Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Em 14 de outubro, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Kofi Annan, declarou, em uma reunião do G-77, grupo que reúne 132 países em desenvolvimento: “O ano de 2005 é decisivo para os objetivos”. O senegalês se referia aos oito Objetivos do Milênio (ODMs), metas de desenvolvimento humano acordadas por dezenas de países em 2000, na Declaração do Milênio. Entre elas, a redução dos índices de pobreza, até 2015, à metade do que era registrado em 1990.
No próximo ano acontece o primeiro balanço mundial dos objetivos. A intenção é saber se os signatários do compromisso estão conseguindo chegar aonde prometeram. Relatórios da ONU mostram que ainda há muito a ser feito, inclusive pelas organizações não-governamentais (ONGs), cujos trabalhos, em diversos setores, estão sendo orientados para o cumprimento das metas. Elas estão pessimistas em relação ao sucesso da corrida pelas metas e apontam diversos problemas tanto na divulgação dos objetivos quanto nas políticas públicas. No Brasil, o quadro não é diferente.
Os Objetivos do Milênio são: erradicar a extrema pobreza e a fome; universalizar o ensino primário; estabelecer igualdade entre os sexos e dar autonomia às mulheres; reduzir a mortalidade na infância; melhorar a saúde materna; combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças; atingir a sustentabilidade ambiental; e estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.
Eles se subdividem em 18 metas, acompanhadas por 48 indicadores, propostos por especialistas do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial e da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A situação mundial em relação aos temas não é boa. O relatório das Nações Unidas sobre o envolvimento da sociedade civil com os Objetivos do Milênio, chamado “Nós, os Povos”, admite que em alguns locais, ao invés de avanços, foram detectados retrocessos. Na média, os habitantes de 46 dos 132 países do G-77 estão mais pobres hoje do que há dez anos. Em outros, o avanço é tímido ou insuficiente para alcançar os ODMs no prazo estabelecido. Por isso, apenas 8% das entidades participantes (ONGs, universidades e fundações) da pesquisa acreditam que em 2015 todas as metas serão alcançadas em seus países. O pessimismo é amenizado pelo secretário-geral da ONU. “Nem todo país em desenvolvimento fez suficiente progresso, mas, em geral, o mundo em desenvolvimento está fazendo sua parte”, declarou Annan no Fórum da Sociedade Civil, realizado em junho de 2004, em São Paulo.
A pesquisa sobre o envolvimento da sociedade civil com o alcance dos ODMs foi feita com 270 entidades de 82 países. A maior parte, 40%, vem de países do Reino Unido. Apenas 9% são da América Latina.
Parte da insatisfação das ONGs se deve ao esquecimento de alguns pontos considerados fundamentais para o desenvolvimento, como os direitos humanos. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) lançou, no dia 5 de novembro, o projeto Direitos Humanos em Rede, que reúne 450 ativistas de 35 países do Hemisfério Sul. Está em estudo o lançamento de ações em que, além dos ODMs, sejam levadas em conta metas relacionadas aos direitos humanos. A rede foi lançada no IV Colóquio Internacional de Direitos Humanos, realizado em São Paulo, em outubro. Segundo um dos secretários-executivos do colóquio, André Degenszajn, apesar de alguns objetivos do milênio incluírem questões como educação e igualdade de gênero, ainda faltam muitos itens. Durante o evento, ele usou a China como exemplo. O país asiático tem tido um bom desempenho em relação ao alcance das metas, mas tem “um patamar insatisfatório nos direitos humanos”. Não há plena liberdade de expressão, por exemplo.
Degenszajn, que também faz parte da ONG Conectas, faz outra ressalva. “As metas têm que funcionar como instrumento para políticas e não como objetivo final. Precisamos inserir na busca dos objetivos a lógica dos direitos humanos. Esse é o papel da sociedade civil. Ela precisa ir além do acordado”. Para ele, os governos e algumas instituições estão dando importância excessiva às metas em detrimento da Declaração do Milênio, mais abrangente em relação aos direitos humanos.
Apesar das críticas, algumas das conclusões da ONU com o levantamento são positivas. Entre elas está a percepção de que as organizações da sociedade civil estão mudando ou ampliando suas missões para colaborar na obtenção dos objetivos. Há também interesse em formar redes locais, nacionais e internacionais para facilitar o trabalho. Por outro lado, para que 2015 seja um ano de comemoração, as Nações Unidas precisam investir mais em comunicação e informação, conclui o relatório. As ONGs reclamam da falta de divulgação dos objetivos do milênio e da pouca voz no momento de avaliar as metas junto ao PNUD. De acordo com a pesquisa, 54,1% das entrevistadas consideram o trabalho da mídia ruim e 24,5% afirmam que a cobertura de assuntos relacionados às metas não existe. Apenas 5% consideram o conteúdo veiculado nos meios de comunicação excelente, enquanto 16,4% crêem que eles fazem um “bom” trabalho.
Elas também reclamam de não terem sido consultadas pelo PNUD no momento da construção das metas ou da avaliação do alcance dos objetivos. Das entrevistadas, 75,8% dizem não ter participado de nenhum processo consultivo, apesar de 78,6% terem contato com representantes de programas ou organismos das Nações Unidas. A avaliação sobre a campanha da ONU para divulgar os objetivos é “boa” para 39% das entidades. Outras, equivalentes a 33% do universo pesquisado, classificam os esforços como “justos”, enquanto os que disseram ser excelente e pobre formam grupos de tamanho similar: 14,8% e 12,2%, respectivamente.
“Realmente, não foi feito nenhum relatório com a participação da sociedade civil organizada”, admite Karla Corrêa, quadro do grupo técnico da ONU para os Objetivos do Milênio no Brasil. Porém, ela ressalta, pelo menos aqui algumas ações pontuais já estão sendo feitas para diminuir esse problema. Entre elas, uma campanha com o programa “Faça Parte”, do Instituto Brasil Voluntário. O objetivo da iniciativa é aumentar o conhecimento acerca dos ODMs na sociedade e estimular ações voluntárias. Além disso, há um esforço com algumas universidades para trabalhar academicamente temas relacionados aos objetivos do milênio.
Outro problema apontado pelas organizações da sociedade civil foram os indicadores utilizados para estabelecer as metas. Muitas reclamam que os índices são impostos por governos de países mais ricos e que não necessariamente correspondem a realidades locais ou são insuficientes para pôr fim a um determinado problema. Corrêa concorda, mas lembra que os indicadores sugeridos pela ONU são índices mínimos. Ainda está em discussão a produção de um relatório próprio das Nações Unidas sobre o alcance das metas pelos países. Mas a idéia, diz Corrêa, é estimular cada país a fazer levantamentos próprios e, se necessário, incluir novos indicadores. “Se for necessário para alcançar uma qualidade de vida melhor, não há nenhum problema”, diz a representante do PNUD.
Brasil e os objetivos
O governo brasileiro divulgou em setembro seu relatório de acompanhamento dos objetivos do milênio. Feito apenas com dados oficiais, o documento mostra que o país tem avançado na maioria dos índices, mas que o caminho a percorrer ainda é grande. O Brasil está em 72o lugar, entre 177 países, no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas de 2004. O IDH considera aspectos como renda, educação e saúde.
Em relação à erradicação da fome, o Brasil está próximo à meta para 2015. Ficou acordada a redução pela metade da porcentagem da população com renda menor do que um dólar por dia. Em 1990, 8,8% dos brasileiros estavam nessa situação. Em 2003, já eram 4,7%, apenas três décimos acima do resultado esperado. Outro indicador relativo ao fim da fome é a diminuição, também pela metade, da quantidade de crianças desnutridas com menos de cinco anos. Ainda faltam dados sobre esse índice. O último levantamento, feito em 1996, apontava que 5,7% das crianças dessa faixa etária não consumiam o mínimo de calorias e nutrientes necessários para seu pleno desenvolvimento.
O segundo objetivo - "universalizar o ensino fundamental" - está próximo de ser atingido. Em 2002, 90% das crianças estavam freqüentando as quatro primeiras séries. Porém, como o governo ressalta no relatório, quantidade não significa qualidade. Por isso ainda são necessários investimentos no setor para melhorar o ensino e diminuir o alto índice de evasão. Dos alunos que entram na primeira série, quase um terço, 27,3%, não chega ao fim da quinta série.
O terceiro objetivo é atingir a igualdade entre os sexos e dar mais autonomia às mulheres. A intenção é eliminar a disparidade entre os gêneros no ensino fundamental em 2005 e em todos os níveis até 2015. O Brasil já alcançou a primeira parte da meta, mas ainda há muito a ser feito, dada a alta taxa de evasão. As mulheres já são maioria no ensino médio e no superior: 17% e 37% a mais, respectivamente. A razão para isso é o tipo de trabalho valorizado para cada gênero. Eles abandonam a escola mais cedo a fim de conseguir emprego. Em relação a elas, o trabalho doméstico é o mais comum – assim, muitas têm a chance de estudar e se formar. Essa diferença é verificada na taxa de atividade (proporção do número de pessoas empregadas ou procurando emprego em relação à população total). Entre os homens, essa taxa era de 70,2% em 2002; a das mulheres era de 50,3%. A discriminação é percebida no salário. Em média, os homens faturavam R$ 3,90 por hora. Elas, por sua vez, recebiam R$ 3,60.
Reduzir em dois terços a mortalidade na infância (crianças com até cinco anos) é uma das metas mais difíceis de serem atingidas, de acordo com os dados disponíveis. O número de óbitos dentro dessa faixa etária por mil nascidos era de 53,7% em 1990 e caiu para 33,7% em 2002. Entretanto, para o objetivo ser alcançado, em 2015 a quantidade deve ser de 17,9%. Se o ritmo for mantido, haverá sucesso, mas para isso acontecer será necessária uma série de medidas. Entre elas, melhorias no saneamento básico e no sistema de saúde e o estímulo ao aleitamento materno.
A saúde das crianças depende muito das condições da mãe. Por isso outro objetivo é a melhoria da saúde materna. A ONU espera que até 2015 a quantidade de mães mortas no momento do parto ou logo depois seja reduzida em 75% em relação a 1990. Um problema para o alcance dessa meta é a falta de informação sobre os óbitos maternos. Em 2002, essa taxa foi de 75,3 mortes para cada cem mil partos. Porém o próprio governo admite ser grande o número de subnotificações. Em países desenvolvidos, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a média é de 20 óbitos por cada cem mil partos. No Brasil, as principais causas de morte materna são hipertensão arterial, hemorragia, infecção pós-parto e complicações relacionadas ao aborto. O exame pré-natal é apontado como determinante para a diminuição do número de casos.
O sexto objetivo é diminuir os índices de Aids e outras doenças, como a malária. As metas são conter a propagação do HIV e da incidência de outros males. A curva de crescimento de casos de Aids no Brasil está diminuindo, mas continua alta. Em 2002, havia 12,8 pessoas infectadas a cada cem mil, número 31% menor do que o de quatro anos antes. A taxa de mortalidade, por sua vez, está se estabilizando. Por outro lado, a malária está ressurgindo, principalmente na Amazônia, que registra 99% dos casos. Em 1997, foram registrados pouco menos de 450 mil casos, número que subiu para 600 mil em 1999 e 2000. O aumento é creditado ao desmatamento, que provoca desequilíbrio ambiental e o conseqüente crescimento da quantidade de mosquitos. A tuberculose também preocupa, apesar de sua lenta redução. O Brasil está no grupo dos 22 países com mais casos registrados. Entre 1990 e 2002, a incidência geral caiu de 51,8 para 44,6 casos por cem mil habitantes.
Se o desmatamento é uma das causas da expansão do número de casos de malária, o sétimo objetivo vai de encontro a ele. A ONU impôs três metas para se atingir a sustentabilidade ambiental. São elas: integrar o desenvolvimento sustentável em políticas públicas e reverter a perda de recursos ambientais; reduzir pela metade, até 2015, a proporção da população sem acesso permanente a água potável e esgotamento sanitário; e, além disso, melhorar, em todo o mundo, a vida de pelo menos 100 milhões de habitantes de assentamentos precários.
O número de pessoas atendidas pela rede de água é alto nas cidades (91,3% dos domicílios) e baixo no campo (22,7%), segundo dados de 2002. O problema é atingir a sustentabilidade, já que apenas um terço do esgoto produzido no país recebe tratamento. A quantidade de atendidos pela rede de esgoto é pequena. Nas cidades, apenas 51,6% das casas tinham conexão com a tubulação, enquanto no campo, esse índice cai para 3,7%, também em 2002.
Em relação ao desmatamento, as notícias não são boas, apesar do aumento do número de unidades de conservação, áreas protegidas por lei federal. A Amazônia, por exemplo, já perdeu 15% de sua área original e a derrubada de árvores não diminui.
O último objetivo é o estabelecimento de parcerias mundiais para o desenvolvimento, que envolve seis metas. Entre elas, avançar no desenvolvimento de um sistema comercial e financeiro aberto, baseado em regras e no atendimento das necessidades especiais dos países menos desenvolvidos. Além disso, está previsto o estabelecimento de regras para a melhor convivência entre os países, como facilitar o acesso ao mar, tratar globalmente o problema das dívidas e melhorar a cooperação entre governos e empresas para dar mais trabalho aos jovens, baratear medicamentos essenciais e promover o acesso a tecnologias de informação e comunicação.
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