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Energias renováveis a caminho

Autor original: Maria Eduarda Mattar

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Energias renováveis a caminho


Desde 5 de outubro, um caminhão recheado de ativistas do Greenpeace e idéias a favor do uso de energias limpas e alternativas está percorrendo diversas cidades do país e pretende passar por 21 estados brasileiros. Trata-se da Expedição Energia Positiva para o Brasil, que consiste em uma “exposição multimídia sobre energias renováveis montada dentro de um contêiner de 12 metros, vários equipamentos elétricos funcionando a partir de energia solar e um caminhão que, em vez de diesel, utiliza óleos vegetais como combustível”, conforme explicam os organizadores da iniciativa.

Um dos idealizadores do projeto, Sérgio Dialetachi, coordenador da campanha de energia do Greenpeace, conta nesta entrevista à Rets como as fontes de energias renováveis e sustentáveis (energia solar, eólica e biomassa, por exemplo) podem ser adotadas no Brasil, quais os entraves para que sejam implementadas e comenta o recente cancelamento da cooperação entre Brasil e Alemanha no programa nuclear brasileiro. “Aqui, 0,3% da nossa conta de luz vai para subsidiar a produção nuclear. Gente que não tira proveito dela é obrigada a pagar a mais para desenvolver esse tipo de geração. Gostaria de poder optar pelo subsídio a energias alternativas. Há consumidores dispostos a isso”, enfatiza.

Rets - Recentemente o governo anunciou que dará continuidade ao programa de desenvolvimento da energia nuclear. Ele pode ir adiante?

Sérgio Dialetachi - Parece que sim, apesar de recentemente o governo alemão ter enviado ao Brasil uma proposta de substituição do programa nuclear por outro de energias renováveis. Há indícios de que a energia nuclear continue sendo apoiada pelo governo brasileiro. Já foi anunciada a construção da usina de Angra 3 e de outra mini-usina no nordeste, com potencial de produção de até 100 MW, em local ainda não divulgado, além da retomada de investimentos na construção de um submarino nuclear. Esses anúncios, pelo que sabemos, estavam previstos para dezembro, mas estão sendo antecipados.

Rets - O Greenpeace acusa o governo de não ter transparência quando o assunto é o programa nuclear. Em que se baseia a acusação?

Sérgio Dialetachi - Há muitos problemas. A decisão de construir Angra 3, por exemplo, foi anunciada pelo [então ministro da Defesa José] Viegas e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, em de ser pelo Ministério das Minas e Energias. A ministra Dilma Roussef [Minas e Energias], inclusive, reagiu a isso dizendo que o país não deveria considerar a energia nuclear como uma fonte viável de produção.

Além disso, o governo fala muito em respeito a acordos internacionais. Mas se tem mesmo, por que um almirante foi ao [programa televisivo] Fantástico no dia 11 de abril afirmar que havia burlado alguns acordos? Ele explicou que havia comprado material para a construção da centrífuga necessária para o processamento de urânio sem avisar, que havia trocado nomes de equipamentos para conseguir entrar com eles no país, entre outros procedimentos. Se há tanto respeito, como toma uma atitude dessas e ainda anuncia em rede nacional?

Rets - Que questões poderiam estar por trás disso?

Sérgio Dialetachi - É difícil dizer, mas quem está comandando esse processo é a Marinha, que tem interesse no submarino nuclear. Muito já foi gasto no programa do submarino, que começou há mais de 20 anos e até agora não deu resultado. Agora pedem mais dez anos de prazo, enquanto não existe guarda costeira para coibir a biopirataria e a exportação ilegal de minérios.

Rets - No começo do ano o governo lançou o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa). A carga de energia a ser comprada, 3.300 MW, é suficiente para realmente incentivar a produção?

Sérgio Dialetachi - O Proinfa é uma iniciativa louvável, mas ainda muito tímida. A garantia de compra de 1.100 MW de eletricidade produzida por fontes eólicas é muito pouco se pensarmos que o potencial inventariado é de 82 mil MW. E tem gente que acredita ser possível chegar a 110 mil MW. Além disso, o programa não contempla a produção solar fotovoltaica ou térmica. Há milhares de brasileiros sem luz, morando em locais onde os “linhões” não passam. Essas pessoas só terão eletricidade com fonte solar. É a forma mais barata de produção.

É bom lembrar que o programa vinha sendo preparado há muitos anos, não é uma iniciativa exclusiva do governo Lula.

Rets - Para amenizar o problema das pessoas que ainda não têm acesso a eletricidade, o governo lançou o programa “Luz para Todos”. Qual é a sua avaliação sobre ele?

Sérgio Dialetachi - Ele tem ajudado muito pouco. É como a promessa de criar 10 milhões de empregos em quatro anos. Da maneira convencional, será muito difícil dar luz para todos. Não há como fazer as linhas chegarem a cada casa no meio da floresta, ou no meio do cerrado, por exemplo. O governo afirma que 92% da população estão ligados à rede de eletricidade, mas há estatísticas mais severas que sustentam que, na verdade, esse número é de 70%. Na Bahia, há quatro milhões de pessoas sem fornecimento seguro. São aquelas que têm um gerador a diesel, que só funciona em horários determinados. Ou seja, não podem ter uma geladeira, uma televisão etc.

Falo da Bahia pois é um estado injustiçado. De lá sai o urânio das usinas nucleares, lá foi prospectado o primeiro petróleo do Brasil e estão diversas barragens do São Francisco. Há 12 mil famílias sem energia nas margens da barragem de Tucuruí, usina que produz energia basicamente para duas usinas de alumínio no Pará. E, ainda por cima, estas têm muitos subsídios, pagam pela energia menos que nós, consumidores residenciais. Essa e outras regalias acabam de ser estendidas por mais dez anos.

Rets - O custo dessas fontes alternativas ainda é alto. Como estimular a produção com esses preços?

Sérgio Dialetachi - Realmente o preço ainda é alto, mas precisamos levar em conta diversos fatores para que isso aconteça. Em primeiro lugar, ainda não temos uma produção em escala para fazer os custos diminuírem. No Brasil há apenas um fabricante de células fotovoltaicas e mais oito ou nove no resto do mundo. Por outro lado, temos silício (matéria prima das células) de sobra.

O mesmo acontece com a energia de fonte eólica: temos corpo técnico suficiente para desenvolvê-la, mas não há material disponível. Algumas empresas estrangeiras estão chegando para fazer investimentos, mas, como os preços são altos, sem garantia de compra da energia não há como produzir. O Proinfa faz isso, mas quem quiser ir além vai ter problemas por falta de comprador. A não ser que alguém perto queira comprar. O Proinfa garante a compra por dez anos, então durante esse período vai ser difícil alguém fazer novos investimentos.

É preciso pensar também que todas as outras formas de geração possuem subsídios, menos as alternativas. Defendo a retirada de subsídios de todos. Então deixamos todos competirem igualmente para ver no que vai dar. A nuclear possui o mesmo preço da geração eólica, por exemplo, mas nesse valor não estão computados fatores necessários para sua implementação como sistemas de emergência, treinamento de pessoal etc. Então não temos como comparar. Quando se calcula o valor da eletricidade, também não se leva em conta o preço de trazer energia de longe para áreas social e ecologicamente arriscadas, como é o caso de hidrelétricas a serem implantadas na Amazônia. As que estão no sul e nordeste já estão pagas e não levam em conta o investimento necessário. O sistema de energia de hoje é muito diferente do de décadas atrás, quando começaram as grandes obras para o abastecimento de energia. Atualmente essas fontes são baratas, pois já estão pagas.

Rets - Em relação à energia nuclear, como fica a questão do lixo produzido pelas usinas? O Brasil pode se tornar um depósito de resíduos?

Sérgio Dialetachi - Acho que não. Temos depósitos de resíduos de baixa e média radioatividade em Minas Gerais e Goiás. O lixo produzido em usinas nucleares do Brasil tem ficado no reator até perder seu potencial de contaminação. Porém, o de alta radioatividade não tem solução. Mesmo 60 anos depois da inauguração da primeira usina nuclear do mundo, não há solução definitiva. Há países que guardam os resíduos em minas, cápsulas de concreto e chumbo ou os deixam nas usinas até o fim da vida útil dos dejetos. Mas todos requerem um aparato muito grande.

Rets - Durante o “apagão” (2000-2001), o Brasil estimulou a construção de usinas termelétricas para compensar a falta de eletricidade. Apesar de seu alto custo, elas foram uma boa solução para o problema?

Sérgio Dialetachi - A decisão de construir termelétricas foi afoita. Os contratos foram mal explicados e a energia gerada é muito cara. Então, quanto mais tempo paradas, melhor para todos.

O apagão deixou boas lições, como a procura por economia em casa e a exigência de maior eficiência energética de máquinas. Aprendemos a duras penas que lidávamos com máquinas burras e que tínhamos hábitos equivocados. A população aprendeu a economizar e hoje temos energia em excesso.

O problema é que agora as empresas de energia querem que isso seja consumido e estimulam o consumo. Ou seja, todo o aprendido está sendo jogado fora. Além disso, não há necessidade de novas usinas. Há estudos que mostram a possibilidade de aumentar a geração com a repotencialização das usinas existentes. Teríamos um ganho de 6% a 8% se usássemos melhores turbinas em nossas hidrelétricas. Há também o problema do desperdício, da ordem de 16% da energia produzida, o dobro da média mundial. Isso é causado pelo comprimento das linhas de transmissão, roubo e equipamentos velhos. Precisamos voltar a estimular a economia e a troca de máquinas antigas por outras mais eficientes.

Rets - As campanhas contra o desperdício são bem estruturadas?

Sérgio Dialetachi - Já tivemos nossa lição. Hoje buscamos selo de eficiência energética para comprar geladeira, por exemplo. Os consumidores passaram a valorizar a economia. Hoje pouca gente sai de casa e deixa a televisão ligada em stand by, consumindo energia. A diferença foi percebida no bolso e nas indústrias. Na época do apagão, tivemos que importar lâmpadas fluorescentes. Hoje elas são fabricadas aqui. O governo também tomou uma série de medidas, como linhas de financiamento para projetos econômicos, campanhas de marketing e incentivos a novos combustíveis como o biodiesel.

Rets - O Greenpeace pede o fim dos subsídios à produção de petróleo. No Brasil, porém, o preço é bem acima do custo, pois ele é regulado pelos mercados internacionais. Não é um contra-senso?

Sérgio Dialetachi - Na verdade precisamos substituir o petróleo como fonte de energia. Se ele fosse comprado pelo seu preço real mundo afora, seria rapidamente substituído. Sua produção deve levar em conta outros preços, que nem sempre são computados. Entre eles, o custo do efeito estufa e a conseqüente elevação do nível do mar, das secas e alagamentos provocados. As grandes cidades brasileiras possuem favelas em áreas alagadas, que estão em risco freqüente. Para onde vamos remover essa gente toda se o nível da água subir? Quanto isso custaria? É um processo complicado, que deve ser computado ao preço final.

Rets - O governo alemão emitiu uma nota, no dia 11 de novembro, que propõe a troca do acordo nuclear com o Brasil por um de fontes renováveis. O abandono da energia nuclear é uma tendência mundial?

Sérgio Dialetachi - Sim. Aqui, 0,3% da nossa conta de luz vai para subsidiar a produção nuclear. Gente que não tira proveito dela é obrigada a pagar a mais para desenvolver esse tipo de geração. Gostaria de poder optar pelo subsídio a energias alternativas. Há consumidores dispostos a isso. Eu não me importaria em pagar esse montante para ver energia limpa ser inserida no sistema nacional.

Marcelo Medeiros

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