Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
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Mobilizar e capacitar diversas organizações não-governamentais (ONGs) que atuam com crianças em situação de risco social no interior de São Paulo é o objetivo do projeto “Família, o melhor abrigo”. Idealizado pela ONG Humaniza, de Limeira, ele será implementado pelo Centro de Capacitação e Incentivo à Formação (Cecif), de São Paulo, ao longo do próximo ano e pretende ser exemplo para o resto do país. Atualmente em fase de planejamento e captação de recursos, o projeto já foi premiado no XIX Congresso Pan-americano da Infância, realizado este ano no México.
Idealizado em abril de 2004, o “Família”, como também é chamado, quer fortalecer o trabalho das ONGs, Conselhos Tutelares e abrigos de forma a fazer com que crianças e adolescentes em situação de risco não sejam simplesmente enviados para abrigos e lá permaneçam indefinidamente. A idéia é estimular o retorno para casa sempre que possível ou incentivar a adoção.
O projeto formará uma rede de apoio a adolescentes e crianças e envolverá diversas atividades. “Unificamos diversas metodologias para agirmos melhor", afirma Vicente Pironti, diretor da Humaniza. Para ele, tornar a metodologia uma prática "será um trabalho pesado, porém recompensador”.
Em primeiro lugar, será feito um levantamento de dados sobre a situação das crianças atendidas por abrigos em Limeira, cidade do interior de São Paulo escolhida para servir de piloto para as ações. “Precisamos dos indicadores antes de partirmos para o diagnóstico situacional”, explica Pironti. A Humaniza atua lá, e o Cecif já desenvolveu outros projetos no município. A pesquisa será feita por outra instituição, o Instituto de Pesquisas para Avanço Social (Idepas). Devem ser envolvidas no projeto de 15 a 20 entidades governamentais e não-governamentais, ainda a serem escolhidas.
Já foram identificados quatro problemas em relação ao trabalho das organizações que atuam em defesa das crianças, além da falta de indicadores sociais. Para cada um, uma solução já foi proposta. Para a cultura estabelecida de tratamento de crianças em situação de abandono, propõe-se mudança nos procedimentos. “Viver em família é um direito fundamental”, diz Gabriela Schereiner, diretora do Cecif. Ela lembra também que “o abandono pode gerar diversos distúrbios, daí a necessidade de rever a forma como as crianças são tratadas”.
Entretanto, mudar a forma de atuação das organizações é difícil, admitem os idealizadores do projeto. A metodologia escolhida para melhorar o trabalho foi a arte-terapia, conjunto de medidas que visa a estimular a criatividade dos envolvidos no processo por meio de atividades culturais. Um exemplo de seu uso é nas escolas, onde as crianças podem extravasar seus problemas por intermédio de desenhos, danças e interpretações teatrais.
Outro problema detectado foi a falta de políticas públicas eficientes ou adequadas à situação das crianças. “As políticas sociais no Brasil são, em geral, substitutivas - diz Schreiner - Não tem renda, dá dinheiro; não tem família, dá abrigo. Esse tipo de procedimento deve ser temporário, não pode ter a duração que tem hoje", enfatiza. A diretora do Cecif defende a proposição de projetos de leis ou de políticas públicas que fortaleçam os núcleos familiares.
Tudo isso será feito por meio de reuniões presenciais e virtuais entre todos os envolvidos. Uma equipe de atendimento direto será montada para mobilizar e dar instrumentos de ação à rede a ser formada. Assim, pretende-se ver uma transformação cultural em relação a temas como gravidez precoce, abandono e direito à vida em família.
Devido à metodologia proposta, o projeto recebeu o prêmio máximo do Congresso Pan-Americano de Infância, realizado no México em meados de 2004. O Brasil não recebia uma indicação há cinco anos. “É uma responsabilidade gigantesca”, lembra Pironti. Além do título de melhor iniciativa social, o Família recebeu R$ 1,3 milhão para levar adiante a metodologia. Porém, já está captando mais recursos junto ao sindicato dos economistas de São Paulo para que as entidades a serem envolvidas também sejam beneficiadas. Os organizadores do projeto esperam ainda resposta do Ministério da Cultura sobre o financiamento de parte das atividades necessárias para a implementação da arte-terapia
Abrigos
A maioria das crianças que vivem em abrigos no Brasil possui família. É o que revela o "Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças e Adolescentes", feito recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH).
Lançada em abril deste ano, a pesquisa, feita em 589 abrigos que recebem verba da Rede de Serviços de Ação Continuada (Rede SAC) do Ministério do Desenvolvimento Social, mostra que 87% das 20 mil crianças e adolescentes moradoras dessas instituições possuem parentes próximos. O principal motivo de irem para abrigos é a pobreza (24,2% das respostas), seguido pelo abandono (18,9%), violência doméstica (11,7%) e a dependência química dos pais ou responsáveis (11,4%). A orfandade é a última razão: apenas 5,2% dos entrevistados a apontaram.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece a obrigatoriedade de inclusão da família em programas oficiais de assistência quando pais ou responsáveis não conseguem cumprir com suas obrigações de proteção aos filhos por motivos de carências materiais.
O estudo mostra, contudo, que a reestruturação das famílias não é prioridade entre os abrigos. Apenas 14,1% deles trabalham nesse sentido, realizando ações como visitas às famílias, acompanhamento social, reuniões ou grupos de discussão, inserção das famílias em programas oficiais ou comunitários de auxílio-proteção.
Além disso, somente 6,6% dos abrigos desenvolvem razoavelmente práticas que busquem manter vínculos afetivos entre os familiares. O resultado é que um terço das crianças e adolescentes permanece nos abrigos entre dois e cinco anos, período considerado longo demais. A conseqüência é carência afetiva, dificuldade para estabelecimento de vínculos, baixa auto-estima, atrasos no desenvolvimento psicomotor e pouca familiaridade com rotinas familiares.
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