Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Artigos de opinião
Rubens Born, Mark Lutes e Délcio Rodrigues*
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O Brasil é reconhecido, interna e internacionalmente, por ser um país cujos atributos ambientais são de relevância planetária: país de mega-biodiversidade, com diversas e importantes formações florestais e ecossistemas (como a Floresta Amazônica, o Bioma da Mata Atlântica, o Cerrado, a Caatinga, o Pantanal) e vasto sistema hídrico, composto por rios, quedas de água, aqüíferos, zonas úmidas, planícies costeiras etc.
Na década de 90 o Brasil ganhou destaque internacional também em função de suas contribuições no campo do aquecimento global e mudanças climáticas no planeta. Por um lado, o Brasil buscou ter uma participação bastante ativa e construtiva nas negociações multilaterais da ONU da Convenção-Quadro de Mudança de Clima e do Protocolo de Quioto. Por outro lado, as emissões de gases de efeito estufa, principal fator que vincula-se aos processos associados ao aquecimento do planeta, estão associados no país especialmente ao desmatamento e à conversão de áreas florestais em sistemas agropecuários, mas com tendência de crescimento relativo das emissões associadas ao uso de combustíveis fósseis.
A Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) é o principal tratado que hoje rege a questão, elaborado durante a Rio-92, e entrou em vigor em 1994. Em 1997, foi finalizado o Protocolo de Quioto a partir da referida convenção, que entrará em vigor no início de 2005. Mais de 120 países ratificaram o Protocolo de Quioto, incluindo o Brasil, superando desta forma a marca necessária de 55 países para sua entrada em vigor. Porém, o segundo requisito adicional para a entrada em vigor do Protocolo, que exige que a ratificação por países industrializados corresponda a pelo menos 55% das emissões globais, só foi atingido com a ratificação da Rússia no mês de novembro de 2004. Os EUA e a Austrália anunciaram que não vão ratificar o documento.
O Protocolo de Quioto contém diretrizes para a redução das emissões de gases de efeito estufa para países industrializados, relacionados no Anexo l do documento. Importante notar que hoje os países em desenvolvimento não têm qualquer obrigação no sentido de reduzir suas emissões, em função do princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas. Esses países têm o “direito” de aumentar suas emissões, mas tal crescimento deve ser em ritmo menor que aquele que ocorreria se o país não tivesse ratificado a Convenção. É que o artigo 4.1 desta estabelece compromissos para todos os países, para que sejam adotadas medidas variadas, mas que na essência apontam para a incorporação dos desafios de prevenir, mitigar ou se adaptar às mudanças de clima nas várias políticas e esferas da vida cotidiana de nossa sociedade: energia, transporte, urbanismo e habitação, florestas, agricultura e desenvolvimento agrário, combate a desertificação, gestão de recursos hídricos etc.
De fato, está claríssimo o objetivo da alínea (b) do artigo 4.1 da Convenção-Quadro de Mudança de Clima, que indica compromissos de todos os países para “formular, implementar, publicar e atualizar regularmente programas nacionais e, conforme o caso, regionais, que incluam medidas para mitigar a mudança do clima, enfrentando as emissões antrópicas por fontes e remoções antrópicas por sumidouros de todos os gases de efeito estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal, bem como medidas para permitir adaptação adequada à mudança do clima”
Por isso, o cumprimento do Artigo 4.1 da Convenção deve ser levado muito a sério por todas as nações, inclusive pelo Brasil. O objetivo é reduzir a “taxa” de crescimento de emissões de gases de efeito estufa (ou inclusive a “taxa” de perdas de sumidouros). Pelos princípios estabelecidos na própria convenção, o cumprimento do artigo 4.1 implica em empreender esforços novos para desenvolver e implementar programas que reduzem emissões dentro do país. Isso não deveria causar detrimento, pelo contrário, poderia fortalecer esforços e estratégias dos países em desenvolvimento nas negociações para que os países de Anexo I cumpram as suas responsabilidades no regime internacional de mudança de clima. Enfim, para o Brasil poder estar mais forte política e moralmente nas negociações internacionais, é importante que o marco regulatório nacional sinalize como será o equacionamento do que está previsto no artigo 4.1 da Convenção;
Por isso, o Brasil deve contar com uma Política Nacional para Mudança de Clima para, por um lado, cumprir com seus compromissos internacionais, já ratificados pelo Congresso Nacional, e por outro fortalecer a liderança e protagonismo global nas negociações do regime multilateral da Convenção-Quadro de Mudança de Clima e seu Protocolo de Quioto.
Urge a discussão pública dos objetivos, critérios e instrumentos gerais de tal política, que deveria envolver as várias áreas de atuação do governo bem como articular as competências e ações dos Estados e Municípios em questões como transporte urbano e intermunicipal, zoneamento territorial ecológico-econômico, conservação de florestas, eficiência energética e fomento de fontes limpas, sustentáveis e renováveis de energia, entre outros.
Essa discussão é urgente uma vez que a implementação das propostas decorrentes pode demandar muito tempo e, por outro lado, o Protocolo de Quioto entrará em vigor no início de 2005, ano em que no âmbito do regime da Convenção devem ser iniciadas formalmente consultas e negociações para equacionar a evolução do regime após o primeiro período do Protocolo (2008 a 2012). Somos da opinião de que para essas negociações o Governo Brasileiro deve ter uma postura ativa e de liderança quanto ao respeito aos princípios da Convenção, por um lado, mas internamente preparar o país para os próximos períodos do regime, adotando políticas e programas, inclusive setoriais, que possam ser correspondentes com as responsabilidades que nosso país deveria ter com a prevenção, mitigação e reversão de causas e impactos associados às mudanças de clima.
A Política Nacional de Mudança de Clima deve:
a) considerar todos os princípios e compromissos assumidos pelo Brasil no regime internacional, especialmente aqueles delineados no artigo 4.1 da Convenção;
b) definir os marcos gerais que permitam o envolvimento das várias esferas de governo;
c) estimular a internalização dos objetivos e considerações previstas no regime internacional em políticas e programas setoriais;
d) apontar mecanismos e sistemas que possam ser utilizados para promover o cumprimento da Convenção e do Protocolo de Quioto;
e) ser flexível para poder considerar a evolução do regime internacional e, assim, deixar aberta para o país oportunidades para a adoção de instrumentos e iniciativas que venham a ser acordadas no âmbito das negociações;
f) considerar as propostas para o tema “mudança de clima” aprovadas na 1a. Conferência Nacional do Meio Ambiente, realizada em 2004, bem como propostas e estudos discutidos no Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas (FBMC).
É importante reiterar que o uso de instrumentos econômicos para o tratamento das questões de mudança de clima e outros desafios ambientais deve ser feito sem abrir mão também de instrumentos regulatórios e do fortalecimento da governança, isto é, do controle social sobre as políticas públicas e sobre a dinâmica do mercado, com vistas a se garantir o atendimento de princípios de eqüidade, justiça e efetividade. Assim, tanto os instrumentos de comando e controle como os de caráter econômico devem ser analisados na perspectiva da eficácia, eficiência e efetividade dos objetivos do regime, com base em critérios de justiça e democracia. Por isso, não interessa meramente ter sistemas de grandes oportunidades para empreendimentos econômicos se eles não produzirem os resultados socioambientais desejados; também não é conveniente termos políticas públicas que não correspondam à responsabilidade histórica que o país detém em relação às questões de mudança de clima. No caso do MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, é preciso sua explicitação clara das regras de seu funcionamento, reconhecendo nele um entre vários instrumentos econômicos e de políticas para as questões de mudança de clima.
Entendemos ser importante e urgente a definição de uma estratégia nacional para o MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, uma vez que a utilização desse instrumento certamente deverá alterar cenários futuros do país nas questões de mudança de clima (por que os projetos de MDL precisam atender tanto os critérios de adicionalidade e de desenvolvimento sustentável), para que em algum período após 2012 o Brasil possa estar mais bem situado para o exercício de papéis que se espera em função das características e dinâmica das emissões e dos sumidouros de gases de efeito estufa no território nacional. Tal estratégia deve incluir também o fortalecimento dos instrumentos, inclusive de regulamentação e de participação pública, para que projetos de MDL possam de fato atender interesses públicos, além dos interesses das partes envolvidas.
Os esforços do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente precisam ser apoiados, para que o grupo especial sobre mudança de clima criado em 2004 possa concluir seus trabalhos voltados à inclusão de questões de mudança de clima nos procedimentos e instrumentos previstos na lei 6.938/81 – Política Nacional do Meio Ambiente, com a correspondente mobilização das organizações e entes federativos participantes do SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente.
É preocupante que diversos atores mobilizados para uma política nacional de mudança de clima, especialmente nas discussões em torno do projeto do deputado Ronaldo Vasconcellos, expressam interesses de empresas que atuam na elaboração (e tentativa, por enquanto) da comercialização de créditos de carbono. Talvez por isso caminhem para uma posição que exclui do projeto questões como o conceito de responsabilidade comum, porém diferenciada, incluso na Convenção e, portanto, a obrigação que todos os países signatários têm de contribuir com a redução do aquecimento global, defendendo a idéia de que assumir compromissos de redução seria um “tiro no pé” do país, na medida em que se alteraria a linha de base do país e, conseqüentemente, a possibilidade de comercialização de mais e mais créditos de carbono.
Em termos mais concretos é importante que o Brasil crie um consenso sobre sua atuação na redução das emissões de carbono, seja no desmatamento, seja na queima de combustíveis fósseis; no que toca a combustíveis e energia, o país até que tem atuado historicamente, com o pró-álcool, com sua matriz elétrica baseada em hidroeletricidade, com a produção de aço com forte componente de carvão vegetal e, agora, com o programa do biodiesel. Uma política nacional de mudanças climáticas deve reafirmar o compromisso do país com os renováveis, para além do que o Ministério de Minas e Energia atualmente considera como suficiente, pois não podemos esquecer dos problemas socioambientais gerados pela gestão historicamente centralizada e pouco democrática destes programas. Também não podemos deixar de lado a pressão que estes programas tendem a exercer sobre biomas ameaçados como a mata atlântica e o cerrado.
Sabemos que a sociedade brasileira desconhece suas vulnerabilidades frente às mudanças climáticas futuras, que, queiramos ou não, devem acontecer. Pois bem, uma política nacional de mudanças climáticas precisa contemplar a ampliação do conhecimento e informação sobre as vulnerabilidades das populações e da economia, além de também instrumentos que propiciem a criação de programas de adaptação das populações e da produção ao novo regime climático. Para isso será necessário o apoio técnico e financeiro para a realização, por entidades acadêmicas, órgãos de governo ou organizações da sociedade civil, de estudos relativos à vulnerabilidade e adaptação do país às mudanças de clima, com foco nas populações e regiões mais vulneráveis.
O Brasil deve considerar as questões de justiça social na discussão de mudança de clima. Deve se preocupar também com justiça climática, isto é, que os efeitos ambientais perversos e as causas de mudanças climáticas não impactem negativamente aqueles que já não dispõem das melhores condições de vida, já que, não por coincidência, os mais pobres e aqueles que vivem em zonas de risco são os que mais devem sofrer com alterações no clima.
Importante será, em todas as esferas de governo, o fortalecimento de programas e instrumentos públicos para a conservação de florestas e diminuição do desmatamento, inclusive por meio de ampla discussão e informação para a sociedade, conforme previsto no artigo 6 da Convenção, sobre a responsabilidade do Brasil nas emissões de carbono à atmosfera.
Para estimular empresas e a sociedade no uso de energia renovável, o Governo Federal precisa divulgar o cronograma, metas e das medidas específicas da segunda fase do PROINFA – Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia, reconhecendo a importância de tal programa para tornar a matriz energética brasileira ainda mais compatível com os objetivos da Convenção de Mudança de Clima.
Sobretudo, esperamos o abandono do investimento e das medidas governamentais para a construção de usinas nucleares para geração de energia, uma vez que a opção nuclear não deve ser a resposta para o atendimento dos objetivos do regime internacional de mudança de clima.
Para dar conta de tantos desafios é necessário o envolvimento e a institucionalização da participação de organizações da sociedade civil no Fórum Brasileiro de Mudança de Clima, nos trabalhos da Comissão Interministerial de Mudança de Clima, nas delegações do país junto às CoP e nas demais sessões de negociações do regime e em outras instâncias que possam vir a ser implementadas (como por exemplo um Comitê Nacional para o MDL) pelo país. Por meio dessas instâncias será mais fácil promover as discussões públicas para avaliar as opções e estratégias do Brasil para as atividades do país, nos períodos subseqüentes a 2012, e que sejam consistentes com a Convenção Quadro de Mudança de Clima.
Enfim, continuaremos a esforçar-nos pelo debate público para que o Brasil possa honrar suas responsabilidades internacionais, legais e morais, no regime multilateral de mudanças de clima. E, para tanto, é fundamental um marco regulatório, amplo e flexível, que possa evoluir ou dar espaço para os próximos passos a serem estabelecidos no âmbito de tal regime. Esse é o compromisso do Vitae Civilis, que está há mais de uma década engajado em aumentar a capacidade de organizações da sociedade civil em lidar com os desafios da sustentabilidade, especialmente os associados às causas e aos efeitos de mudança de clima.
*Rubens Born, Mark Lutes e Délcio Rodrigues são, respectivamente, coordenador executivo, técnico associado e pesquisador do Vitae Civilis -Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz (www.vitaecivilis.org.br).
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