Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Artigos de opinião
Silvio Caccia Bava*
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No Brasil ronda uma ameaça de que poucos se deram conta. A água, esse elemento vital para todos nós, pode virar uma mercadoria. E, como toda mercadoria, só terá acesso quem puder comprá-la. É que está na pauta de grandes empresas mundiais como a Vivendi e a Suez Lyonnaise delEaux comprar o que puderem das fontes de água nos países do Sul. E elas não brincam em serviço. Já possuem 110 milhões de clientes em mais de 100 países.
Se o governo concordar, o que pode acontecer com a privatização das águas? Duas companhias espanholas que compraram e gerem fontes de água no Uruguai podem nos dar as pistas. Uma delas, Águas de la Costa, opera há 12 anos no Departamento de Maldonado. Lá, neste período, as tarifas de água subiram seis vezes mais que no resto do país. A outra empresa, que se chama Uragua, distribui água em Punta del Este e Piri, dois centros turísticos da maior importância. Em 2002, na alta temporada turística, o governo se viu obrigado a recomendar à população que fervesse a água antes de tomá-la, porque a água estava cheia de bactérias. Não há dúvida que a privatização é danosa, em muitos sentidos, para os interesses dos cidadãos.
A pressão pela privatização dos serviços de água e saneamento cresce. Há casos de países em que o Banco Mundial condicionou a concessão de empréstimos à privatização destes serviços. E o Brasil está na mira, já que possui os maiores reservatórios de água doce do mundo. O argumento é o de sempre: sem capitais privados, não dá para fazer o saneamento básico. Mas a privatização, onde ela ocorreu, não garantiu esses serviços. Os preços foram às alturas e a qualidade da água ladeira abaixo. Em Cochabamba, na Bolívia, chegou-se ao absurdo: os mais pobres gastavam a metade do salário para comprar água.
Na Bolívia, na Argentina, no Chile, o povo foi para as ruas protestando contra a ação das empresas nesta área. Estes protestos melhoraram a situação, mas o grande exemplo acaba de ser dado pelo Uruguai. Lá, o povo se organizou, criou a Comissão de Defesa da Água e da Vida, transformou sua reivindicação em um movimento social e propôs a realização de uma consulta direta a todos os cidadãos através de um referendum.
Em 31 de outubro passado, junto com as eleições presidenciais que elegeram um governo de esquerda no Uruguai, foi realizada essa consulta ao povo na forma de um referendum. E 60% dos uruguaios decidiram fazer uma reforma na sua Constituição para garantir a água como um bem público. Não serão feitas mais concessões às empresas privadas, será criada uma companhia estatal para gerir estes recursos essenciais. O acesso aos serviços de água e saneamento passou a ser considerado um direito humano fundamental. Através deste referendum, o povo uruguaio garantiu sua soberania sobre um recurso cada vez mais escasso e valioso: a água.
Na verdade, não é a primeira vez que o Uruguai nos ensina a importância da democracia direta. Há mais de dez anos o povo uruguaio decidiu, em outro referendum, que não se devia privatizar as empresas públicas de infra-estrutura, como as de eletricidade e telefonia. E as empresas públicas não foram privatizadas.
Os interesses em jogo são enormes e as empresas envolvidas são poderosas. Elas já colocaram na agenda política brasileira a privatização do Saneamento básico e das águas. Em alguns municípios já ocorreram privatizações. Mas ainda não é tarde demais para nos mobilizarmos em defesa da água como um bem público.
No dia 25 de novembro terminou a Conferência Nacional da Terra e da Água, realizada em Brasília com a participação de milhares de pessoas e numerosas organizações da sociedade civil.
Do Manifesto publicado pela Conferência consta uma proposição ao governo: "Garantir água e energia, dois bens estratégicos para a nossa soberania, sob controle e a serviço do povo brasileiro, acabando com a privatização e mercantilização destes bens e assegurando o direito à água e energia a toda a população, especialmente a das regiões mais carentes."
Como se vê, existem setores que lutam para garantir água de qualidade para todos os brasileiros. Mas teremos a capacidade, como no Uruguai, de aprovar uma emenda constitucional para garantir que a água é um direito inalienável de todos nós?
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