nacional de Mudanças Climáticas?
Délcio Rodrigues - O problema não é regulamentação. Há muitas questões que devem ser levantadas. Em primeiro lugar, antes de constituir uma política nacional, é necessário perguntar o que se quer com ela. Deveríamos assumir a mudança climática como problema nacional e reduzir as possibilidades de alterações e sua velocidade. É preciso atuar na ponta do processo. Ou seja, nas grandes empresas poluidoras e no desmatamento. Não precisamos de novas leis, mas sim de intensificar a fiscalização, fazer um esforço pelo cumprimento das normas existentes.
É preciso fazer a política ambiental entrar no nosso dia-a-dia, colocá-la em conjunto com a política industrial, por exemplo. Veja a questão energética! Todo o investimento previsto para a construção de hidrelétricas na Amazônia está sendo direcionado para indústrias eletrointensivas. Tucuruí é uma demonstração disso. Boa parte de sua energia vai para usinas de alumínio.
Precisamos discutir esses problemas para saber se é isso o que queremos. Não sabemos nada sobre a vulnerabilidade da agricultura perante as mudanças climáticas. Esse é outro exemplo. Não sabemos como as plantações reagirão ao aumento da temperatura. O estudo do IPCC é global, ninguém sabe o que acontecerá com o Mato Grosso especificamente.
Logo, precisamos investir em pesquisa para saber as implicações dessas alterações no campo e na cidade. Qual o impacto no turismo das cidades, as áreas afetadas, obras necessárias, as melhorias no campo que precisaremos fazer?
É muito importante fazer um plano de adaptação. E não pensando em 2100, pois alguns efeitos das mudanças de clima já podem ser sentidos. Já se sabe do que acontece na Antártica, nos Alpes, no Himalaia. Há quem diga que os ciclones de Santa Catarina façam parte desse processo.
Rets - Dentro dessa perspectiva, quais são as possibilidades para o Brasil após a ratificação do Protocolo de Quioto pela Rússia, que o fará valer de verdade a partir de agora?
Délcio Rodrigues - Não altera nenhuma das possibilidades que já tínhamos. Temos muita tecnologia e técnicas de gerenciamento, como o álcool e o biodiesel. Precisamos apenas ser criativos. A lógica do mercado de carbono é baseada no princípio da adicionalidade. Por exemplo: vendemos uma quantidade determinada de álcool, mas para ganharmos algo com isso precisamos consumir mais para diminuir a quantidade de carbono jogada no ar. Aí conseguimos algum ganho.
Mas vale lembrar que o mercado de carbono não é nenhuma salvação. Ele representa muitos recursos, mas não é essa quantidade toda que andam dizendo. Não vai mudar muito a balança comercial, mas pode ser interessante para pequenas comunidades e alguns grupos específicos.
O “Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais” tem insistido que essa oportunidade não seja limitada a uma simples relação entre compradores e vendedores, pois isso pode criar problemas como o do deserto verde do Espírito Santo [área no município de Montanha onde foram plantadas grandes quantidade de eucalipto, árvore que demanda muita água e por isso acaba secando o terreno]. É preciso entender o que se quer com esse mecanismo e saber como fazer para aproveitá-lo. E ainda utilizar parte dos recursos em políticas públicas.
Rets - O Protocolo de Quioto será eficiente mesmo com a ausência dos EUA?
Délcio Rodrigues - Diminui a eficácia dos índices de redução de emissão de gases carbono. O relatório pede uma redução de 60% na emissão de gases, enquanto Quioto impõe 5%. È muito tímido, mas representa um primeiro passo. Só os EUA são responsáveis por quase 30% do carbono produzido no planeta. Se eles não aderem, não vamos chegar à meta.
De qualquer forma, o protocolo é significativo, pois pela primeira vez os países sentaram para discutir um problema ambiental e chegaram a um acordo. Ele vale muito para as negociações e pouco para o clima. O aspecto mais importante da adesão da Rússia é a possibilidade de abertura das discussões para algo além de Quioto.
É preciso pensar nos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo não só no curto como no médio prazo. O argumento dos EUA para não aderirem ao protocolo é que outros países com grande potencial de crescimento não seriam obrigados a fazer investimentos para reduzir suas emissões. Realmente, Brasil, China, México, Índia e África do Sul em breve serão pressionados a também diminuir sua poluição. O Brasil, como já disse, é o sexto maior poluidor. A China e a Índia, além de terem população e economia em crescimento, produzem energia de uma forma ainda arcaica, com muita queima de carvão. Logo vão estar também entre os maiores poluidores. É preciso tomar medidas para evitar que isso aconteça.
Rets - Os ambientalistas têm criticado a postura do governo em relação ao meio ambiente, pois já foi dito que as licenças ambientais atrapalham o início de diversas obras, por exemplo. Quanto o governo tem se esforçado para levar adiante os objetivos de Quioto?
Délcio Rodrigues - Muito pouco. A política do governo em relação à medição de impactos ambientais é desastrosa. Há uma idéia de alcançar o desenvolvimento a qualquer custo que é justificável, dada a necessidade de crescimento econômico. Mas não dá para incorporar idéias dos anos 60 e 70. É preciso levar em conta os aspectos ambientais.
É falácia dizer que as licenças ambientais atrasam as obras. Há usinas que não saem do papel por problemas com a Justiça, por falta de dinheiro ou interesse de investidor, que não vê perspectiva de ganho rápido e quer recuperar o que já investiu cancelando a obra.
Rets - Como está a participação da sociedade civil no processo de construção da Política Nacional de Mudanças Climáticas?
Délcio Rodrigues - Ainda é frágil. O grupo de discussão montado ainda é fraco e possui poucas organizações da sociedade civil. A Vitae Civilis está praticamente sozinha nisso. A composição não reflete muito os interesses da sociedade e sim dos interessados no mercado de carbono. Temos colocado diversas questões em pauta, mas raramente somos ouvidos.
Rets - É possível acreditar na aprovação do projeto de lei sobre mudanças climáticas?
Délcio Rodrigues - É complicado fazer qualquer afirmação agora. Antes é preciso saber como ele chegará ao plenário. O autor do projeto de lei 3902/2004, deputado Ronaldo Vasconcellos (PTB/MG), foi eleito vice-prefeito de Belo Horizonte e, portanto, não levará o texto adiante. Ele está tentando terminar a relatoria até dezembro, pois, se até lá isso não acontecer, o projeto será arquivado. O deputado está se esforçando para isso. Na verdade, o próprio relator já afirmou que o texto atual é um “boi-de-piranha”. É algo para iniciar as discussões, que são muitas.
Rets - O que falta ser adicionado ou retirado do projeto?
Délcio Rodrigues - O projeto é muito falho. Alguns pontos são tão aprofundados que poucos entendem e outros deixam de lado importantes aspectos. Um exemplo é o estudo da vulnerabilidade agrícola, deixado de lado. Por outro lado, o texto chega a dizer que a cada carro vendido um número determinado de árvores deverá ser plantado. Ou seja, precisa ser retrabalhado, mas já é um bom começo.
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